"Ando no rastro dos poetas, porém descalça... Quero sentir as sensações que eles deixam por ai"



quinta-feira, 27 de fevereiro de 2020


terça-feira, 25 de fevereiro de 2020


“Entre mortos e feridos, alguém há de escapar.”

adjetivos: modo de usar



Meteu uma regata de ‘perdão, sou inseguro’ e saiu com sua armadura linguística.

Nossa língua portuguesa nos brinda com uma infinidade espetacular de adjetivos. Isso não significa que podemos pegar qualquer um e sair por aí vestindo sua camisa. Se você é metido, não chame isso de inibido. Se você é arrogante, pare de se autodenominar retraído. São muitos sinônimos para “tímido” quando, no fundo, a maioria das pessoas apenas não vale grande coisa.

Tenho um amigo que é introvertido de verdade e, ao sair para jantar pela primeira vez com sua futura esposa, escreveu num caderninho assuntos para levar ao restaurante. Ele não foi blasé ou vulgar. Ele foi apenas tímido. A verdade é que o blasé e o vulgar são, necessariamente nessa ordem, apenas blasé e vulgar.

Tinha uma colega, na época da faculdade, que era bastante cuidadosa em transformar toda e qualquer festa, toda e qualquer viagem nos piores momentos da vida dos integrantes. Ela botava uns contra os outros, inventava histórias cabeludas, descobria a fraqueza de cada um e as cutucava devagar e ininterruptamente.
Dava em cima de todo mundo, chorava porque todo mundo dava em cima dela, e, quando estávamos profundamente infelizes e desconectados e nos odiando, ela pedia desculpas e falava: “Sou deprimida”.

Agora imagine se os deprimidos usassem os outros como fonte mágica e inesgotável de gozo cruel? Estaria curada a doença! Seria o fim da indústria farmacêutica. O nome disso é ruindade mesmo.

Certa feita, passeando com um amigo, eu tropecei e caí num buraco. Ele seguiu andando mais oito quadras, falando sem parar, quando finalmente deu pela minha falta. Ele disse que estava numa fase “ensimesmada”. Adoro a esperteza dos egocêntricos.

O feio pode ser charmoso. O flácido pode ser gostoso. O bronco até pode ser um pouco inteligente. O estranho pode ser sexy. O mal-ajambrado quase sempre é estiloso. Mas o preguiçoso não pode mais ser um artista incompreendido. O escroto não pode mais meter uma regata de “perdão, sou inseguro” e sair pelas ruas protegido por sua fake armadura linguística, por seu adjetivo salvador.

Sabe aquele tipo de gente: “Ai, aquele dia que me achei mais lindo e mais rico e mais sábio que os outros —então— é porque na verdade me acho inferior”. Não, amor, você apenas não presta. Você apenas merece um dia medonho e oxiúros eternos no ânus.

O desligado esquece de colocar o lixo para fora e deixa a própria casa fedendo; o idiota tira o lixo, mas o joga de qualquer jeito na lixeira “porque é desligado”, e incomoda os vizinhos e os funcionários do prédio. Uma coisa é completamente diferente da outra.

Quantas vezes você não viu uma pessoa distribuindo patadas e humilhações e depois se explicando: “Ai, foi o gim tônica”. 
O nome disso é filho da puta e não bêbado. É importante saber usar os adjetivos corretos para não acabar refém do próprio vocabulário.

Aquele cara que fala alto e o tempo inteiro no cinema: mala sem educação ou grande entusiasta da sétima arte? O namorado que bate na mulher: machista criminoso ou ciumento apaixonado? O médico do plano que o atende correndo e cheio de desdém: desgraçado ou ocupado? A colega de trabalho que te trata como se você fosse uma ameba com mau hálito: vaca invejosa ou coitada estressada?

Quantas vezes o esnobe não lhe virou a cara e, mais tarde, achando que poderia finalmente obter algo através de você, veio com aquele papinho: “Nossa, foi mal aquele dia, é que sou esquisitão”.

Não, meus queridos, vocês apenas são o que são.
Me falta até adjetivo pra isso.

tipinhos de homem





“Tudo bem, bravas fêmeas, os homens são todos iguais, já sabemos, blablablá.
Alguns, no entanto, são bem mais perigosos que os outros. Em mais um serviço de utilidade pública, este cronista de costumes expõe o seu varal. Eis alguns tipos, noves fora a categoria metrossexual (já devidamente batida) que merecem cuidados especiais:

Homem-bouquet – aquele macho que entende de vinhos finos, abre a garrafa, cheira a rolha, balança na taça, sente o “bouquet” da bebida... O tipinho não perde um programa do Renato Machado no GNT, entra em sites franceses do gênero, reúne os amigos para encher o saco com o tal bouquet... Mais uma advertência: o mesmo elemento costuma apreciar também o que ele chama de um bom jazz, uma “música de qualidade”... Corra, Lola!

Homem-hortinha - aquele mancebo que, ao receber as moças elegantemente para um jantar, usa o manjericão cultivado na própria hortinha que mantém no quintal ou na área de serviço. Cultivar o próprio manjericão não é exatamente o defeito do rapaz. O problema é que ele passa duas horas a discorrer sobre o cultivo da hortinha, os cuidados, o zelo... Uma amiga, coitada, conheceu um destes exemplares que cultivava até a própria minhoca usado como “fator adubante” da própria hortinha. Corra, Lola, corra, corra!

Homem-do-predinho-antigo - aquele sujeito que ou é gay ou é um metrossexual enrustido. E o pior não é habitar um predinho antigo. O que mais dói é quando ele pronuncia, como toda a afetação desse mundo, que mora num “predinho antigo, charmoso”. Você entra lá e avista logo umas revistas chiques estrangeiras espalhadas pela sala, tipo “ID”, “Wallpaper” e quetais. O cara entende de iluminação indireta, tem cada abajur, Deus mio! Corra léguas, Lola!

Homem-Ômega 3 – trata-se do camarada-saúde, preocupado em combater os radicais livres e encher o saco da humanidade com as suas receitas, dietas e bulas. Adora um salmãozinho, que ele pronuncia “salmon”, claro, como os mais frescos exemplares da raça.

Homem-ONG – o sujeito oenegê é o que há. Todo politicamente correto, benza-te Deus. Adora um abaixo-assinado, uma passeata, e está sempre morto de decepcionado com alguma coisa. Sim, ele acredita na humanidade, na responsabilidade social, no terceiro setor, na arte como redenção dos pobres... Se você reparar, ele quase levita, de tão puro, de tão bom. Some, Lola, some que é roubada-mor.”

* Texto do Xico Sá

🌸Salmos 30:11-12
@diariocomdeus_

sexta-feira, 21 de fevereiro de 2020

batuque final


Não havia o desejo antecedendo o abraço dos corpos
havia apenas uns brindes, o tim-tim no bater de vários,
vários copos.
(Nada que não soterrasse um abismo antigo).
Não olhei pra baixo quando me lancei
da altura da nota que sua voz alcança.
(Não gritei de medo por temer também o eco).
E, no rabisco de um passo de dança,
lançamos um tango,
e, no cigarro que acendo pra lembrar a cena,
te trago comigo.

Nenhum drama, era carnaval:
me fantasiei de transgressora
pra me embrenhar nos teus cabelos com cheiro de banho
e desfrutar do que foi tão bom,
mas que já começou
no batuque final.



(...)
O que se espera de uma nação
Que o herói é a televisão
Que passa todos os seus meses mal
Melhora tudo no Carnaval
Dá pra brincar, dá pra comemorar
Só não se sabe muito bem por que
Entrou de cara na realidade
Na quarta-feira que eu quero ver

“Na quarta feira é a volta pra realidade que arde
Acaba a comemoração apaga a televisão pra não gastar a eletricidade

Como na Cinderela carruagem volta a ser abóbora
E na favela o carro alegórico some
E volta às sobras: sobra de feira, sobre de terra, sobra de chão
Sobre de lama, sobra de bala perdida, sobra de comida
  
Pra mucama, mucama que nada exclama, que não reclama, que não se inflama
Só basta ter novela, põe na tela todo mundo ama
Todo mundo, mas na vida real todo mundo se odeia
E ódio gera ódio, um sobe no pódio, outro serve a ceia
Ceia do natal, tem Xuxa no carnaval

Mucama deitada na cama beijinho beijinho pau pau. Tchau!
Eu só vou te usar, você não é nada pra mim
Já temos outra pra colocar no seu lugar - Pirlimpimpim!
Abracadabra, é como mágica, mas não é abra-te Sésamo
Porque aqui as portas só se fecham
Bum! É menos uma oportunidade

Não é só a quarta feira que é de cinzas, na verdade é a semana inteira
Quinta, sexta, sábado, domingo e segunda

E o povo mucama continua sorrindo levando nas coxas, levando na bunda
Mas não faz mal porque depois melhora tudo no Carnaval”

Mucama / Gabriel, o Pensador

Isaías 41:10-13 🌸
@diariocomdeus_

segunda-feira, 17 de fevereiro de 2020



Eu não sei onde estávamos com a cabeça quando pulamos aquelas sete ondas, comemos 12 castanhas e usamos uma calcinha rosa ao avesso na noite de Réveillon. Prometemos pra nós mesmos que em 2020 tudo seria diferente. E aqui estamos nós, já é fevereiro, temos vergonha de olhar para a lista de metas do ano novo. Aparentemente não iremos ler mais livros este ano, nem emagreceremos ou ganharemos mais dinheiro, não teremos mais tempo com a família nem conquistaremos um novo amor. Todo o esforço foi em vão.

Em geral, as resoluções de ano novo de todos nós foram as mesmas: queremos mais dinheiro (quem não quer?), mais tempo com a família e amigos, uma alimentação mais saudável, começar a malhar, ler mais livros. Um proprietário de academia me contou sorrindo que em dezembro e janeiro as matrículas explodem, em março o movimento diminui e em abril os equipamentos estão às moscas. 80% das pessoas que se inscrevem na academia paga as mensalidades, mas não frequenta. 80%!

Nossa principal falta de noção é matemática: como conseguiremos ter mais tempo e mais dinheiro ao mesmo tempo? Não existe tarefa mais complicada do que ganhar dinheiro. Exige tempo e dedicação. Acredito que é impossível ganhar dinheiro e, ao mesmo tempo, ter capacidade de curtir amigos, academia, família e livros.

Precisamos decidir: ou dinheiro ou tempo livre! Se decidirmos ter mais dinheiro, vamos ter que ver menos nossa família e amigos. Se decidirmos ter menos dinheiro, teremos bastante tempo livre – os hippies podem explicar melhor como isso funciona.

Um ano novo cheio de realizações – isso é o que todos teremos, certamente. Contudo, não serão as realizações que pretendíamos. Não leremos tantos livros, mas conheceremos pessoas interessantes no happy hour da firma. Não passaremos tanto tempo com a família, mas conheceremos uma cidade nova nas férias. Não começaremos a malhar, mas encontraremos novos amigos no ponto de ônibus.

Seremos muito parecidos com o que fomos no ano passado, mas completamente diferentes. Alguns quilos acima do que desejávamos. Mas vivos. Vivos e ansiosos pelas surpresas que o ano novo nos guarda.


Toma conselhos com vinho, mas toma decisões com a água.

Benjamin Franklin


“Sou boa sou má, sou verdadeira sou desonesta, sou lúcida sou louca, cresço ou permaneço, amo ou abandono, ajudo ou torturo - e assim, com o leque das possibilidades, me foi dado o tormento das opções.”



🌸Salmos 62:1-2
@diariocomdeus_

sexta-feira, 14 de fevereiro de 2020



A vida é igual garimpo.
Não se percebe o diamante
numa primeira olhada.
Por ser muito parecido
com o cascalho,
corre o risco
de ser jogado fora.
Cascalhos e diamantes se parecem.

A única diferença é que o diamante
esconde o brilho sob as cascas
que o revestem.
É preciso lapidar.
Pessoas são como diamantes.
Corremos o risco de jogá-las fora
só porque não tivemos
a disposição
de olhá-las para além
de suas cascas.

E então, desperdiçamos
grandes riquezas
no exercício
de alimentar pobrezas.


#mamys forever


“A capacidade de se colocar no lugar do outro é uma das funções mais importantes da inteligência. Demonstra o grau de maturidade do ser humano.” 

(Fernando Cury)

“Com cada fio branco, cada ruga, cada cicatriz, as visíveis e as que estão por baixo da pele, estou certa de que a idade não é o fim da beleza. É a beleza em si.”

Denise Boomkens


🌸 Salmos 91:9-10
@diariocomdeus_

quinta-feira, 13 de fevereiro de 2020


#dia mundial do rádio

terça-feira, 11 de fevereiro de 2020



“Todos nós temos demônios nos cantos escuros da alma, mas se os levamos à luz, os demônios diminuem, enfraquecem, se calam e por fim nos deixam em paz”.

/ Isabel Allende


reatando com o analógico


Quando nos falam sobre pessoas que caíram no golpe do bilhete premiado, ou que acreditaram estar escutando, pelo telefone, as súplicas de um filho sequestrado, e acabam entregando seu dinheiro nas mãos de golpistas inescrupulosos, logo pensamos que nós não seríamos pegos. Não seríamos tão ingênuos. Não seríamos tão trouxas.

Corta para a véspera de Natal. Você está exausta em frente ao computador, de coração mole e com os neurônios fritando, quando recebe uma mensagem de uma amiga pelo whatsapp. Você sabe que ela anda com problemas financeiros, e está fazendo o que nunca fez: pedindo um empréstimo. Precisou fazer algumas transferências bancárias e excedeu o limite do dia, faltou fazer mais uma, você poderia fazer por ela? Logo ela irá te ressarcir. Você, sendo uma pessoa vivida, pegaria o telefone e ligaria para ela para combinar a transação, mas você não telefona. Você faz o depósito online. Parabéns, você foi pega. Você é ingênua, sim. Você é trouxa, sim.

Esta é mais uma crônica da série: “Até que acontece com a gente”. Sempre tão atinada, caí feito um patinho neste golpe eletrônico já tão divulgado. Minha amiga teve o celular clonado, não era ela que estava falando comigo, lógico. Meus amigos me consolam dizendo: Martha, você tem bom coração, não deve se envergonhar, quis apenas ajudar. Pois é, mas de que adianta ter bom coração num planeta fake? Não temos mais o direito de confiar, de permitir que a vida flua sem o radar ligado 24 horas. Não podemos escutar “te amo” acreditando que é amor mesmo, vá que seja por interesse. Ao ouvir um “te devolvo amanhã”, é certo que nunca mais verá o que emprestou. Temos sempre que ler nas entrelinhas, desconfiar das intenções, ficar alerta para escapar de tentativas de empulhação. Até as notícias que lemos nas redes sociais não são notícias, e sim desinformação planejada para manipular nossos pensamentos e opiniões. O que mais falta para virarmos uma sociedade de paranoicos?

Daqui pra frente serei mais cuidadosa, mais atenta, mais malandra – menos eu. Efeito colateral da tecnologia: se os estelionatários são avatares, é sendo um avatar de mim mesma que reagirei. Não bloquearei minhas contas, nem me mudarei para o meio do mato: irei me adequar, providenciarei os ajustes necessários, começando por fazer as pazes com o analógico. Falar mais com as pessoas, e não apenas me comunicar via digital. Escutá-las. Se não ao vivo, que seja pelo telefone, aquele aparelhinho incrível que, antes de virar um transmissor de gravações e mensagens abreviadas, permitia que ouvíssemos a voz do outro em tempo real.

Alô? Tudo bem com você? Que bom te ouvir.


Lamentações 3:22🌸
@diariocomdeus_

segunda-feira, 10 de fevereiro de 2020



Se você quer vencer, não fique olhando a escada. Comece a subir, degrau por degrau, até chegar ao topo.”

__Fran Horwath



Joaquin Phoenix conquistou o Oscar de melhor ator, pelo seu desempenho em Joker. Em seu discurso, o ator reconheceu erros e perdão.


“Quando usamos amor e compaixão como nossos guias principais, nós criamos sistemas de mudança. Não quando nos cancelamos pelos erros do passado, mas quando nos guiamos para crescer, por redenção, esse é o melhor da humanidade”.


O ator terminou, de forma melancólica, ao lembrar de seu falecido irmão River Phoenix, que sofreu uma overdose aos 23 anos de idade, em 1993.

Quando tinha 17 anos, meu irmão escreveu: “corram ao resgate com amor e a paz será o resultado”.



Mineiro é precavido.

Mesmo quando viaja de avião para o litoral, já vai de biquíni ou de calção por baixo das roupas.
Está na fila do embarque, disfarçado, com as peças prontas para o mergulho. Ainda que falte retirar a bagagem, embarcar em ônibus, ir para hotel, não quer perder tempo. Não duvido que não tenha passado protetor.
Ele se mata antes para poder relaxar depois e não pensar mais em nada. Só relaxa quando dá conta de todos os preparativos.
Com objetivo de evitar incomodações, incomoda-se de véspera.

Suas promessas não têm fim. Vive comprando briga com os calendários. E não muda de opinião em clima ruim. Põe uma coisa na cabeça e não aposenta a ideia até cumprir. As circunstâncias desfavoráveis não interrompem os seus sonhos e passeios.

Mineiro é o cauteloso teimoso, ansioso por natureza.
Tenta pagar as contas antes da data do vencimento, tenta guardar dinheiro para uma emergência, tenta organizar a mala uma semana anterior à partida, tenta aniquilar a carga do emprego com antecedência, tenta aliviar as demandas virando as madrugadas para não legar pendência aos colegas. Disputa, diariamente, uma corrida com a eternidade. Não pretende receber nenhum telefonema perturbando a sua folga.

Mineiro permanece adiantado um mês. Estamos em janeiro, ele já está em fevereiro. Há treze meses por ano para ele.

Por mais que eu esqueça algo para o veraneio, minha esposa Beatriz sempre se lembra antes de mim. Não tem graça. Não recordei do repelente, lá aparece ela com o produto. Não me ative com o cotonete, vem ela mostrar os palitos azuis em sua bolsa. Ela fez um sacolão na farmácia com o que poderíamos precisar e não precisar também. Trouxe um hospital junto para a praia, nos casos de gripe, febre, alergia, enjôo, enxaqueca, dor de barriga, bicho-de-pé, queimadura. Posso escolher a doença que ela providenciará a cura.
Há componentes inacreditáveis em sua nécessaire. Já surgiu com um saca-rolhas. Ou um coador para suco verde. Quem pensaria nisso?

É comum vê-la tirar coelhos de seu boné. Nem me espanto mais.


“Quando fizerem o bem, tenham o cuidado para que seu gesto não vire peça de teatro. Pode até ser um bom espetáculo, mas Deus não vai aplaudir.” 

(Mateus 6:1)

terça-feira, 4 de fevereiro de 2020


Frente a um filho, somos santos
Frente a um soco, somos fracos
Frente a um rosto, somos meigos
Frente a um doce, somos magros
Frente a um bicho, somos gente
Frente a um cego, somos raros
Frente a um dote, somos pobres
Frente a um pobre, somos caros.




Não, não é o tempo que está passando depressa.
Ele flui como sempre fluiu. Nós é que estamos vivendo mal.
Nossa ansiedade nunca nos permite estar onde estamos.
Enquanto nossas mãos se moldam ao formato de nossos celulares, eles se encarregam de distrair nossa percepção do tempo que estamos tendo.
À mesa conversamos através deles com quem à mesa não está, enquanto deixamos de estar com quem estamos.

E assim, o tempo passa sem que a ele estejamos atentos.

Perde-se nos desvãos dos dedos, dando-nos a impressão de que a vida não passa de um triste e acidental círculo de repetições efêmeras, incapaz de dar-nos saciedade emocional, fruto comumente desfrutado pelos sábios e simples: a serenidade de ter o instante como “todo o tempo do mundo.”

sem anestesia



O problema não é a dor.
O que machuca é não achar sentido para tanta coisa.
É que algumas memórias nos atiram mesmo pra fora da estrada. Muita vida passou, e de vez em quando o ar ainda parece inconstante e rarefeito.
Seria ingenuidade acreditar que permaneceríamos impunes.
A gente vai crescendo e percebe quanta tolice havia em nossos desejos de querer construir mundos que durassem para sempre. Não duram. Os mundos não.
A gente dura.
Porque a despeito de tudo a vida nos invade com toda sua intensidade, por mais que tentemos nos esconder sob as cobertas, às vezes. E graças a Deus. Porque só assim temos certeza que lá dentro, em algum canto, a gente ainda preserva aquela menina que comia no prato colorido da casa da Avó e que tinha tantas certezas e tantos sentimentos.
Os sabores são outros, eu sei. As sensações também.
Mas a menina que mora em mim, ainda é a mesma.
Eu sei que é.
Algumas coisas não serão nunca, nunca compreendidas.
E talvez isso nem tenha mais importância.
Muita coisa ganhou novo significado.
Perdemos algumas certezas, ganhamos outras...
O tempo passou sim, sem anestesia.
Mas aprendi que alguns desencantos se curam mesmo só no abraço.
Vivo então, secretamente, de braços abertos para a vida...

Solange Maia

Salmos 39:4-5 🌼
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