Meteu uma regata de ‘perdão,
sou inseguro’ e saiu com sua armadura linguística.
Nossa língua portuguesa
nos brinda com uma infinidade espetacular de adjetivos. Isso não significa que
podemos pegar qualquer um e sair por aí vestindo sua camisa. Se você é metido,
não chame isso de inibido. Se você é arrogante, pare de se autodenominar retraído.
São muitos sinônimos para “tímido” quando, no fundo, a maioria das pessoas
apenas não vale grande coisa.
Tenho um amigo que é
introvertido de verdade e, ao sair para jantar pela primeira vez com sua futura
esposa, escreveu num caderninho assuntos para levar ao restaurante. Ele não foi
blasé ou vulgar. Ele foi apenas tímido. A verdade é que o blasé e o vulgar são,
necessariamente nessa ordem, apenas blasé e vulgar.
Tinha uma colega, na
época da faculdade, que era bastante cuidadosa em transformar toda e qualquer
festa, toda e qualquer viagem nos piores momentos da vida dos integrantes. Ela
botava uns contra os outros, inventava histórias cabeludas, descobria a
fraqueza de cada um e as cutucava devagar e ininterruptamente.
Dava em cima de todo
mundo, chorava porque todo mundo dava em cima dela, e, quando estávamos
profundamente infelizes e desconectados e nos odiando, ela pedia desculpas e
falava: “Sou deprimida”.
Agora imagine se os
deprimidos usassem os outros como fonte mágica e inesgotável de gozo cruel?
Estaria curada a doença! Seria o fim da indústria farmacêutica. O nome disso é
ruindade mesmo.
Certa feita, passeando
com um amigo, eu tropecei e caí num buraco. Ele seguiu andando mais oito
quadras, falando sem parar, quando finalmente deu pela minha falta. Ele disse
que estava numa fase “ensimesmada”. Adoro a esperteza dos egocêntricos.
O feio pode ser charmoso.
O flácido pode ser gostoso. O bronco até pode ser um pouco inteligente. O
estranho pode ser sexy. O mal-ajambrado quase sempre é estiloso. Mas o
preguiçoso não pode mais ser um artista incompreendido. O escroto não pode mais
meter uma regata de “perdão, sou inseguro” e sair pelas ruas protegido por sua
fake armadura linguística, por seu adjetivo salvador.
Sabe aquele tipo de
gente: “Ai, aquele dia que me achei mais lindo e mais rico e mais sábio que os
outros —então— é porque na verdade me acho inferior”. Não, amor, você apenas
não presta. Você apenas merece um dia medonho e oxiúros eternos no ânus.
O desligado esquece de
colocar o lixo para fora e deixa a própria casa fedendo; o idiota tira o lixo,
mas o joga de qualquer jeito na lixeira “porque é desligado”, e incomoda os
vizinhos e os funcionários do prédio. Uma coisa é completamente diferente da
outra.
Quantas vezes você não
viu uma pessoa distribuindo patadas e humilhações e depois se explicando: “Ai,
foi o gim tônica”.
O nome disso é filho da puta e não bêbado. É importante
saber usar os adjetivos corretos para não acabar refém do próprio vocabulário.
Aquele cara que fala alto
e o tempo inteiro no cinema: mala sem educação ou grande entusiasta da sétima
arte? O namorado que bate na mulher: machista criminoso ou ciumento apaixonado?
O médico do plano que o atende correndo e cheio de desdém: desgraçado ou
ocupado? A colega de trabalho que te trata como se você fosse uma ameba com mau
hálito: vaca invejosa ou coitada estressada?
Quantas vezes o esnobe
não lhe virou a cara e, mais tarde, achando que poderia finalmente obter algo
através de você, veio com aquele papinho: “Nossa, foi mal aquele dia, é que sou
esquisitão”.
Não, meus queridos, vocês
apenas são o que são.
Me falta até adjetivo pra
isso.