quinta-feira, 31 de dezembro de 2020
“Daqui a pouco o ano termina. Finais de ano servem de balanço, de balança.
O coração faz retrospectiva, a memória guarda o que foi bom e tenta passar a perna na parte amarga.
Não tem jeito: todo fim de ano é a mesma coisa. Uns riem, outros choram, alguns riem e choram. O que importa no fim das contas é acumular experiências dentro da bagagem e ter a disposição e a força para seguir em frente.
E viver uma vida mais leve, feliz e cheia de esperança.”
terça-feira, 29 de dezembro de 2020
Às vezes a gente faz
tantos planos e de repente acontece algo que, de uma hora pra outra, muda todas
as urgências, modifica prioridades e torna quase insignificantes os anseios que
tínhamos agorinha.
E o que mais nos assusta
toda vez que isso acontece, é lembrar que, embora costumemos agir como se
tivéssemos, não temos controle coisíssima nenhuma.
o tempo perdoa tudo
Se alguém mata uma pessoa
e consegue escapar da polícia, mantendo-se fora do alcance da lei por um longo
período,o crime prescreve. Vinte anos depois do delito cometido, fica
extinguida a punibilidade do criminoso por o estado não tê-lo julgado e
condenado em tempo hábil. Agora pense bem: se até a Justiça admite que depois
de os ânimos serenarem ninguém precisa mais de castigo, talvez a gente também
devesse suspender a pena daqueles que cometeram crimes contra o nosso coração.
Mágoas entre pais e
filhos, por exemplo. Não tem nada mais complicado do que família, você sabe.
Amor à parte, os desentendimentos são generalizados, e às vezes uma frustração
infantil segue perturbando a gente até a idade adulta. Seu pai nunca lhe deu um
abraço? É um crime fazer isso com a criança, mas é preciso prescrevê-lo. Vinte
anos depois, não da para continuar usando essa justificativa para explicar por
que você usa drogas ou por que não consegue ser afetuoso com os outros. Cresça
e perdoe.
Você jurou que nunca mais
iria falar com aquele seu amigo que lhe dedurou no colégio? Eu também acho que
duderagem é falta de caráter, e você teve toda a razão de ficar danado da vida.
Mas quanto tempo faz isso? O cara agora está jogando futebol no seu time, tem
sido um companheirão, e você segue não baixando a guarda por causa daquela
molecagem do passado. Releve e chame o ex-inimigo para tomar uma cerveja, por
conta dos novos tempos.
Dureza, agora: ele foi o
amor da sua vida. Chegaram a noivar. Você já estava comprando o enxoval quando
o cara terminou tudo. Por telefone. Não deu explicação: rompeu e desligou. Na
mesma semana seguinte foi visto enrabichado numa bisca. Você deseja
ardentemente que ambos caiam numa piscina lotado de piranhas famintas. Apoiado.
Mas faz quanto tempo isso? Você já casou, ele já casou, aquela bisca não durou
nem duas semanas. Por que ainda fingir que não o vê quando o encontra num
restaurante? É bandeira demais ficar tanto tempo magoada. E a tal
superioridade, onde anda? Dê um abaninho pra ele.
Se quem estrangula e
degola recebe o perdão da sociedade depois de duas décadas, os pequenos
criminosos do cotidiano também merecem que a passagem do tempo atenue seus
delitos. Não cultive rancor. Se não quiser mais conviver com aquele que lhe fez
mal, não conviva, mas não fique até hoje armando estratégias de vingança.
Perdoe. Vinte anos depois, bem entendido.
segunda-feira, 28 de dezembro de 2020
domingo, 27 de dezembro de 2020
o nosso astral
Durante uma das Lives de
Casal comandadas por Patrícia Parenza e Marcelo Pires, escutei algo
interessante de Washington Olivetto, que foi entrevistado ao lado da mulher.
Conversando sobre os bons tempos da agência W/Brasil, ele revelou que um de
seus méritos era ser um excelente administrador de astral. Quem teve a sorte de
trabalhar com ele, pode confirmar. Se o ânimo do pessoal murchava, Washington
mandava distribuir sorvete para todo mundo: uma atitude prosaica com efeito
instantâneo. Sem falar nas animadas “festas da firma”, com shows de Lulu
Santos, Jorge Ben Jor e outros entendidos em diversão.
Se você não tem uma
empresa, ao menos tem um teto onde dorme, almoça, vive. Então também entende do
assunto: criar uma atmosfera. Mesmo que tenha herdado móveis pesados cheirando
a mofo ou que more num apartamento minúsculo com uma única janela, nada impede
que receba os amigos com jazz, um café passado na hora, flores nos vasos (mesmo
que colhidas num jardim público, ninguém precisa saber) e com a janela bem aberta.
Pode contar histórias engraçadas em vez de apenas se queixar, escolher filmes
bacanas em vez de assistir a programas ordinários, ser afetivo em vez de
arrogante, manter o ambiente sempre limpo e investir em alguma cor para quebrar
a monotonia. Vale para seu consultório também. Para sua loja. Sua barbearia.
Seu mercadinho.
Vale para o país. É dever
de todo presidente administrar o astral. Passar confiança, estimular a arte e a
cultura, dar exemplo de comportamento, cuidar da natureza, ser gentil, ter compostura
de chefe e, ao mesmo tempo, inteligência emocional para rir de si mesmo,
humildade para reconhecer os próprios erros e evoluir, a fim de que todos em
volta se sintam protegidos, seguros e confortáveis, orgulhosos do seu chão, com
vontade de cantar no chuveiro, dançar na sala.
2021 precisa ser melhor
do que 2020. A vacina virá e é possível que no segundo semestre a gente
recupere algo parecido com a rotina que tivemos um dia. Parecido, não igual.
Porque o astral do país despencou. Ficamos inseguros em relação a tudo.
Substituímos nosso natural bom humor pelo espírito de porco. Ninguém lá fora
anda a fim de nos visitar, nem de receber nossa visita. O Brasil se tornou
desagradável, como aquele vizinho que nunca acende a luz, não areja a casa, usa
um vocabulário chulo, só come enlatado e não junta o lixo sobre o tapete. Que
não administra o astral dele, nem de coisa nenhuma, e compromete o prédio
inteiro, deixando um cheiro de podre no ar.
Vacine-se. Salve-se.
Deixe o vizinho turrão falando sozinho. Café e flores. Música e livros. Sol e
amigos. Paz e amor. Um 2021 com muito sorvete para todos nós.
“Fui achando meus
espaços, descartando meus pecados, acreditando nas escolhas... Hoje tenho o
andar mais solto,
não pela facilidade do caminho, mas por ter total domínio dos meus pés.”
quinta-feira, 24 de dezembro de 2020
um Natal para reflexão
Há dois Natais em cada um
de nós: o que sonha e o que sofre, o que concilia e o que corrói, o que se
aflige e o que celebra, o que descrê e o que espera, o que cobre a cabeça para
não ver e o que fala alto, claro e com fervor. Por acaso – eu, que pouco
acredito em acasos – esta coluna vai sair na véspera da véspera de Natal: tema
espinhoso, pois há os que cultuam, os que detestam, os que ignoram, os que
ficam melancólicos, e todos precisam ser respeitados, todos no mesmo barco da
alegria ou do susto, e da geral perplexidade sobre o que fazer, como fazer, quando
começar a fazer. Fazer o quê? Refletir, mudar, gritar, amar, comprar ou vender,
esperar, talvez morrer. Escrever, no meu caso. Sobre mim, sobre o mundo, sobre
este estranho país de contrastes, de desencontros e desencantos, de rala e rara
esperança.
Não aprecio a torre de
marfim da estética e da emoção, em que se pretende que a realidade não nos diga
respeito: diz respeito, sim, pois acredito que cada cidadão é senhor, é mestre
em assuntos de seu país. Tem o doutorado da dura experiência, das contas a pagar,
do emprego a conseguir, dos líderes cínicos e decepcionantes, dos filhos a
criar, da saúde a desejar, da esperança a manter, apesar de tudo. No território
da realidade concreta, aparentemente nossa resignação precisa começar a criar
seus limites: bom presente de Natal para cada pessoa que pensa. Bradar em vez
de sussurrar; olhar de frente em lugar de se esconder.
Andamos demais
acomodados, todo mundo reclamando em voz baixa como se fosse errado
indignar-se. Sem ufanismo, que dele estou cansada, sem dizer que este é um país
rico, de gente boa e cordata, com natureza (a que sobrou) belíssima e generosa
– sem fantasiar nem botar óculos cor-de-rosa que o momento não permite, eu me
pergunto o que anda acontecendo com a gente. Tenho medo disso que nos tornamos
ou em que estamos nos transformando, achando bonita a ignorância eloquente,
engraçado o cinismo bem-vestido, interessante o banditismo arrojado, normal o
abismo em cuja beira nos equilibramos – não malabaristas, mas palhaços.
Saúde, educação, cultura,
estradas, ferrovias, aviação estão numa decadência nunca vista, sem falar na
honradez de nossos homens públicos. Líderes mentem e se desmentem,
acobertam-se, insultam-se, à vista de todos se comprometem com a corrupção e os
mais variados escândalos! Tudo normal, como o império macabro da violência que
nos faz correr nas ruas feito ratos amedrontados, fechados em casa à noite
devido à guerra civil, felizes se nenhuma das pessoas que amamos foi assaltada
e morta naquele dia.
Dormimos no chão dos
aeroportos, contentes quando nosso avião afinal chega salvo ao seu destino,
enquanto se fazem mais cortes nesse setor e em muitos outros, para poder pagar
o fantástico salário de deputados e senadores: as coisas por aqui são assim
mesmo, por que se incomodar?
Tudo isso, e muito mais,
acontecer com tamanha naturalidade é péssimo sinal. Mas como nem tudo são
horrores, também existem os amigos que não nos decepcionam, os amores que nos
fundamentam, os batalhadores e os idealistas, os conciliadores que nos fazem
acreditar em harmonia mais do que em desagregação e rancor, no futuro mais do
que no duvidoso presente. Houve no público e no pessoal realizações e até
decência, e é bom lembrar disso para que a gente recupere a vergonha, abra
braços mais generosos, endireite a espinha da dignidade e adoce a voz de todos
os amores.
Para os que acreditam e
os que apenas gostariam de acreditar em alguma religião, em algumas pessoas, em
alguma nobreza, em alguma esperança, em si mesmos ou em sua família, este é um
momento de parar, pensar, escutar e enxergar dentro e além dos limites pessoais
e dos fatos com os quais corremos o perigo de nos resignar. No reduto de nossa
casa, dos abraços sinceros, das memórias comovidas, dos bons projetos e do
derradeiro otimismo, este é um Natal para repensar muita coisa, e prestar mais
atenção no que está havendo dentro e fora de nós: indagando, de verdade, em que
pessoas estamos nos tornando, que futuro estamos preparando, que país, que
ordem, que progresso, que bem-estar, que segurança, que esperanças criamos
neste quase fim de 2006.
dos pedidos de natal
Que as bênçãos d'Aquele que me protege
também recaiam sobre aqueles que me são caros!
terça-feira, 22 de dezembro de 2020
segunda-feira, 21 de dezembro de 2020
domingo, 20 de dezembro de 2020
aquarius
O filme Hair está na
minha lista dos “dez mais”, não por ter atuações inesquecíveis ou um roteiro
fora de série, mas pela sua atmosfera, bem ao estilo “um novo mundo é
possível”. Eu era uma adolescente quando assisti pela primeira vez e virei uma
hippie incurável – ao menos na alma, e a alma é tudo o que importa.
Não há quem não reconheça
sua música de abertura. Aos primeiros acordes, nossa pulsação acelera, e
acelera mais, até que entra a voz da cantora Ren Woods: “When the moon is in
the seventh house/and Jupiter aligns with Mars...” É a conjunção cósmica que
inaugura a era de Aquário. Mesmo não acreditando em astrologia, não me deixe
aqui sozinha, permaneça no texto. Vamos dar as mãos e let the sunshine in (quem
não é meio hippie?)
Dizem que a partir deste
21 de dezembro, as vibrações astrais serão alteradas e os tempos sombrios se
vão. Claro que nada será perceptível no primeiro minuto, nem no segundo
(provavelmente em alguns anos), mas é científico e inegável: a incivilidade do
planeta está por um fio. De minha parte, tenho pressa em testemunhar esta
transição, então não vou colocar uma flor no cabelo e esperar sentada. Quero
dar um empurrãozinho. O “paz e amor” tem que ser pra já.
Nosso passatempo
preferido tem sido detonar uns aos outros. Nunca fomos tão bélicos, agressivos,
insuportáveis. Materialismo, consumismo, desrespeito ao meio ambiente,
estresse, competitividade, tudo culminando neste 2020 pavoroso. Chega. Sai a
tensão, entra a harmonia. Valores mais humanistas, um olhar mais pacífico para
a vida. Espero que não estejamos destreinados para a delicadeza.
O vento começará a soprar
a favor, então que a gente aproveite para varrer os destroços e construir uma
sociedade mais coletiva, aberta e do bem. Vamos usar a tecnologia para nos unir,
não para disparar mentiras e ofensas. Valorizemos aqueles que produzem ideias
novas e arte de qualidade. Aqueles que desenvolvem vacinas, energia limpa,
fórmulas contra o desperdício. Aqueles que impulsionam um novo progresso, não
mais relacionado a poder, hierarquia e dinheiro, e sim a uma evolução
espiritual e fraterna. Caramba, o mundo é um só e é de todos.
Estou viajando na
maionese? Não acho. Esgotamos nossa capacidade de ser egoístas e autocentrados.
Tem gente à beça precisando de soluções, não de mais problemas. Há um limite
para a ganância. É natural que os astros se realinhem no céu e tragam uma onda
de simplicidade, fazendo com que as pessoas parem de ostentar e cultivem sua
essência primária. O ego implora por uma trégua.
Não é apenas um desejo
meu, mas uma perspectiva real a ser comemorada. A Era de Aquário inicia nesta
segunda-feira. Primeiro dia da semana. Primeiro passo rumo a um 2021 menos
pesado e a um futuro mais solar. Pode crer.
pra quem acredita, Natal existe
quinta-feira, 17 de dezembro de 2020
o café do próximo
Inaugurou-se assim o costume de se deixar pagos dois, para o caso de surgir alguém sem trocado para um cafezinho.
A Livraria Argumento, do Rio, que tem em suas dependências o charmoso Café Severino, adotou esse esquema, rebatizando-o de “café do próximo”. Colocou um quadro-negro na entrada e ali vai anotando todos os cafés pendentes do dia, aqueles que já foram pagos. Às vezes tem dois, às vezes três, às vezes nenhum. Quem chega sem grana e vê ali no quadro que há um café pendente, pode pedi-lo sem constrangimento. Quando voltar outro dia, com dinheiro, poderá, se quiser, pagar dois e retribuir a gentileza para o próximo desprevenido. E assim mantém-se a corrente e ninguém fica sem café.
Tá bom, eu sei, posso até ver a confusão. Uns não iriam topar deixar pago nem um copo d'água para estes “vagabundos que não trabalham”. Alguns comerciantes rejeitariam a proposta sob o argumento de que “meu estabelecimento vai ficar cheio de mendigos”.
Mas de uma coisa não tenho dúvida: este exemplo pequeníssimo de boa vontade terá que um dia ser ampliado por todos nós. Vai ter uma hora em que a gente vai ter que parar de blablablá e fazer alguma coisa de fato. Ou a gente estende a mão pro tal do próximo, ou o próximo vai continuar exigindo o dele com uma faca apontada pra nossa garganta.
Esperar alguma atitude vinda de Brasília? Aqueles não são os próximos, aqueles são os cada vez mais distantes. Deles não esperemos nada. Ou a sociedade se mexe e estabelece novas formas de convívio social, com ideias simples, mas operacionais, ou o café do próximo vai nos custar cada vez mais caro.
terça-feira, 15 de dezembro de 2020
um sonho morreu
É hábito elaborar uma
lista do que ainda falta fazer na vida. Uma das pendências do meu inventário
particular era assistir ao show do Roupa Nova. Meus amigos já conheciam essa
lacuna e roteirizavam coincidências. Jamais tive a sorte de estar na minha
cidade quando a banda oferecia o seu espetáculo. Amarguei dezenas de
desencontros absurdamente pontuais.
E não sou daqueles que
gosta de Roupa Nova com vergonha, avisando que é brega, desculpa de quem não
se assume.
Eu gosto com convicção,
de quem cresceu com as suas interpretações traduzindo os nossos altos e
baixos sentimentais.
Show de Roupa Nova é
algo único. É possível vislumbrar o arrebatamento e a maratona de adrenalina
pelos DVDs.
Pois imagina um show em
que você sabe de cor todas as letras. É como pontuar ao máximo num karaokê
às cegas. É como juntar trilhas de trinta novelas num único palco (como
“Dona”, de Roque Santeiro, e “Coração Pirata”, de Rainha da Sucata). É como
virar a noite com cinquenta e dois singles.
Quem como Roupa Nova teve
52 sucessos? Não há formação com tamanha longevidade de êxitos: 20
milhões de cópias vendidas e 37 discos lançados.
Arrisco dizer que os meus
pais, eu e os meus filhos, três gerações de uma família, são capazes de
entoar sem erro “Todo azul do mar”, “Linda demais”, “Volta pra mim”, “A Força
do Amor”, “Frisson”, “A Viagem”, “Whisky a Go-Go”, “Sapato Velho”, “Seguindo no
Trem Azul”, “Um Sonho A Dois”, “Natal Todo Dia”, “Começo, meio e fim”, “Amar
é...”, “Os corações não são iguais”, “Chuva de prata” e “Linda”.
Parece que você já
recebe esses hits pelo cordão umbilical. Só pode. Nascemos sabendo, nascemos
cantando. É uma playlist que vem na gestação.
O que não esperava é
que o vocalista Paulinho fosse morrer aos 68 anos, vítima da COVID-19.
Depois de quarenta anos,
a banda nunca mais será a mesma. Um dos cavaleiros da alegria já não está
entre nós, o puxador da trupe se calou, o grito de guerra do amor foi
silenciado.
Não realizarei o sonho.
Meu checklist ficará para sempre incompleto.
Paulo César dos Santos, vocalista do Roupa Nova,
“seguiu no Trem Azul” nesta segunda, 14
nunca é “só” uma piadinha
dos natais
domingo, 13 de dezembro de 2020
Ser feliz tem muito de
confiar. De crer e de querer.
De não viver [apenas] à
superfície da vida. De, apesar dos pesares, deixar as portas [de dentro]
abertas.
De acreditar no melhor.
De agradecer.
De dar importância só às
coisas e às pessoas boas.
De segurar com as duas
mãos as rédeas do nosso destino.
De cuidar muito bem...
dos que escolhem ficar. Todos os dias.
Sofia Castro
e se em vez de falar de Natal
E se, em vez de falar de
Natal, a gente procurasse entender por que o mundo está de patas para o ar?
Pessoas se sentem no direito de serem rudes com as outras, seja por estarem
amparadas pelo escudo das redes sociais, seja porque já não sobra um fiapo de
paciência e educação. Qual a dificuldade de ser gentil?
E se, em vez de falar de
Natal, a gente lembrasse que é livre para decidir? Livre para ficar ou ir
embora, livre para continuar com a vida que tem ou arriscar outra coisa, livre
para ser quem é de verdade ou continuar fazendo de conta. Liberdade. Que tal
experimentá-la antes que seja tarde?
E se, em vez de falar de
Natal, a gente falasse sobre compaixão? Tanta gente com dívidas impagáveis, sem
acesso a um tratamento médico decente, sentindo-se solitário, não sendo
escutado por ninguém, recebendo da vida uma enxurrada de negativas. Que atenção
destinamos aos milhares de “invisíveis” que nos cercam?
E se, em vez de falar de
Natal, a gente falasse das responsabilidades que nos cabem? Postar contra o
racismo, contra a homofobia, contra o feminicídio, isso qualquer um faz para
ostentar consciência e ganhar likes em seus perfis, mas e no dia a dia? Como
você se comporta, que tipo de piada faz, qual sua reação ao ver alguém sendo
discriminado? Não há saída se não dermos nossa contribuição concreta para a
sociedade mudar.
E se, em vez de falar de
Natal, a gente falasse de arte, ainda que pareça cansativo bater nesta tecla?
Cinema, música, teatro, literatura, tudo isso é mais que entretenimento. É
preciso frequentar shows, exposições, feiras de artesanato, mostras
fotográficas, rodas de chorinho e samba, qualquer coisa que extraia a emoção e
a sensibilidade que estão dentro de nós, mas que, sem serem provocadas, fazem a
gente parecer apenas um robô cumpridor de tarefas.
E se, em vez de falar de
Natal, a gente falasse de amor? Não os amores dilacerantes que viram roteiros e
poemas, mas do amor sem o aditivo da angústia: amor real, compartilhado,
maduro, inteligente, amor que se reconhece um projeto de satisfação, alegria,
construção. Amor que não se rende aos apelos do sofrimento, aparentemente tão
sublimes, mas amor que trocou a dor narcísica pelo contentamento simplificado.
E se, em vez de falar de
Natal, a gente falasse da fé nos acasos, da importância de não ceder a
vulgaridades, da autonomia das nossas escolhas, dos favores que a vida nos fez,
da poesia que há nas miudezas, de como é importante acordar, tomar café,
escovar os dentes e continuar a busca pela plenitude possível?
Com Deus ou sem Deus, ter
uma vida digna depende de nós. O Natal é só um pretexto.