"Ando no rastro dos poetas, porém descalça... Quero sentir as sensações que eles deixam por ai"



quinta-feira, 31 de dezembro de 2020


 

 


Daqui a pouco o ano termina. Finais de ano servem de balanço, de balança. 

O coração faz retrospectiva, a memória guarda o que foi bom e tenta passar a perna na parte amarga. 


Não tem jeito: todo fim de ano é a mesma coisa. Uns riem, outros choram, alguns riem e choram. O que importa no fim das contas é acumular experiências dentro da bagagem e ter a disposição e a força para seguir em frente. 

E viver uma vida mais leve, feliz e cheia de esperança.


 


Porque a palavra de Deus é viva, e eficaz, e mais cortante do que qualquer espada de dois gumes, e penetra até ao ponto de dividir alma e espírito, juntas e medulas, e é apta para discernir os pensamentos e propósitos do coração.

 

Hebreus 4:12

terça-feira, 29 de dezembro de 2020

 


Às vezes a gente faz tantos planos e de repente acontece algo que, de uma hora pra outra, muda todas as urgências, modifica prioridades e torna quase insignificantes os anseios que tínhamos agorinha.

 

E o que mais nos assusta toda vez que isso acontece, é lembrar que, embora costumemos agir como se tivéssemos, não temos controle coisíssima nenhuma.



 

o tempo perdoa tudo

 



Se alguém mata uma pessoa e consegue escapar da polícia, mantendo-se fora do alcance da lei por um longo período,o crime prescreve. Vinte anos depois do delito cometido, fica extinguida a punibilidade do criminoso por o estado não tê-lo julgado e condenado em tempo hábil. Agora pense bem: se até a Justiça admite que depois de os ânimos serenarem ninguém precisa mais de castigo, talvez a gente também devesse suspender a pena daqueles que cometeram crimes contra o nosso coração.

 

Mágoas entre pais e filhos, por exemplo. Não tem nada mais complicado do que família, você sabe. Amor à parte, os desentendimentos são generalizados, e às vezes uma frustração infantil segue perturbando a gente até a idade adulta. Seu pai nunca lhe deu um abraço? É um crime fazer isso com a criança, mas é preciso prescrevê-lo. Vinte anos depois, não da para continuar usando essa justificativa para explicar por que você usa drogas ou por que não consegue ser afetuoso com os outros. Cresça e perdoe.

 

Você jurou que nunca mais iria falar com aquele seu amigo que lhe dedurou no colégio? Eu também acho que duderagem é falta de caráter, e você teve toda a razão de ficar danado da vida. Mas quanto tempo faz isso? O cara agora está jogando futebol no seu time, tem sido um companheirão, e você segue não baixando a guarda por causa daquela molecagem do passado. Releve e chame o ex-inimigo para tomar uma cerveja, por conta dos novos tempos.

 

Dureza, agora: ele foi o amor da sua vida. Chegaram a noivar. Você já estava comprando o enxoval quando o cara terminou tudo. Por telefone. Não deu explicação: rompeu e desligou. Na mesma semana seguinte foi visto enrabichado numa bisca. Você deseja ardentemente que ambos caiam numa piscina lotado de piranhas famintas. Apoiado. Mas faz quanto tempo isso? Você já casou, ele já casou, aquela bisca não durou nem duas semanas. Por que ainda fingir que não o vê quando o encontra num restaurante? É bandeira demais ficar tanto tempo magoada. E a tal superioridade, onde anda? Dê um abaninho pra ele.

 

Se quem estrangula e degola recebe o perdão da sociedade depois de duas décadas, os pequenos criminosos do cotidiano também merecem que a passagem do tempo atenue seus delitos. Não cultive rancor. Se não quiser mais conviver com aquele que lhe fez mal, não conviva, mas não fique até hoje armando estratégias de vingança. Perdoe. Vinte anos depois, bem entendido.



 Salmos 3:3


segunda-feira, 28 de dezembro de 2020


 

domingo, 27 de dezembro de 2020

o nosso astral

 


Durante uma das Lives de Casal comandadas por Patrícia Parenza e Marcelo Pires, escutei algo interessante de Washington Olivetto, que foi entrevistado ao lado da mulher. Conversando sobre os bons tempos da agência W/Brasil, ele revelou que um de seus méritos era ser um excelente administrador de astral. Quem teve a sorte de trabalhar com ele, pode confirmar. Se o ânimo do pessoal murchava, Washington mandava distribuir sorvete para todo mundo: uma atitude prosaica com efeito instantâneo. Sem falar nas animadasfestas da firma, com shows de Lulu Santos, Jorge Ben Jor e outros entendidos em diversão.

 

Se você não tem uma empresa, ao menos tem um teto onde dorme, almoça, vive. Então também entende do assunto: criar uma atmosfera. Mesmo que tenha herdado móveis pesados cheirando a mofo ou que more num apartamento minúsculo com uma única janela, nada impede que receba os amigos com jazz, um café passado na hora, flores nos vasos (mesmo que colhidas num jardim público, ninguém precisa saber) e com a janela bem aberta. Pode contar histórias engraçadas em vez de apenas se queixar, escolher filmes bacanas em vez de assistir a programas ordinários, ser afetivo em vez de arrogante, manter o ambiente sempre limpo e investir em alguma cor para quebrar a monotonia. Vale para seu consultório também. Para sua loja. Sua barbearia. Seu mercadinho.

 

Vale para o país. É dever de todo presidente administrar o astral. Passar confiança, estimular a arte e a cultura, dar exemplo de comportamento, cuidar da natureza, ser gentil, ter compostura de chefe e, ao mesmo tempo, inteligência emocional para rir de si mesmo, humildade para reconhecer os próprios erros e evoluir, a fim de que todos em volta se sintam protegidos, seguros e confortáveis, orgulhosos do seu chão, com vontade de cantar no chuveiro, dançar na sala.

 

2021 precisa ser melhor do que 2020. A vacina virá e é possível que no segundo semestre a gente recupere algo parecido com a rotina que tivemos um dia. Parecido, não igual. Porque o astral do país despencou. Ficamos inseguros em relação a tudo. Substituímos nosso natural bom humor pelo espírito de porco. Ninguém lá fora anda a fim de nos visitar, nem de receber nossa visita. O Brasil se tornou desagradável, como aquele vizinho que nunca acende a luz, não areja a casa, usa um vocabulário chulo, só come enlatado e não junta o lixo sobre o tapete. Que não administra o astral dele, nem de coisa nenhuma, e compromete o prédio inteiro, deixando um cheiro de podre no ar.

 

Vacine-se. Salve-se. Deixe o vizinho turrão falando sozinho. Café e flores. Música e livros. Sol e amigos. Paz e amor. Um 2021 com muito sorvete para todos nós.


 


Fui achando meus espaços, descartando meus pecados, acreditando nas escolhas... Hoje tenho o andar mais solto,

não pela facilidade do caminho, mas por ter total domínio dos meus pés.



 


 

Salmos 88:1-2

#diariocomdeus_


quinta-feira, 24 de dezembro de 2020

um Natal para reflexão



Há dois Natais em cada um de nós: o que sonha e o que sofre, o que concilia e o que corrói, o que se aflige e o que celebra, o que descrê e o que espera, o que cobre a cabeça para não ver e o que fala alto, claro e com fervor. Por acaso – eu, que pouco acredito em acasos – esta coluna vai sair na véspera da véspera de Natal: tema espinhoso, pois há os que cultuam, os que detestam, os que ignoram, os que ficam melancólicos, e todos precisam ser respeitados, todos no mesmo barco da alegria ou do susto, e da geral perplexidade sobre o que fazer, como fazer, quando começar a fazer. Fazer o quê? Refletir, mudar, gritar, amar, comprar ou vender, esperar, talvez morrer. Escrever, no meu caso. Sobre mim, sobre o mundo, sobre este estranho país de contrastes, de desencontros e desencantos, de rala e rara esperança.

 

Não aprecio a torre de marfim da estética e da emoção, em que se pretende que a realidade não nos diga respeito: diz respeito, sim, pois acredito que cada cidadão é senhor, é mestre em assuntos de seu país. Tem o doutorado da dura experiência, das contas a pagar, do emprego a conseguir, dos líderes cínicos e decepcionantes, dos filhos a criar, da saúde a desejar, da esperança a manter, apesar de tudo. No território da realidade concreta, aparentemente nossa resignação precisa começar a criar seus limites: bom presente de Natal para cada pessoa que pensa. Bradar em vez de sussurrar; olhar de frente em lugar de se esconder.

 

Andamos demais acomodados, todo mundo reclamando em voz baixa como se fosse errado indignar-se. Sem ufanismo, que dele estou cansada, sem dizer que este é um país rico, de gente boa e cordata, com natureza (a que sobrou) belíssima e generosa – sem fantasiar nem botar óculos cor-de-rosa que o momento não permite, eu me pergunto o que anda acontecendo com a gente. Tenho medo disso que nos tornamos ou em que estamos nos transformando, achando bonita a ignorância eloquente, engraçado o cinismo bem-vestido, interessante o banditismo arrojado, normal o abismo em cuja beira nos equilibramos – não malabaristas, mas palhaços.

 

Saúde, educação, cultura, estradas, ferrovias, aviação estão numa decadência nunca vista, sem falar na honradez de nossos homens públicos. Líderes mentem e se desmentem, acobertam-se, insultam-se, à vista de todos se comprometem com a corrupção e os mais variados escândalos! Tudo normal, como o império macabro da violência que nos faz correr nas ruas feito ratos amedrontados, fechados em casa à noite devido à guerra civil, felizes se nenhuma das pessoas que amamos foi assaltada e morta naquele dia.

 

Dormimos no chão dos aeroportos, contentes quando nosso avião afinal chega salvo ao seu destino, enquanto se fazem mais cortes nesse setor e em muitos outros, para poder pagar o fantástico salário de deputados e senadores: as coisas por aqui são assim mesmo, por que se incomodar?

 

Tudo isso, e muito mais, acontecer com tamanha naturalidade é péssimo sinal. Mas como nem tudo são horrores, também existem os amigos que não nos decepcionam, os amores que nos fundamentam, os batalhadores e os idealistas, os conciliadores que nos fazem acreditar em harmonia mais do que em desagregação e rancor, no futuro mais do que no duvidoso presente. Houve no público e no pessoal realizações e até decência, e é bom lembrar disso para que a gente recupere a vergonha, abra braços mais generosos, endireite a espinha da dignidade e adoce a voz de todos os amores.

 

Para os que acreditam e os que apenas gostariam de acreditar em alguma religião, em algumas pessoas, em alguma nobreza, em alguma esperança, em si mesmos ou em sua família, este é um momento de parar, pensar, escutar e enxergar dentro e além dos limites pessoais e dos fatos com os quais corremos o perigo de nos resignar. No reduto de nossa casa, dos abraços sinceros, das memórias comovidas, dos bons projetos e do derradeiro otimismo, este é um Natal para repensar muita coisa, e prestar mais atenção no que está havendo dentro e fora de nós: indagando, de verdade, em que pessoas estamos nos tornando, que futuro estamos preparando, que país, que ordem, que progresso, que bem-estar, que segurança, que esperanças criamos neste quase fim de 2006.

 

dos pedidos de natal



Quando amadurecemos, a lista de desejos para o Natal fica mais curta e o que realmente desejamos, não se pode comprar.

Papai do céu, 
eu te peço que 2021 seja um ano de saúde 
(física, emocional e espiritual) 
para mim e os meus.

Que as bênçãos d'Aquele que me protege 

também recaiam sobre aqueles que me são caros!


Assim seja!


 

 


E ela dará à luz um filho, e lhe porás o nome de Jesus, porque ele salvará o seu povo dos seus pecados.

 

Mateus 1:21

terça-feira, 22 de dezembro de 2020


 

 


A melhor arma: o amor.

O escudo mais forte: o sorriso.

A força maior: a mente.

O presente maior: a vida!

 

Madre Tereza de Calcutá



  

E aconteceu que, estando eles ali, se cumpriram os dias em que ela havia de dar à luz. E deu à luz o seu filho primogênito, e envolveu-o em panos, e deitou-o numa manjedoura, porque não havia lugar para eles na estalagem.


Lucas 2:6-7


segunda-feira, 21 de dezembro de 2020



 #hoje começa o verão maçarico

domingo, 20 de dezembro de 2020

aquarius

 


O filme Hair está na minha lista dosdez mais”, não por ter atuações inesquecíveis ou um roteiro fora de série, mas pela sua atmosfera, bem ao estiloum novo mundo é possível”. Eu era uma adolescente quando assisti pela primeira vez e virei uma hippie incurável – ao menos na alma, e a alma é tudo o que importa.

 

Não há quem não reconheça sua música de abertura. Aos primeiros acordes, nossa pulsação acelera, e acelera mais, até que entra a voz da cantora Ren Woods: When the moon is in the seventh house/and Jupiter aligns with Mars...É a conjunção cósmica que inaugura a era de Aquário. Mesmo não acreditando em astrologia, não me deixe aqui sozinha, permaneça no texto. Vamos dar as mãos e let the sunshine in (quem não é meio hippie?)

 

Dizem que a partir deste 21 de dezembro, as vibrações astrais serão alteradas e os tempos sombrios se vão. Claro que nada será perceptível no primeiro minuto, nem no segundo (provavelmente em alguns anos), mas é científico e inegável: a incivilidade do planeta está por um fio. De minha parte, tenho pressa em testemunhar esta transição, então não vou colocar uma flor no cabelo e esperar sentada. Quero dar um empurrãozinho. Opaz e amortem que ser pra já.

 

Nosso passatempo preferido tem sido detonar uns aos outros. Nunca fomos tão bélicos, agressivos, insuportáveis. Materialismo, consumismo, desrespeito ao meio ambiente, estresse, competitividade, tudo culminando neste 2020 pavoroso. Chega. Sai a tensão, entra a harmonia. Valores mais humanistas, um olhar mais pacífico para a vida. Espero que não estejamos destreinados para a delicadeza.

 

O vento começará a soprar a favor, então que a gente aproveite para varrer os destroços e construir uma sociedade mais coletiva, aberta e do bem. Vamos usar a tecnologia para nos unir, não para disparar mentiras e ofensas. Valorizemos aqueles que produzem ideias novas e arte de qualidade. Aqueles que desenvolvem vacinas, energia limpa, fórmulas contra o desperdício. Aqueles que impulsionam um novo progresso, não mais relacionado a poder, hierarquia e dinheiro, e sim a uma evolução espiritual e fraterna. Caramba, o mundo é um só e é de todos.

 

Estou viajando na maionese? Não acho. Esgotamos nossa capacidade de ser egoístas e autocentrados. Tem gente à beça precisando de soluções, não de mais problemas. Há um limite para a ganância. É natural que os astros se realinhem no céu e tragam uma onda de simplicidade, fazendo com que as pessoas parem de ostentar e cultivem sua essência primária. O ego implora por uma trégua.

 

Não é apenas um desejo meu, mas uma perspectiva real a ser comemorada. A Era de Aquário inicia nesta segunda-feira. Primeiro dia da semana. Primeiro passo rumo a um 2021 menos pesado e a um futuro mais solar. Pode crer.


pra quem acredita, Natal existe


(...)
Muitos hão de pensar, ué, essa senhora, com tudo o que já viveu, experimentou, passou, leu, aprendeu, curtiu ou sofreu, ainda acredita nisso?

Pois esta senhora acredita em fadas e duendes que de noite cochicham entre as árvores do meu jardim no Bosque de Gramado, acredita em anjos da guarda, acredita em Deus, seja lá como o quiserem definir: força suprema, mistério que envolve o mundo, enigma que criou e observa o universo com ar de pai meio divertido, meio compadecido... não importa. Em deuses, desses bonitos e humanos, deuses da alegria e do consolo, da água doce, do mar, da floresta, dos tesouros, dos ventos.

Acreditei em Papai Noel e Cegonha até uma idade vergonhosa na minha infância. O Coelho da Páscoa se foi mais cedo, pois ninguém me explicava como esse bicho, mesmo grandão, botava ou fabricava tanto ovo.

Seja como for, acreditar é bom, se for em coisas boas. Também acredito que, apesar de todo o mal que vejo no mundo - mais aquele de que não quero nem ouvir falar -, existe bondade, amor, solidariedade, compaixão. Também existe amigo, e família, e em horas difíceis, ah como é bom que existam. Não só pra curtir férias, churrascos, festas, praia, não-fazer-nada, como pra segurar a mão, dizer alguma coisa boa ou nem dizer nada, quando a dor aperta.

Então, como eu não acreditaria em Natal? Não sei se nasceu mesmo aquele menino lindo, de mãe virgem, me dava uma certa peninha de José não ser o pai, mas essas coisas a gente respeita e crença alheia pra mim é sagrada.

Mas acredito sobretudo no Natal como dia, noite, hora, em que se reúnem família e amigos, ou amigos e amigos, ou dois amantes, ou colegas, ou vizinhos, ou até desconhecidos, e trocam abraços, e se desejam um bom Natal, muitas vezes já incluindo um bom novo ano. Melhor do que este que está acabando, porque este quase acabou com a gente.

Mais honesto, mais confiável, mais leve, machucando menos, enganando menos, explorando menos, mutilando menos - ajudando mais, empurrando um pouquinho mais pra cima e pra frente os que estão no desalento. Sim, eu acredito que o novo ano deve ser abraçado nas pessoas queridas, que Natal é possível: pra quem deseja, gosta, acredita em solidariedade, alegria, convívio bom, e tudo que é jeito de amor.

Que este Natal seja manso.


 


 

Portanto, o mesmo Senhor vos dará um sinal: eis que uma virgem conceberá, e dará à luz um filho, e será o seu nome Emanuel.

 

Isaías 7:14

quinta-feira, 17 de dezembro de 2020


 

 


Nem sempre um sorriso estampado no rosto significa que estejamos felizes, às vezes, pode significar simplesmente que acreditamos em dias melhores.


Edna Frigato

o café do próximo


Foi em Praga, na República Tcheca, que surgiu o hábito do “café pendente”. Tudo começou com o personagem de um livro. Ele entra num bar, toma um café e, quando vem a conta, paga dois, explicando pra garçonete:Pago o meu e deixo um pendente”. 

Inaugurou-se assim o costume de se deixar pagos dois, para o caso de surgir alguém sem trocado para um cafezinho. 

A Livraria Argumento, do Rio, que tem em suas dependências o charmoso Café Severino, adotou esse esquema, rebatizando-o decafé do próximo. Colocou um quadro-negro na entrada e ali vai anotando todos os cafés pendentes do dia, aqueles que já foram pagos. Às vezes tem dois, às vezes três, às vezes nenhum. Quem chega sem grana e vê ali no quadro que há um café pendente, pode pedi-lo sem constrangimento. Quando voltar outro dia, com dinheiro, poderá, se quiser, pagar dois e retribuir a gentileza para o próximo desprevenido. E assim mantém-se a corrente e ninguém fica sem café.

Num país como o nosso, com tanta gente passando dificuldades e com governantes tão desinteressados no bem-estar social, esta história me pareceu quase uma parábola. Num cantinho do Rio de Janeiro, uns pagam os cafés dos outros, colocando em prática o talfazer o bem sem olhar a quem”. Claro que é apenas um charme que a livraria oferece, sem pretensões de mudar o mundo, mas eu fico pensando que este tipo de mentalidade poderia ser mais propagada entre nós. Imagine se a moda pega em açougues, mercados, cinemas. Você compra seis salsichões e paga sete, deixando um pendente. Você faz as compras no mercado e deixa dois quilos de arroz pendentes. Vai ao cinema e, em vez de comprar uma entrada, compra duas. Em todos os estabelecimentos comerciais do país, haveria um quadro-negro avisando as pendências destinadas ao próximo. Não soluciona nada, mas é simpático. 

Tá bom, eu sei, posso  até ver a confusão. Uns não iriam topar deixar pago nem um copo d'água para estesvagabundos que não trabalham. Alguns comerciantes rejeitariam a proposta sob o argumento de que meu estabelecimento vai ficar cheio de mendigos”.

Realmente, talvez não seja uma boa ideia para ganhar as ruas, ao menos não num país onde a carência é tanta, a falta de segurança é tanta, a desordem é tanta, e a malandragem nem se fala. Melhor deixar o café do próximocomo um charme a mais dentro de uma livraria carioca. 

Mas de uma coisa não tenho dúvida: este exemplo pequeníssimo de boa vontade terá que um dia ser ampliado por todos nós. Vai ter uma hora em que a gente vai ter que parar de blablablá e fazer alguma coisa de fato. Ou a gente estende a mão pro tal do próximo, ou o próximo vai continuar exigindo o dele com uma faca apontada pra nossa garganta. 

Esperar alguma atitude vinda de Brasília? Aqueles não são os próximos, aqueles são os cada vez mais distantes. Deles não esperemos nada. Ou a sociedade se mexe e estabelece novas formas de convívio social, com ideias simples, mas operacionais, ou o café do próximo vai nos custar cada vez mais caro.

 


Disse-lhe, então, o anjo: Maria, não temas, porque achaste graça diante de Deus, E eis que em teu ventre conceberás, e darás à luz um filho, e por-lhe-ás o nome de Jesus.

 

Lucas 1:30-31


terça-feira, 15 de dezembro de 2020

um sonho morreu

 


É hábito elaborar uma lista do que ainda falta fazer na vida. Uma das pendências do meu inventário particular era assistir ao show do Roupa Nova. Meus amigos já conheciam essa lacuna e roteirizavam coincidências. Jamais tive a sorte de estar na minha cidade quando a banda oferecia o seu espetáculo. Amarguei dezenas de desencontros absurdamente pontuais.


E não sou daqueles que gosta de Roupa Nova com vergonha, avisando que é brega, desculpa de quem não se assume.


Eu gosto com convicção, de quem cresceu com as suas interpretações traduzindo os nossos altos e baixos sentimentais.


Show de Roupa Nova é algo único. É possível vislumbrar o arrebatamento e a maratona de adrenalina pelos DVDs.


Pois imagina um show em que você sabe de cor todas as letras. É como pontuar ao máximo num karaokê às cegas. É como juntar trilhas de trinta novelas num único palco (comoDona”, de Roque Santeiro, e Coração Pirata”, de Rainha da Sucata). É como virar a noite com cinquenta e dois singles.


Quem como Roupa Nova teve 52 sucessos? Não há formação com tamanha longevidade de êxitos: 20 milhões de cópias vendidas e 37 discos lançados.


Arrisco dizer que os meus pais, eu e os meus filhos, três gerações de uma família, são capazes de entoar sem erroTodo azul do mar”, “Linda demais”, “Volta pra mim”, “A Força do Amor”, “Frisson”, “A Viagem”, “Whisky a Go-Go”, “Sapato Velho”, “Seguindo no Trem Azul”, “Um Sonho A Dois”, “Natal Todo Dia”, “Começo, meio e fim”, “Amar é...”, “Os corações não são iguais”, “Chuva de prataeLinda”.


Parece que você já recebe esses hits pelo cordão umbilical. Só pode. Nascemos sabendo, nascemos cantando. É uma playlist que vem na gestação.


O que não esperava é que o vocalista Paulinho fosse morrer aos 68 anos, vítima da COVID-19.


Depois de quarenta anos, a banda nunca mais será a mesma. Um dos cavaleiros da alegria já não está entre nós, o puxador da trupe se calou, o grito de guerra do amor foi silenciado.


Não realizarei o sonho. Meu checklist ficará para sempre incompleto.


Paulo César dos Santos, vocalista do Roupa Nova,

seguiu no Trem Azul nesta segunda, 14

nunca é “só” uma piadinha



Eu devia ter 10 anos. Estava lendo um gibi quando deparei com o seguinte desenho numa tirinha: garota linda e loira, com uma camiseta de mangas curtas, chega perto do rapaz de que ela é a fim, abraça a si mesma e diz:que frio!. Ele então se aproxima dela e a envolve nos braços para esquentá-la - oba, começou o namoro. Uma outra garota, morena, gordinha, usando óculos de grau, olha a cena de longe, gosta da ideia e resolve tentar o mesmo truque de paquera. Se aproxima do garoto de que é a fim, abraça a si mesma e diz: “que frio!”. O guri olha para ela com desprezo, joga um casaco e se afasta. Quá quá quá.

Na hora pensei: vai ser este o meu destino, afinal, não sou linda nem loira. Outras meninas devem ter pensado o mesmo: as de cabelo crespo, as narigudas, as pretas, as estrábicas, as dentuças, todas encantadoras a seu modo, mas que não correspondiam ao padrão linda e loira. Alguém morreu por causa disso? Era só uma brincadeira, ora. Eu sei, eu sei, tanto que virei a página e continuei lendo o gibi.

Virei a página? Mentira.

Anos depois, quando eu tinha idade para namorar, continuei me considerando fora do padrão e não apostava um níquel no meu poder de encantamento. Quando um garoto me tirava pra dançar, eu era aquela que olhava pra trás, achando que ele estava falando com alguém às minhas costas. Uma vez, um cara gatíssimo chegou em mim numa festa e ficou conversando um tempo. Achei aquilo o máximo: ele, na verdade, estava querendo informações sobre uma amiga minha (linda e loira), mas ninguém estava escutando, parecia que ele estava a fim de mim, que felicidade! E uma vez o guri que eu gostava deixou um cartão embaixo da porta do meu edifício, e não tive a menor dúvida de que era coisa das minhas amigas, uma delas estava se fazendo passar por ele, claro.

Claro que não, mas eu enxergava alguma coisa na minha frente que não fosse a rejeição prometida?

Don´t cry for me, Brasil. A promessa não vingou e minha vida amorosa vai muito bem, obrigada, mas, às vezes, é preciso trazer à tona essas histórias, pois tem gente que reclama de que as mulheres não estão deixando nada passar batido, nem mesmo uma piadinha. É chato, concordo, mas não tem outro jeito. O mundo mudou, e tem que mudar mais. Nunca éuma piadinha, há sempre uma mensagem embutida que pode causar um estrago na autoestima de alguém, e sem autoestima as pessoas ou se acovardam, ou ficam muito agressivas, e nada disso é bom. Queremos uma sociedade saudável, leve, moderna? Eu quero.

Por isso, venho lembrar que temos mil defeitos, mas ser nem linda nem loira não é um deles, é apenas uma contingência, o que importa é a gente ser segura, ter a cabeça boa e levar nós mesmas o nosso casaco quando estiver frio, porque é isso que nos torna envolventes e merecedoras dos abraços mais calientes - quando der pra abraçar de novo, lógico.


 

dos natais


(...)

Longe do estereótipo da princesa, sou dessas mulheres que foram forjadas no fogo. Ariana de gestos decididos, forte, corajosa. Desde muito cedo dei conta do recado. Mas alguma acontece comigo no Natal. Viro menina.
Quero usar colares de bolas coloridas, deixar as cortinas abertas até tarde porque sei que o trenó pode deixar um rastro brilhante no céu a qualquer momento, fazer cupcakes de cereja e castanhas e quero um presépio napolitano, renascentista, com tantos personagens que tenha até galinha, cestas de pães, carpinteiro e pastores. Encho a casa de luzinhas e as acendo todas as noites. Coloco músicas de Natal e me comovo.
.
Sei lá, nesta época do ano a rotina não me basta. As fotografias não me satisfazem, os contos e os filmes tampouco: preciso dos cheiros, das texturas, do fogão, do toque, dos arredores e das pessoas. Mais do que a festa de cada Natal, preciso conhecer suas histórias.
.
O Natal também é belo por sua incompletude, por seus vazios, pela necessidade repentina e urgente que sentimos das nossas famílias, dos nossos vínculos, dos nossos afetos.
Mais do que os presentes, gosto dos laços, dos cartões, dos olhares e da ternura.
São dias de celebração da vida, é quando podemos esquecer nossas deserções e preencher nossos abandonos.
Talvez seja por isso que essa data me faz querer ser parte de um conto de fadas.
Porque o Natal resgata em mim a infância que vou perdendo durante o ano.
.

Solange Maia

 


E, projetando ele isso, eis que, em sonho, lhe apareceu um anjo do Senhor, dizendo: José, filho de Davi, não temas receber a Maria, tua mulher, porque o que nela está gerado é do Espírito Santo.

 

Mateus 1:20

domingo, 13 de dezembro de 2020


 

 


Ser feliz tem muito de confiar. De crer e de querer.

De não viver [apenas] à superfície da vida. De, apesar dos pesares, deixar as portas [de dentro] abertas.

De acreditar no melhor.

De agradecer.

De dar importância só às coisas e às pessoas boas.

De segurar com as duas mãos as rédeas do nosso destino.

De cuidar muito bem... dos que escolhem ficar. Todos os dias.


Sofia Castro

e se em vez de falar de Natal

 


E se, em vez de falar de Natal, a gente procurasse entender por que o mundo está de patas para o ar? Pessoas se sentem no direito de serem rudes com as outras, seja por estarem amparadas pelo escudo das redes sociais, seja porque já não sobra um fiapo de paciência e educação. Qual a dificuldade de ser gentil?

 

E se, em vez de falar de Natal, a gente lembrasse que é livre para decidir? Livre para ficar ou ir embora, livre para continuar com a vida que tem ou arriscar outra coisa, livre para ser quem é de verdade ou continuar fazendo de conta. Liberdade. Que tal experimentá-la antes que seja tarde?

E se, em vez de falar de Natal, a gente falasse sobre compaixão? Tanta gente com dívidas impagáveis, sem acesso a um tratamento médico decente, sentindo-se solitário, não sendo escutado por ninguém, recebendo da vida uma enxurrada de negativas. Que atenção destinamos aos milhares de “invisíveis” que nos cercam?

E se, em vez de falar de Natal, a gente falasse das responsabilidades que nos cabem? Postar contra o racismo, contra a homofobia, contra o feminicídio, isso qualquer um faz para ostentar consciência e ganhar likes em seus perfis, mas e no dia a dia? Como você se comporta, que tipo de piada faz, qual sua reação ao ver alguém sendo discriminado? Não há saída se não dermos nossa contribuição concreta para a sociedade mudar.


E se, em vez de falar de Natal, a gente falasse de arte, ainda que pareça cansativo bater nesta tecla? Cinema, música, teatro, literatura, tudo isso é mais que entretenimento. É preciso frequentar shows, exposições, feiras de artesanato, mostras fotográficas, rodas de chorinho e samba, qualquer coisa que extraia a emoção e a sensibilidade que estão dentro de nós, mas que, sem serem provocadas, fazem a gente parecer apenas um robô cumpridor de tarefas.

 

E se, em vez de falar de Natal, a gente falasse de amor? Não os amores dilacerantes que viram roteiros e poemas, mas do amor sem o aditivo da angústia: amor real, compartilhado, maduro, inteligente, amor que se reconhece um projeto de satisfação, alegria, construção. Amor que não se rende aos apelos do sofrimento, aparentemente tão sublimes, mas amor que trocou a dor narcísica pelo contentamento simplificado.


E se, em vez de falar de Natal, a gente falasse da fé nos acasos, da importância de não ceder a vulgaridades, da autonomia das nossas escolhas, dos favores que a vida nos fez, da poesia que há nas miudezas, de como é importante acordar, tomar café, escovar os dentes e continuar a busca pela plenitude possível?


Com Deus ou sem Deus, ter uma vida digna depende de nós. O Natal é só um pretexto.