Dizem alguns que Deus
está nos detalhes. Outros, que é o Capeta que está lá metido. Há quem afirme
que o Diabo não existe, outros ainda que quem não existe é Deus, ou que, se um
não existe, o outro também não haveria, pois só temos o Bem pelo Mal em
contraposição.
Simplifiquei as coisas
hoje aqui: a vida está nos detalhes, nas coisas pequenas, miúdas, que muitas
vezes esquecemos porque nos impingem (ou nos impingimos) o grandioso. O máximo.
O super, o tri, a suprema utopia. Um amor como nenhum outro, prazeres
indescritíveis e obrigatórios, sucessos inevitáveis e objetivos maravilhosos
alcançados, alcançáveis - a não ser que sejamos muito incompetentes.
A esta altura da vida,
talvez eu tenha aprendido, depois de muita rasteira e engano, que na verdade,
para mim ao menos, graças a Deus o importante quase sempre está no pequeno, no
detalhe.
A vida está no simples.
Um jornalista me enviou
um poema meu que encontrou num recorte de jornal de 1968. Não me lembrava dele,
sou meio negligente com minhas coisas, mas quando li e reli fui recordando.
Devia ter me acontecido, em 1968, algo bem doloroso, porque eu falava numa
enorme pedra que tinha caído sobre mim. E terminei dizendo que peguei um cinzel
e esculpi num fino traço na dura superfície um rosto de anjo, e, por fim,
acrescentei uma lágrima. Essa ideia da lágrima devia ter me consolado, porque a
botei ali. Não foi uma tragédia, ou eu não a teria esquecido. E foi num tempo
de muitas alegrias, sem maiores perdas: elas me estavam reservadas, como a
todos nós, um pouco mais adiante.
O detalhe da carinha de
anjo, e da lágrima final, deve ter me concedido uma sensação de alívio,
transformando a chateação ou dor em um pequeno elegante desenho. E com uma
lágrima simbolizando as minhas - que, repito, esqueci.
Fui entendendo, com o
passar dos muitos anos, ou aprendendo com dificuldade, o valor do pequeno, do
simples, do mínimo. Não é ganhando a loteria, fazendo uma viagem sensacional,
arranjando um namorado, perdendo 20 quilos, fazendo a mais fabulosa plástica ou
comprando um carrão mais sensacional que a gente se recupera - até onde dá - de
um grande sofrimento. É nesse dia a dia: a janela se abrindo sobre uma paisagem
tranquila; o amigo telefonando com afeto e interesse; família vindo almoçar, ou
nos chamando, netos, netas, com alguma carinhosa brincadeira. Marido chegando
em casa com uma boa notícia do seu trabalho ou com um ar de especial cuidado
porque hoje não estamos de cara muito boa.
Alguém mandando um vaso
de lindas flores, que boto na minha frente, na mesa de centro da sala, e toda a
casa fica iluminada: pela cor, pela beleza, pelo gesto. Nos detalhes está o
amor. Nos detalhes estão os afetos, a paz, a harmonia - isto é, na
simplicidade. Mas é preciso acalmar-se o suficiente para poder enxergar. O que
nestes tempos, em que fora de nós nos atropelam empobrecimento e preocupações,
é dura labuta.