Você acorda, vai ao
banheiro se olha no espelho e inicia mais um dia da sua vida, mas é sua vida
mesmo, ou você interpreta um personagem? Você amadureceu pra valer ou virou uma
cópia falsificada de um adulto? Tenho visto alguns humanos adulterados por aí, “gente
grande” made in Paraguai.
Éramos crianças inocentes
e protegidas, até que os anos passaram.
São escolhas a fazer,
relações amorosas, dúvidas e dívidas, filhos pra educar, a finitude pra lidar e
posicionamentos exigidos pela sociedade: a maldita esquadra da maturidade, que
não está a fim de negociar com seu amadorismo.
E agora?
Quem encara paga um preço
alto. Não tem o recurso de se amparar nas costas de papai e mamãe, não tem a
hipótese de transferir as decisões para o dia de São Nunca. Com a coragem que
nem sabia que tinha, você assume sua identidade, dá um trato nos seus medos e
começa a trajetória: trabalha, rala, ama, sofre, se expõe, se impõe, fala,
cala, sofre, destrói, constrói. Mas constrói mesmo. Uma vida legítima. Uma vida
sua.
Ou.
Ou se escora. Na mãe
velhinha, no pai doente, na mulher com quem está casado há 42 anos, no namorado
rico que virou a salvação da lavoura, se escora na chapação, no álcool, nos
medicamentos tarja preta, numa idealização fraudulenta (“Sou ótimo, pena que o
mundo não reconheceu meu brilhantismo”), se escora na muleta que estiver mais à
mão e distribui sorrisos sedutores e desculpas esfarrapadas: sou uma farsa, mas
uma farsa de terno e gravata, uma farsa em vestido de baile.
Falsificam-se a si mesmos
os que não têm raça. Os que dependem de mil e quinhentos empurrões e, mesmo
empurrados, não ganham velocidade, ritmo, rumo. Ficam sempre no meio do
trajeto, soluçando, reclamando, retrocedendo à memória das longas tardes no
jardim de infância, quando, em segurança, sabiam que seus pais estariam
esperando, no final do dia, no portão.
Já quem se falsificou num
adulto que parece que é, mas não é, desperdiçou a chance de ter uma vida
autêntica porque se assustou com a poeira no horizonte, previu que seria uma
luta perdida, que não daria conta. Mas daria. O gigante, em qualquer
circunstância, somos nós.