Serviço público ruim é
culpa do servidor!
Eu provavelmente serei
crucificado e perseguido pelo que irei dizer hoje por aqui. Porém, preciso por
para fora algo que me incomoda faz tempo. E antes de xingar muito nos
comentários, apenas pelo título, peço que leia o texto inteiro, prometo que
tudo fará sentido. O serviço público brasileiro, em geral, é alvo de muitas
críticas. Muitas, mesmo. E a grande maioria, tem fundamento. Claro que existem
críticas injustas, mas vou abordar aqui um certo viés pelo qual muitos não
olham, ou evitam olhar.
O funcionalismo está em
alta, principalmente porque recentemente o congresso aprovou a criação de 14
mil novos cargos, a serem preenchidos por concurso. E mesmo afirmando que o
Brasil está na maior crise de sua história, ninguém reclamou da criação destes
cargos, pois para muitos concurseiros profissionais é a chance de conseguir o
emprego dos sonhos.
A grande questão é que
vejo todos os dias pessoas reclamando de serviços públicos. E como servidor
público eu até tento defender a categoria e mostrar que nem todos os servidores
são iguais. Sou concursado e trabalho na secretaria de saúde de uma prefeitura.
Desde a faculdade eu tenho tido contato com o serviço público, seja por
estágios, por processos seletivos ou concursos nos quais fui aprovado, tendo
testemunhado muita coisa ruim. E, às vezes, fica difícil argumentar ou mesmo
defender a classe. A maioria não ajuda!
Mas o problema começa
muito antes! No momento em que entramos na escola somos “treinados” a estudar
para entrar numa faculdade e passar em um concurso público. A escola, em muitos
casos, nada mais é do que um gigantesco cursinho preparatório. Muito do que
você “aprende” lá, não servirá para mais nada na vida, depois de aprovado em um
vestibular ou concurso.
A meta de vida de muitos
brasileiros passa a ser, justamente, a aprovação em um “bom concurso público”,
para ter estabilidade e “uma vida boa”! A coisa ficou tão séria que, hoje,
existem milhares de cursinhos especializados em concursos, e dezenas de
milhares de concurseiros, os profissionais em concurso (eu sei que está
repetitivo, mas o que posso fazer?). Esse mercado, diga-se de passagem, é
bastante lucrativo, e atrai todo tipo de parasitas. Inclusive muitos
palestrantes que ensinam truques e dão dicas para passar em concursos sem nunca
terem passado em nenhum.
A maioria dos
concurseiros, aliás, são pessoas que não querem trabalhar de verdade. Alguém
lhes disse que funcionário público não trabalha, e é justamente isso que eles
querem, receber para ficar à toa. Essa, na verdade, é a imagem que a maioria dos
brasileiros têm dos servidores públicos no país: ser concursado é o mesmo que
não ter que trabalhar mais na vida. E, apesar de criticarem todos, uma grande
parte gostaria de estar no lugar deles.
O problema maior do
concurseiro profissional é que ele passa a vida pulando de concurso em
concurso. Não que isso seja errado. Temos que lutar sempre por uma oportunidade
melhor de trabalho. O problema é que a aprovação passa a ser vista como
objetivo maior, apenas levando-se em conta o salário, e a maioria nem se
interessa em aprender o ofício para o qual foi aprovado, ou mesmo prestar um
serviço de qualidade ao usuário daquele serviço. Afinal, a passagem deles por
ali será curta, e logo, logo, ele passará em outro concurso deixando o órgão
atual desfalcado.
Essa situação gera um
custo enorme para a máquina pública. Ao serem convocados, grande parte dos
concursados não tem ideia do que fazer, pois passam anos estudando, e muitas
vezes nem chegam a trabalhar, na prática, em sua área de formação. Então é
preciso treinar o sujeito. O processo, às vezes, é lento. E muitas vezes depois
de treinado o sujeito pede remoção ou exoneração, por não ter gostado do
serviço ou ter passado em outro concurso. E, lá vai o Estado convocar outro
servidor, esperar quase um mês para que ele tome posse, levar outros meses para
treiná-lo, e assim, o serviço ao público fica prejudicado e o povo é quem paga
o pato.
A grande ironia neste
caso, é que muitos dos concurseiros são justamente os primeiros a bater o pé
contra as “bolsas” do governo. São eles quem gritam que os impostos deles não
devem ser gastos para sustentar ninguém etc. e tal. Porém, receber para não
trabalhar às custas do governo, tá liberado, afinal ele passou anos estudando e
fez por merecer tal cargo, não é verdade?
É claro que existem
muitos problemas no serviço público. A começar pela destinação correta de
recursos, que depende da arrecadação e dos políticos, eleitos por nós, que são
responsáveis por decidir para onde cada centavo arrecado vai e como deve ser
gasto. Ao pararmos para analisar a situação do serviço público brasileiro vamos
perceber que praticamente todos os problemas passam pelo mesmo catalizador: O
Servidor Público.
O Servidor público é o
principal responsável pela situação lastimável dos nossos serviços públicos. A
começar pelos políticos eleitos. Sim, prefeitos, vereadores, senadores,
deputados, governadores e presidentes são servidores públicos, eleitos para
trabalhar em prol da população. Infelizmente, a grande maioria trabalha apenas
pensando em si mesmo, ou no máximo de forma a beneficiar amigos e familiares.
Verbas e recursos são desviados ou mal gastos, e muitos projetos são
desenvolvidos pensando em favorecer poucos. Nós somos culpados. Eles foram
selecionados e aprovados, por nós, no maior processo seletivo do país: as
eleições!
Depois disso, entramos no
segundo nível de servidores. Os comissionados e de confiança. São servidores
escolhidos por politicagem ou favorecimento descarado. Muitos assumem cargos
sem estarem preparados para tal. Aí começa outro grande problema do serviço
público: A má gestão. É comum ver secretários e gestores sem o mínimo de
conhecimento necessário para estar no cargo. Muitos não sabem nada sobre gestão
ou estrutura governamental, e não buscam, sequer, aprender algo. Afinal, sempre
haverá um assessor ou auxiliar para fazer o serviço pesado. O bom mesmo é usar
dinheiro público para fazer cursos e congressos em cidades turísticas, e nem
assinar a lista de frequência destes eventos.
Por fim, temos os
concursados! Aqueles que ralaram muito estudando para poderem trabalhar sem
fazer nada. Essa cultura é tão forte no Brasil que muitos acham que funcionário
público não precisa trabalhar e não pode ser demitido. Isso dá a muitos um
sentimento de liberdade terrível. Acham que podem trabalhar quando querem,
ondem querem e da forma que querem. E nada do que fizerem será suficiente para
que sejam demitidos.
É triste constatar que
“Proatividade” é uma palavra quase extinta no serviço público. A grande maioria
dos servidores não querem fazer absolutamente nada. Ao pedir para alguém te
ajudar com algo, ou fazermos algo para que o serviço ficasse melhor ou mais
eficaz, é muito comum ouvir xingamentos ou risadas. Eles se limitam a fazer
suas funções, e se negam a fazer qualquer função não prevista no edital. Isso
mesmo, alguns servidores andam com o edital à tira colo, para não terem que
fazer absolutamente nada que não esteja previsto nas atribuições do seu cargo,
quando prestaram o concurso.
Ao questionar
profissionais, por exemplo sobre infrações cometidas no trabalho, muitos dizem:
funcionário público não pode ser mandado embora! É muito comum profissionais de
saúde, por exemplo, reclamar de pacientes que vão aos hospitais e postos de
saúde, apenas para pegar atestado, tumultuando o atendimento e lotando as
unidades. Não que isso não aconteça. O brasileiro é malandro por natureza.
Por outro lado, já vi
inúmeros servidores faltando com a desculpa de que estavam doentes, chegando a
apresentar atestados falsos ou “arranjados” com um médico colega de trabalho, e
postando fotos em passeios, viagens e até mesmo em outros trabalhos por fora. O
pobre não pode pegar atestado. O servidor público sempre tem um amigo que
“ajeita” as coisas pra ele. A hipocrisia do brasileiro está em todos os
lugares!
Eu entendo, que há, sim,
a necessidade de se valorizar o servidor, em muitos órgãos ou prefeituras. Já
vi concursos, na minha área, oferecendo salários bem abaixo do piso nacional da
categoria, o que não diminui o número de inscritos, diga-se de passagem. Depois
os mesmos que aceitaram esses valores ao realizar as provas, passam o tempo
todo reclamando e querendo obter algum lucro ilícito no local de trabalho.
Além disso, existe uma
outra cultura nociva no Brasil: A de que bens públicos não são de ninguém. Não
entra na cabeça do povo de que todo bem público é nosso. Tanto usuários quanto
profissionais não têm o menor zelo por bens públicos. É comum entrar em
repartições, escolas ou hospitais e encontrar cadeiras quebradas, paredes
riscadas, objetos destruídos, bens sucateados. Ninguém liga. Ninguém se toca
que o que é público é de todo mundo.
Já vi funcionários
levando materiais básicos pra casa, como canetas e lápis, afinal não é de
ninguém. Será que o sujeito estava passando por um problema financeiro tão
terrível em casa para precisar furtar materiais que custam menos de um real?
Não existe preocupação em zelar pelo bem público. Se vai usar o banheiro,
urinam no chão. Se vão beber água 20 vezes no dia, vão usar 20 copos
diferentes. A situação é tão absurda que já vi funcionários quebrarem, de
propósito, máquinas e equipamentos apenas para não terem que trabalhar. E ainda
riam pelos corredores, dizendo que naquela semana estariam de folga.
Muitos não respeitam,
inclusive, os próprios colegas. Já trabalhei em locais em que servidores
furtavam celulares e dinheiro de colegas distraídos. Já vi servidores furtando,
inclusive, lanches na geladeira do refeitório, que pertenciam a outros colegas.
Esses devem ser “o orgulho da mamãe!” Claro que esses casos não são regra! Existem
muitas pessoas comprometidas no serviço público, que dão seu sangue no
trabalho. Pena que os bons servidores são ofuscados pelo brilho negativo dos
maus servidores. Ao reclamar de um serviço, sempre reclamamos do local, no
geral, nunca do servidor específico.
Confesso que já vi tanta
coisa no serviço público que cheguei a achar que terceirizar todos os serviços
seria a maneira mais eficaz de melhorar a máquina pública. Afinal, a grande
maioria parece estar disposta apenas a ganhar dinheiro, sem oferecer nada em
troca. Por isso, talvez os serviços públicos brasileiros sejam tão ruins, são
apenas reflexo de quem está por trás deles.
Claro que existe
esperança, a começar pelos servidores públicos que são eleitos por nós. Temos a
chance de selecionar novos “funcionários” para trabalharem de verdade por nós,
e deixar que saiam todos os que estão lá, sem fazer nada importante. Quem sabe,
eles não criem leis que possam otimizar todos os serviços, e nos dar
ferramentas para ter um atendimento de excelência. Isso só vai acontecer,
porém, quando todos entendermos que serviço público ruim é culpa de servidor
público ruim, e que políticos, gerentes, diretores, cargos de confiança,
nomeados e concursados são todos servidores públicos, cada um com sua parcela
de culpa. Inclusive o povo. Sim, a culpa também é minha e sua!