"Ando no rastro dos poetas, porém descalça... Quero sentir as sensações que eles deixam por ai"



domingo, 20 de outubro de 2019

Minha irmã descobriu um câncer de mama há exatamente um ano. Acompanhamos de perto todo o tratamento, as quimioterapias, o enjoo, a queda de cabelo. A imunidade baixa nos apavorou, às vezes, reações alérgicas nos assustaram. Tratamento hormonal e algumas sessões de radioterapia, fechamos um ano com o tumor sumido. Bye, bye tumor.

O cabelo da minha irmã vai voltar a crescer, você não. Como diz minha irmã, “vamos sambar na cara do câncer!”. Ela fala isso mas eu não gosto que ela fale essas coisas, porque obviamente tenho medo do câncer, um dia, voltar. Mas ela fala essas coisas com surpreendente positividade, e acho que isso foi fundamental para o sucesso do tratamento.

Pra todos nós, foi um ano nervoso, de muitas lições. Aprendemos a estar mais juntos, a valorizar mais a vida. Todo mundo resolveu fazer uma bateria de exames, coisa que a gente não fazia há anos. Aprendemos a admirar o tempo juntos. Nos falamos mais, declaramos mais nosso amor uns pelos outros. Essas coisas, no momento de dor, se tornaram mais fortes. O que aprendemos durante o sofrimento fica pra sempre.

Contudo, ninguém sofreu mais do que minha mãe. O coração de uma mãe que sente a possibilidade de perder um filho não se recupera fácil. Ainda hoje, minha mãe chora ao falar da descoberta do tumor. Já faz um ano, mas ela repete: “Eu queria que tivesse sido comigo. Não me conformo”. Uma mãe não aceita que nada de ruim aconteça aos filhos. Deseja a própria morte, nunca a dos seus. Uma mãe não se conforma com a ingratidão do acaso. “Que fosse em mim”, ela diz.

Mal sabe ela que nós sentimos o mesmo. Sei que vai acontecer um dia, mas não poderia perder minha mãe. Sofreríamos todos muito mais. Preferimos que seja conosco. Nos unimos, nos tratamos, superamos. Mas perder nossa rocha, nosso norte, seria muito grave.

O amor de família é uma força irracional. São essas cordas imaginárias que nos mantêm unidos, conectados mesmo a distância, esbarrando nas imprevisibilidades da vida. Celebrando nossas risadas e lágrimas em conferências por vídeo. Brindando com um vinho barato, cada um na sua cidade, a dádiva que é estar vivo. Pensando sempre uns nos outros. Pensando sempre uns nos outros. É o que chamam de família.