Quino, por todas as
Mafalda’s que eu descobri em mim, muito obrigada!
Não sou das mais
obcecadas por redes sociais. Se, ao sair de casa, percebo que esqueci o
celular, não volto, nem sofro. Aceito apenas amigos no meu perfil no Facebook.
Não deixei de ler livros. Não levo o celular para a aula de pilates nem jamais
o deixo em cima da mesa de um restaurante. Quase não compartilho o que vejo no
perfil dos outros, e quando o faço é algo relacionado à cultura - raramente
passo adiante comentários sobre política. Ainda assim, o diagnóstico universal
serve pra mim também: fiquei viciada, como qualquer outro usuário. Consulto os
meus perfis com frequência para contar quantas curtidas, quem curtiu, o que
comentou, essa egotrip vergonhosa que nos estimula e limita ao mesmo tempo.
Doping, sem dúvida.
É disso que trata o
documentário The Social Dilemma, da Netflix, que mistura um pouco de
dramaturgia com impressionantes depoimentos de ex-diretores de Google,
Facebook, Twitter, Instagram e demais empresas que lidam com inteligência
artificial. Enquanto assistia, me dei conta de que meu coração disparava,
parecia que estava diante de um filme de terror.
Quando a gente era
criança, nossas mães nos proibiam de aceitar balas de estranhos: vá que dentro
houvesse alguma substância tóxica. Dessa maneira, evitavam que nos tornássemos
vítimas de traficantes imaginários. Mas foi questão de tempo até que outro tipo
de intoxicação nos contaminasse. Somos a última geração a vivenciar a era
analógica antes de entrar na era digital. As crianças de hoje não tiveram a mesma
sorte, se lambuzam com tecnologia desde cedo, e quem vai tirar o doce da mão
delas? Tente.
Não desgrudamos das redes
por medo de perder alguma coisa, seja um convite, uma cantada, uma fofoca, um
elogio, como se não pudéssemos ser alcançados de outra forma e dependêssemos de
gigas para existir. O problema é que a perda já se deu - não dentro das redes,
mas fora. Conversas presenciais, observação do entorno, contato visual com
outras pessoas, ouvido atento para os ruídos externos, tempo para leitura e introspeção,
capacidade de chegar a conclusões por raciocínio lógico, e não por indução.
Perdemos a paz. Somos fisgados e manipulados de manhã, à tarde e à noite,
freneticamente. Vídeos, fotos, memes, propaganda, todas essas postagens “casuais”
são programadas para atender a corporações que comandam o mundo através de
nossas clicadas. Não sou eu que estou dizendo. São os especialistas que criaram
o bicho e desistiram dele ao ver que o monstro estava fora de controle.
Alarmismo ou não, assista
ao documentário, você não ficará tão aterrorizado a ponto de jogar seu celular
no lixo depois dos créditos finais. Mas já será uma grande coisa se aprender a
diminuir a ansiedade e mostrar quem é que manda.
Por mais que a gente ache que coleciona experiências, a verdade é que, diante da vida, todo mundo é calouro.
Nossas vivências se
acomodam no cenário em que se encontram, pois elas só têm como referência a
gente mesmo, com tudo o que isso pode significar.
Algumas perguntas podem
nos ajudar na reflexão sobre o quanto lidamos bem conosco, nossas companhias e
nosso ambiente.
Por exemplo:
Será que eu falo além do
necessário somente para preencher pausas?
Minha casa tem falado bem
de mim?
Minhas relações próximas
têm sido coerentes com quem eu sou e o que eu busco?
Quantas tarefas tenho
deixado pra depois?
Quantos livros deixo pra
lá sem nunca voltar pra completar a leitura?
Qual o toque da roupa que
me aquece?
Como é a louça que eu
uso?
O que eu tenho de
medicamentos e maquiagem está na validade?
Meus papéis estão
acumulados?
Muitas respostas
auxiliarão na percepção, não deste momento, mas de quem a gente é em todos os
outros em que estamos ocupados buscando nos distrair do essencial (e da
essência).
“Campo Belo, cidade montesa, como igual não há outra na Terra.”
Campo Belo completa 141
anos de uma forma muito diferente dos anos anteriores. A data é feriado e
sempre foi celebrada com atividades culturais, desfiles das escolas com as
tradicionais e maravilhosas fanfarras dos Colégios Dom Cabral e Armstrong.
Eventos que atraem grande parte da população para a praça, a fim de divertir e
desfrutar os atrativos, o que hoje, seria irresponsável, impensável e
inconcebível.
O dia 28 de setembro de
2020 é atípico. Campo Belo comemora seu aniversário em silêncio. Sábio
silêncio, que nos traz oportunidade de aprendizado.
Neste “tempo diferente”,
de convivência com o que não enxergamos, mas existe, nos ameaça e atemoriza, a
cidade não terá a celebração que todo aniversário merece.
Neste aniversário, de
modo especial, passaremos exercendo o cuidado com o outro, sendo solidários e
com a esperança e a fé de que dias melhores virão.
E, ao final desse
contexto de pandemia, com sabor de vitória, retomaremos a nossa rotina de
vivenciarmos o dia a dia com alegria.
Parabéns, Campo Belo!
Um dos problemas de conviver, em casa, no trabalho, em qualquer lugar, é a nossa impaciência com o outro.
Porque conosco mesmos em
geral somos bem condescendentes: estou cansado, sobrecarregado, o patrão é um
tirano, a mulher é uma chata, os filhos uns demônios, meu pai bebia, minha mãe
me batia, não tenho sorte na vida... por isso tenho tolerância comigo mesmo.
Acontece que, nestes
tempos confusos e às vezes assustadores, o convívio fica quase obrigatório,
pois existe uma pandemia, existe uma doença que em alguns casos fica muito
grave, existe a necessidade de ficar em casa junto com pessoas que, antes não
sabíamos, amávamos muito ou detestávamos.
A habitual correria do
cotidiano da maior parte das pessoas, a urgência do tempo, o medo do
desemprego, a necessidade de competir e ser eficiente, nossa própria falta de
algo que chamo de “filosofia ou sabedoria de vida” (porque não nos permitimos o
tempo da reflexão), nos levam a usar a casa não como lar, refúgio, lugar de
afetos e parceria, mas lugar de comer, tomar banho, dormir, brincar com o
cachorro, passar a mão na cabeça dos filhos, e dar aquele beijo distraído na
mulher. Atualmente, eu diria também “no marido”, porque mulheres trabalham,
correm e competem, se exaurem.
Hoje temos licença de
também chegar em casa com pressa, notebook na pasta, horários, compromissos, e
o resto que até alguns anos atrás atormentava os homens. Porque a entrada da
mulher no universo antes dito masculino trouxe consigo, além de todas as coisas
positivas, como dinheiro próprio, autoestima, convívio social e de trabalho,
realizações, também essa sobrecarga que muitas vezes não permite refletir,
contemplar, curtir o tempo de não fazer nada além de estar com a família, as
amigas, os velhos pais, ou consigo mesma - o que é essencial.
Nestes dias meio insanos,
com notícias pesadas de todos os lados, e campanhas pró e contra cuidados com o
vírus, além de tudo, ficamos confusos, muita contradição, muita ciência boa ou
nem tanto, opiniões e sentenças sem tempo para sérios estudos científicos, que
em geral levam tempo, ah, o tempo.
Estou há seis meses em
casa, desço de vez em quando para a garagem, de máscara, entro no meu carro e
vou para nossa casinha de Gramado, onde também fico quieta. Sinto uma enorme
falta de conviver com família, netas, netos, amigas, a vidinha simples, e
normalzinha, de antes. Mas me cuido porque sei que, além de ser preciso mesmo,
sou de alto risco, 82 anos e enfartada. É ruim, é meio sem luz no túnel tão
cedo, mas cumpro. Porque gosto de viver, em resumo. E não entro no elevador sem
máscara porque também respeito os outros. De vez em quando a gente esquece, ah,
a minha máscara. Por sorte, sempre tenho uma na bolsa.
Escrevo esta matéria já
repetida porque em tudo há um lado positivo, ou em quase tudo. Nesse convívio
forçado, talvez a gente descubra que, afinal, como algumas pessoas têm me dito,
o parceiro até que é interessante, a mulher é divertida, os filhos
companheiros, e a casa, por mais simples que seja, é o nosso lugar no mundo.
Quem sabe, de uma
obrigação penosa, conviver se torne uma arte, ou, melhor ainda, um prazeroso
aprendizado.
Quando uma situação nos
causa dor emocional é comum ouvirmos que basta aceitá-la, para que doa menos.
Muito mais útil seria se
compreendêssemos as razões que nos atraíram para ela. Porque é quando nos
colocamos diante das nossas emoções que conseguimos diminuir a sensação de
desconforto que elas nos trazem, nesse ou naquele momento da existência.
Todas as vezes em que nos
pré-ocuparmos e, consequentemente, nos distrairmos com o centro da dor
ficaremos enredados nela em si, e quando isso acontece parece que não somos
parte dela, quando, na verdade, somos relevantes para tudo aquilo que sentimos,
para o bem ou não.
É humano e óbvio que num
primeiro momento a gente terceirize a dinâmica da culpa. Buscar culpados parece
que nos desincumbe da responsabilidade naquilo que reclamamos.
Portanto, aceitação não
fará nada além de otimizar uma estratégia para que, uma vez mais, a gente finja
que não tem responsabilidade.
A partir do instante em
que notamos o quanto nossas dores estão alinhadas com nossas escolhas, não será
mais uma questão de aceitação, mas de inteligência emocional.
Não é fácil, mas viver em
dor também não é e, às vezes, a gente até se esquece disso e permanece naquilo
que dói, não é verdade?
Quando vier a Primavera,
Se eu já estiver morto,
As flores florirão da
mesma maneira
E as árvores não serão
menos verdes que na Primavera passada.
A realidade não precisa
de mim.
Sinto uma alegria enorme
Ao pensar que a minha
morte não tem importância nenhuma
Se soubesse que amanhã
morria
E a Primavera era depois
de amanhã,
Morreria contente, porque
ela era depois de amanhã.
Se esse é o seu tempo,
quando havia ela de vir senão no seu tempo?
Gosto que tudo seja real
e que tudo esteja certo;
E gosto porque assim
seria, mesmo que eu não gostasse.
Por isso, se morrer
agora, morro contente,
Porque tudo é real e tudo
está certo.
Podem rezar latim sobre o
meu caixão, se quiserem.
Se quiserem, podem dançar
e cantar à roda dele.
Não tenho preferências
para quando já não puder ter preferências.
O que for, quando for, é
que será o que é.
(Poemas Inconjuntos, Alberto Caeiro, heterônimo de Fernando Pessoa)
Sejamos como a primavera que
renasce cada dia mais bela.
Exatamente porque nunca
são as mesmas flores.
Quando os assuntos espiam
nos cantos da casa e do mundo e não sabemos o que escolher. Os otimistas tão
raros hoje em dia? Os pessimistas maioria, ou os pavorosos? Lembrei de um filme
de Woody Allen em que ele definia os humanos em duas turmas: “Os horríveis e os
miseráveis”.
Por muito tempo achei
graça sempre que lembrava da frase. Mas houve fases em que a comicidade me
pareceu menor, até grosseira. E hoje? Onde estamos, a que ponto chegamos no
meio de uma pandemia que destrói pessoas, famílias, economias, enquanto muitos
ainda dão risada e sacodem a cabeça como se nós, os preocupados, fôssemos uma
tropa de imbecis, coitados, apavorados, que acreditam na imprensa a serviço do
sistema, seja lá o que isso significa.
Não estou entre os
apavorados, mas confesso que esse vírus, que há meses me prende em casa, me
deixa pensativa e um pouco melancólica. A doença se politizou em muitos lugares
do mundo, ou em todos, e a dor serve para jogos e manipulações. Mas eu quero
mudar de assunto, virar a chave, abrir outra porta: a que dá para o nevoeiro de
uma manhã, por exemplo, que mergulha o mundo numa nuvem maravilhosa da qual,
aqui e ali, espia a ponta escura de uma árvore.
Ou admirar alunos e
professores, que com difícil disciplina dão aulas, estudam, trabalham, no conforto
de casa sim, mas com todas as limitações da ausência física. Sem esquecer de
todos aqueles incontáveis, que mal têm água para lavar as mãos, quanto mais
internet para aulas online.
Também posso pensar em
todo o tesouro de afetos que tantas décadas de vida acumularam na minha alma;
nas curiosidades e belezas que vi e vivi nas viagens longas ou num cantinho do
jardim onde um carrinho de mão muito velho se enfeita de mil cores dos vasos
floridos que a gente inventou de botar ali.
Mas também posso abafar
por momentos as notícias tristes ou trágicas ligando para alguma amiga querida,
ou conversando com a família no Whats, ou curtindo um livro que me apaixona, ou
simplesmente ficando quieta, olhos fechados, ouvindo uma música que me encanta,
ou em silêncio sentindo a tranquila, profunda respiração da vida - que é enigma
e não cessa de produzir beleza, apesar dos desastres humanos.
“Se não houver frutos,
valeu a beleza das flores; se não houver flores, valeu a sombra das folhas; se
não houver folhas, valeu a intenção da semente.”
Henfil
Nesta manhã eu acordei diferente. Não senti vontade de ouvir o rádio, nem de tocar no meu celular ou ligar a TV. Nesta manhã eu não quis saber como anda a briga do Donald Thrump com a China e muito menos a guerra entre esquerda e direita no Brasil.
Pela primeira vez em 180
dias eu não quis ver as estatísticas.
O café, aquele mesmo café
que eu tomo todos os dias, me pareceu diferente. Desceu devagar, não me queimou
a garganta, apenas me aqueceu.
O dia prosseguiu e eu
prossegui junto com ele. Trabalhei o que precisava ser trabalhado, comi o que
tinha pra ser comido e para minha surpresa, não procurei saber como estava o
mundo lá fora. Alienado? Eu?
Eu posso explicar. Há
exatamente 6 meses eu assisto todos os noticiários, ouço rádio, lives, palestras
e qualquer pessoa que queira me dar uma explicação, uma resposta ou uma
previsão sobre o nosso momento chamado pandemia. Eu estava exausto e deixando
exaustos todos ao meu redor. Eu pude ver nos olhos da minha mulher que ela não
me suportava mais. Eu estava bem perto de enlouquecer.
Então eu decidi ter uma
conversa comigo, coisa que sempre faço quando sinto que não estou bem, mas que,
desta vez, de tão envolvido com os temas da atualidade, não me lembrei de
fazer. A minha conversa comigo não foi muito longa. Eu perguntei para mim mesmo
por que eu carregava tamanha ansiedade? Por que esse desespero para saber tudo,
todas as notícias, todas as informações? O quê eu pretendo fazer com estudo
isso?
Esperei respostas que não
chegaram. Esperei a cura, esperei a vacina, esperei que as pessoas tivessem
consciência, esperei que tudo fosse um sonho coletivo, mas não foi nada disso.
Cansado de esperar me dei
conta de que a vida continua, eu e meu cachorro estamos engordando a cada dia,
as plantas continuam crescendo e o meu cabelo precisa ser cortado. O tempo não parou. A vida não parou.
Então optei por não
saber. Por não ser mais o dono da notícia. Por não brigar para ter razão. Por não conhecer mais quantos mortos, quantos
infectados... Neste momento o que eu sei mesmo é que preciso viver. Viver, trabalhar,
me cuidar, colaborar de alguma forma e me encantar com alguma coisa do caminho.
Se tudo isso foi “preparado” para nos fazer parar. Que esta parada me permita
fazer melhor, fazer direito e fazer bem feito.
A arte de não saber é estar aberto para aprender. Aqui estou eu, sem saber nada, aprendendo com tudo isso!