"Ando no rastro dos poetas, porém descalça... Quero sentir as sensações que eles deixam por ai"



quarta-feira, 30 de setembro de 2020

 


Quino, por todas as Mafalda’s que eu descobri em mim, muito obrigada!



#dia da Bíblia

o dilema das redes


Não sou das mais obcecadas por redes sociais. Se, ao sair de casa, percebo que esqueci o celular, não volto, nem sofro. Aceito apenas amigos no meu perfil no Facebook. Não deixei de ler livros. Não levo o celular para a aula de pilates nem jamais o deixo em cima da mesa de um restaurante. Quase não compartilho o que vejo no perfil dos outros, e quando o faço é algo relacionado à cultura - raramente passo adiante comentários sobre política. Ainda assim, o diagnóstico universal serve pra mim também: fiquei viciada, como qualquer outro usuário. Consulto os meus perfis com frequência para contar quantas curtidas, quem curtiu, o que comentou, essa egotrip vergonhosa que nos estimula e limita ao mesmo tempo. Doping, sem dúvida.


É disso que trata o documentário The Social Dilemma, da Netflix, que mistura um pouco de dramaturgia com impressionantes depoimentos de ex-diretores de Google, Facebook, Twitter, Instagram e demais empresas que lidam com inteligência artificial. Enquanto assistia, me dei conta de que meu coração disparava, parecia que estava diante de um filme de terror.


Quando a gente era criança, nossas mães nos proibiam de aceitar balas de estranhos: vá que dentro houvesse alguma substância tóxica. Dessa maneira, evitavam que nos tornássemos vítimas de traficantes imaginários. Mas foi questão de tempo até que outro tipo de intoxicação nos contaminasse. Somos a última geração a vivenciar a era analógica antes de entrar na era digital. As crianças de hoje não tiveram a mesma sorte, se lambuzam com tecnologia desde cedo, e quem vai tirar o doce da mão delas? Tente.


Não desgrudamos das redes por medo de perder alguma coisa, seja um convite, uma cantada, uma fofoca, um elogio, como se não pudéssemos ser alcançados de outra forma e dependêssemos de gigas para existir. O problema é que a perda já se deu - não dentro das redes, mas fora. Conversas presenciais, observação do entorno, contato visual com outras pessoas, ouvido atento para os ruídos externos, tempo para leitura e introspeção, capacidade de chegar a conclusões por raciocínio lógico, e não por indução. Perdemos a paz. Somos fisgados e manipulados de manhã, à tarde e à noite, freneticamente. Vídeos, fotos, memes, propaganda, todas essas postagens “casuais” são programadas para atender a corporações que comandam o mundo através de nossas clicadas. Não sou eu que estou dizendo. São os especialistas que criaram o bicho e desistiram dele ao ver que o monstro estava fora de controle.


Alarmismo ou não, assista ao documentário, você não ficará tão aterrorizado a ponto de jogar seu celular no lixo depois dos créditos finais. Mas já será uma grande coisa se aprender a diminuir a ansiedade e mostrar quem é que manda.


na vida não há veterano


Por mais que a gente ache que coleciona experiências, a verdade é que, diante da vida, todo mundo é calouro.

Nossas vivências se acomodam no cenário em que se encontram, pois elas só têm como referência a gente mesmo, com tudo o que isso pode significar.

Algumas perguntas podem nos ajudar na reflexão sobre o quanto lidamos bem conosco, nossas companhias e nosso ambiente.

Por exemplo:

Será que eu falo além do necessário somente para preencher pausas?

Minha casa tem falado bem de mim?

Minhas relações próximas têm sido coerentes com quem eu sou e o que eu busco?

Quantas tarefas tenho deixado pra depois?

Quantos livros deixo pra lá sem nunca voltar pra completar a leitura?

Qual o toque da roupa que me aquece?

Como é a louça que eu uso?

O que eu tenho de medicamentos e maquiagem está na validade?

Meus papéis estão acumulados?

Muitas respostas auxiliarão na percepção, não deste momento, mas de quem a gente é em todos os outros em que estamos ocupados buscando nos distrair do essencial (e da essência).


 


A tua palavra é lâmpada para guiar

os meus passos,

é luz que ilumina o meu caminho.


Salmos 119:105 / NTLH

segunda-feira, 28 de setembro de 2020

 


Campo Belo, cidade montesa, como igual não há outra na Terra.


Campo Belo completa 141 anos de uma forma muito diferente dos anos anteriores. A data é feriado e sempre foi celebrada com atividades culturais, desfiles das escolas com as tradicionais e maravilhosas fanfarras dos Colégios Dom Cabral e Armstrong. Eventos que atraem grande parte da população para a praça, a fim de divertir e desfrutar os atrativos, o que hoje, seria irresponsável, impensável e inconcebível.

 

O dia 28 de setembro de 2020 é atípico. Campo Belo comemora seu aniversário em silêncio. Sábio silêncio, que nos traz oportunidade de aprendizado. 

 

Neste tempo diferente, de convivência com o que não enxergamos, mas existe, nos ameaça e atemoriza, a cidade não terá a celebração que todo aniversário merece.

Neste aniversário, de modo especial, passaremos exercendo o cuidado com o outro, sendo solidários e com a esperança e a fé de que dias melhores virão.

E, ao final desse contexto de pandemia, com sabor de vitória, retomaremos a nossa rotina de vivenciarmos o dia a dia com alegria.

 

Parabéns, Campo Belo!



“Deus é tão generoso que te dá liberdade de plantar o que quiser. Mas Ele é tão justo, que você colhe exatamente o que planta.”


foi dada a largada...



Talvez não seja nada e a gente consiga a redenção necessária para organizar esse negócio de sentimentos. Talvez a gente resolva de uma vez por todas essas indecisões, decifre o caminho mais prático e sem tantos atalhos perigosos.

Talvez a gente compreenda um pouco sobre a vida e pare de exigir alegria em tempo integral. É, talvez a gente deixe de ser besta e passe a acreditar que felicidade tem suas impontualidades, seus momentos e duração.

Talvez a gente se dê conta de que é preciso fazer um esforço maior do que o tema difícil de segunda-feira para poder aceitar as situações que seguem ao contrário de nosso desejo.
Talvez a gente largue de mão das certezas e passe a se sustentar unicamente do instante em que vivemos.

Talvez a dor pare de doer. O vazio torne-se habitado e a tristeza se escafeda nem que seja por algumas horas.
Talvez a gente reconheça que precisamos do dia seguinte, para continuar a suspirar com a chegada do sol.

Talvez a gente deixe de decorar as falas, ensaiar os textos, premeditar as respostas, e manifeste sem medo os nossos desejos mais íntimos e sinceros.
Talvez a gente ofereça o ombro, o abraço, o colo, sem esperar cumplicidade, sem exigir uma resposta, sem fazer nenhuma cobrança. Talvez a gente tenha esse rompante de liberdade desobrigada da manifestação do outro.

Talvez a gente aprenda a andar pelo desconhecido, desprovido de medo e lotado de ousadia, sem, contudo, cometer insanidades que prejudiquem nossa essência.
Talvez a gente arremesse fora todo o desconforto dos diálogos meticulosamente preparados, a fim de garantir benefícios, equilíbrio, segurança, sensatez, em troca do imprevisto que encanta.

Talvez a gente dispense as tonalidades fortes que rejeita o desafio de ajustar as nuances suaves. É bem possível abrir mão de verdades absolutas em troca de temporadas amigáveis e conciliatórias.

Talvez a gente aceite que voltar atrás é sinônimo de um saudável combustível para o aprendizado. Concordar, oficializa a paz. Recomeçar é uma ilustração bonita do trajeto. Compreender, alimenta o afeto. Aceitar é manto sagrado e não deforma a realidade.
Talvez a gente precise é de paciência.
Talvez a gente entenda que é confortável ser nós mesmos.

Talvez viver seja isso! Talvez.


Provérbios 15:3
#diariocomdeus_

domingo, 27 de setembro de 2020


Se me perguntarem qual o sentimento que considero mais bonito ou mais importante, vou abrir um sorriso e dizer: o correspondido!


Não tenho mais idade para me desculpar por ser quem eu sou. Se gosta de mim, fique à vontade! Se não gosta, desejo apenas que você siga em paz seu caminho.




Equilíbrio é a habilidade de olhar para a vida a partir de uma perspectiva clara - fazer a coisa certa no momento certo.

Uma pessoa equilibrada será capaz de apreciar a beleza e o significado de cada situação seja ela adversa ou favorável.

Equilíbrio é a habilidade de aprender com a situação e de prosseguir com sentimentos positivos. É estar sempre alerta, ser totalmente focado, e ter uma visão ampla.

Equilíbrio vem do entendimento, humildade e tolerância. O mais elevado estado de equilíbrio é voar livre de tudo e, ainda assim, manter-se firmemente enraizado na realidade do mundo.

Brahma Kumaris


 


Salmos 28:7
#diariocomdeus_

sábado, 26 de setembro de 2020


 

#Joana Caetaneando sem Peninha

conviver, o aprendizado

 


Um dos problemas de conviver, em casa, no trabalho, em qualquer lugar, é a nossa impaciência com o outro.


Porque conosco mesmos em geral somos bem condescendentes: estou cansado, sobrecarregado, o patrão é um tirano, a mulher é uma chata, os filhos uns demônios, meu pai bebia, minha mãe me batia, não tenho sorte na vida... por isso tenho tolerância comigo mesmo.


Acontece que, nestes tempos confusos e às vezes assustadores, o convívio fica quase obrigatório, pois existe uma pandemia, existe uma doença que em alguns casos fica muito grave, existe a necessidade de ficar em casa junto com pessoas que, antes não sabíamos, amávamos muito ou detestávamos.


A habitual correria do cotidiano da maior parte das pessoas, a urgência do tempo, o medo do desemprego, a necessidade de competir e ser eficiente, nossa própria falta de algo que chamo de “filosofia ou sabedoria de vida” (porque não nos permitimos o tempo da reflexão), nos levam a usar a casa não como lar, refúgio, lugar de afetos e parceria, mas lugar de comer, tomar banho, dormir, brincar com o cachorro, passar a mão na cabeça dos filhos, e dar aquele beijo distraído na mulher. Atualmente, eu diria também “no marido”, porque mulheres trabalham, correm e competem, se exaurem.


Hoje temos licença de também chegar em casa com pressa, notebook na pasta, horários, compromissos, e o resto que até alguns anos atrás atormentava os homens. Porque a entrada da mulher no universo antes dito masculino trouxe consigo, além de todas as coisas positivas, como dinheiro próprio, autoestima, convívio social e de trabalho, realizações, também essa sobrecarga que muitas vezes não permite refletir, contemplar, curtir o tempo de não fazer nada além de estar com a família, as amigas, os velhos pais, ou consigo mesma - o que é essencial.


Nestes dias meio insanos, com notícias pesadas de todos os lados, e campanhas pró e contra cuidados com o vírus, além de tudo, ficamos confusos, muita contradição, muita ciência boa ou nem tanto, opiniões e sentenças sem tempo para sérios estudos científicos, que em geral levam tempo, ah, o tempo.


Estou há seis meses em casa, desço de vez em quando para a garagem, de máscara, entro no meu carro e vou para nossa casinha de Gramado, onde também fico quieta. Sinto uma enorme falta de conviver com família, netas, netos, amigas, a vidinha simples, e normalzinha, de antes. Mas me cuido porque sei que, além de ser preciso mesmo, sou de alto risco, 82 anos e enfartada. É ruim, é meio sem luz no túnel tão cedo, mas cumpro. Porque gosto de viver, em resumo. E não entro no elevador sem máscara porque também respeito os outros. De vez em quando a gente esquece, ah, a minha máscara. Por sorte, sempre tenho uma na bolsa.


Escrevo esta matéria já repetida porque em tudo há um lado positivo, ou em quase tudo. Nesse convívio forçado, talvez a gente descubra que, afinal, como algumas pessoas têm me dito, o parceiro até que é interessante, a mulher é divertida, os filhos companheiros, e a casa, por mais simples que seja, é o nosso lugar no mundo.


Quem sabe, de uma obrigação penosa, conviver se torne uma arte, ou, melhor ainda, um prazeroso aprendizado.


aceitar não dói menos


 

Quando uma situação nos causa dor emocional é comum ouvirmos que basta aceitá-la, para que doa menos.


Muito mais útil seria se compreendêssemos as razões que nos atraíram para ela. Porque é quando nos colocamos diante das nossas emoções que conseguimos diminuir a sensação de desconforto que elas nos trazem, nesse ou naquele momento da existência.


Todas as vezes em que nos pré-ocuparmos e, consequentemente, nos distrairmos com o centro da dor ficaremos enredados nela em si, e quando isso acontece parece que não somos parte dela, quando, na verdade, somos relevantes para tudo aquilo que sentimos, para o bem ou não.


É humano e óbvio que num primeiro momento a gente terceirize a dinâmica da culpa. Buscar culpados parece que nos desincumbe da responsabilidade naquilo que reclamamos.


Portanto, aceitação não fará nada além de otimizar uma estratégia para que, uma vez mais, a gente finja que não tem responsabilidade.


A partir do instante em que notamos o quanto nossas dores estão alinhadas com nossas escolhas, não será mais uma questão de aceitação, mas de inteligência emocional.


Não é fácil, mas viver em dor também não é e, às vezes, a gente até se esquece disso e permanece naquilo que dói, não é verdade?



Salmos 107:1
#diariocomdeus_

quinta-feira, 24 de setembro de 2020

o sonho de um Brasil adulto


Quando condeno a infantilidade da maioria de nós, não estou me referindo a quem faz piadas e brincadeiras: sem bom humor, não há quem aguente o rojão. Condeno é a falta de coragem.

Não criamos nossos filhos para serem adultos, e sim para serem “felizes”, uma felicidade associada a roupas, status, mordomia – quase nunca associada à educação, livros e consciência. Dificilmente alguém se declara realizado por ter adquirido cultura e conhecimento, mas se conseguiu comprar tudo o que sonhou, uau. Damos mais valor a quem nos faz ganhar dinheiro do que a professores e artistas.

O Brasil tem duas riquezas invejáveis: a natureza, pra começar. São 8 mil quilômetros de orla marítima, a maior floresta do mundo, cânions, santuários, campos e montanhas que são mais do que cartões postais: essa biodiversidade é que nos mantém respirando e fornece nosso alimento. Sua preservação deveria ser uma causa de todos. Isso é papo de comunista?

A segunda maior riqueza: nossa arte (certeza: papo de comunista). Somos um povo abençoado pelo talento, pela criatividade, pelo dom da palavra, da dança, de tudo que expressa nossa afetividade, nossos ideais e o orgulho pelas próprias raízes (axé, Caetano, que manteve quase 4 milhões de brasileiros ligados em sua live musical). Desde quando arte é supérfluo? Existir em plenitude é também matéria-prima da nossa sobrevivência. Cada artista dá voz, corpo e alma a uma sociedade que precisa se manter arejada para renovar as ideias e as conexões mentais, nutrir-se, expandir-se. Sem isso, resta o confinamento na bolha e a atrofia espiritual.

Mas crianções gostam de mudança? Têm pavor, por isso se grudam na barra da saia dos militares, dos pastores e dos caretas para evitarem os sustos que os tornariam adultos de verdade. É assustador, sem dúvida, descobrir que somos diferentes uns dos outros, que precisamos de filosofia e poesia mais do que de novelas, que sem educação e leitura seremos sempre simplórios e manipuláveis, que conhecer e respeitar todas as religiões é mais importante do que se apegar a uma só, feito um escudo. É muito assustador abandonar a infância.

Adultos também têm medo, como qualquer ser humano, mas não se deixam dominar por ele – ou não seriam adultos. Apoiam os que têm propostas coletivas e abrangentes, escutam os outros sem se deixar levar pelo moralismo, reconhecem que fazem parte de algo maior que seu umbigo. Um adulto olha para os lados e enxerga o todo.

Uma criança, ao contrário, quer ser única e mimada. Coleciona soldadinhos de chumbo e cultua super-heróis. Quem tem coragem de crescer, põe os pés no chão, busca sua independência e assume sua responsabilidade social, já uma criança se interessa apenas em preservar seus brinquedos e só votará naquele que prometer aumentar sua mesada.


quando vier a primavera



Quando vier a Primavera,

Se eu já estiver morto,

As flores florirão da mesma maneira

E as árvores não serão menos verdes que na Primavera passada.

A realidade não precisa de mim.

 

Sinto uma alegria enorme

Ao pensar que a minha morte não tem importância nenhuma

 

Se soubesse que amanhã morria

E a Primavera era depois de amanhã,

Morreria contente, porque ela era depois de amanhã.

Se esse é o seu tempo, quando havia ela de vir senão no seu tempo?

Gosto que tudo seja real e que tudo esteja certo;

E gosto porque assim seria, mesmo que eu não gostasse.

Por isso, se morrer agora, morro contente,

Porque tudo é real e tudo está certo.

 

Podem rezar latim sobre o meu caixão, se quiserem.

Se quiserem, podem dançar e cantar à roda dele.

Não tenho preferências para quando já não puder ter preferências.

O que for, quando for, é que será o que é.

 

(Poemas Inconjuntos, Alberto Caeiro, heterônimo de Fernando Pessoa)


Salmos 21:9,10
#diariocomdeus_

terça-feira, 22 de setembro de 2020


 

Sejamos como a primavera que renasce cada dia mais bela.

Exatamente porque nunca são as mesmas flores.



É possível que café não resolva todos os problemas do mundo, mas deixa um gosto forte e morno na língua, causando uma sensação de comida quente na mesa, prosa boa e trabalho a fazer. 
É possível que o ar da noite que entra pelas narinas traga uma sensação de conforto. 
É possível que um abraço inesperado, alivie um coração angustiado. 
É possível que a música embale a perdida esperança. 
É possível ter fome e sede de justiça e ser saciado com uma boa ação. 
É possível que a palavra dita de forma amorosa, corrija sem magoar. 
É bem possível que a vida só tenha sentido com bordoadas de amor, mesmo que seja de relance, mesmo que seja um pouco doce, mesmo que não dure para sempre.

podemos escolher

 


Quando os assuntos espiam nos cantos da casa e do mundo e não sabemos o que escolher. Os otimistas tão raros hoje em dia? Os pessimistas maioria, ou os pavorosos? Lembrei de um filme de Woody Allen em que ele definia os humanos em duas turmas: “Os horríveis e os miseráveis”.


Por muito tempo achei graça sempre que lembrava da frase. Mas houve fases em que a comicidade me pareceu menor, até grosseira. E hoje? Onde estamos, a que ponto chegamos no meio de uma pandemia que destrói pessoas, famílias, economias, enquanto muitos ainda dão risada e sacodem a cabeça como se nós, os preocupados, fôssemos uma tropa de imbecis, coitados, apavorados, que acreditam na imprensa a serviço do sistema, seja lá o que isso significa.


Não estou entre os apavorados, mas confesso que esse vírus, que há meses me prende em casa, me deixa pensativa e um pouco melancólica. A doença se politizou em muitos lugares do mundo, ou em todos, e a dor serve para jogos e manipulações. Mas eu quero mudar de assunto, virar a chave, abrir outra porta: a que dá para o nevoeiro de uma manhã, por exemplo, que mergulha o mundo numa nuvem maravilhosa da qual, aqui e ali, espia a ponta escura de uma árvore.


Ou admirar alunos e professores, que com difícil disciplina dão aulas, estudam, trabalham, no conforto de casa sim, mas com todas as limitações da ausência física. Sem esquecer de todos aqueles incontáveis, que mal têm água para lavar as mãos, quanto mais internet para aulas online.


Também posso pensar em todo o tesouro de afetos que tantas décadas de vida acumularam na minha alma; nas curiosidades e belezas que vi e vivi nas viagens longas ou num cantinho do jardim onde um carrinho de mão muito velho se enfeita de mil cores dos vasos floridos que a gente inventou de botar ali.


Mas também posso abafar por momentos as notícias tristes ou trágicas ligando para alguma amiga querida, ou conversando com a família no Whats, ou curtindo um livro que me apaixona, ou simplesmente ficando quieta, olhos fechados, ouvindo uma música que me encanta, ou em silêncio sentindo a tranquila, profunda respiração da vida - que é enigma e não cessa de produzir beleza, apesar dos desastres humanos.


o que vale é a intenção


“Se não houver frutos, valeu a beleza das flores; se não houver flores, valeu a sombra das folhas; se não houver folhas, valeu a intenção da semente.”

 

Henfil


                         


Preguiçoso, aprenda uma lição com as formigas! Elas não têm líder, nem chefe, nem governador, mas guardam comida no verão, preparando-se para o inverno.

Provérbios 6: 6-8 / NTLH


segunda-feira, 21 de setembro de 2020


#dia da árvore

minha árvore predileta



Assim como crianças cuidam de cachorro ou gato ou hamster ou tartaruga,
eu protegia uma árvore na infância. Uma árvore toda minha. Uma árvore de estimação. O balanço significava minha coleira. Quando estava triste, andava sentado no balanço. Quando estava alegre, andava de pé no balanço.

Eu conversava com a árvore, ela me lambia de volta. Eu jogava um osso
para o alto, ela pegava com a sua boca. A ameixeira ficava no centro do pátio e me levava para os telhados dos vizinhos. Era a proa de um navio, a cabine de um avião.

Era minha escada para assistir ao mundo de cima. Tinha um esconderijo no alto dela, um observatório privilegiado da movimentação da casa. No momento em que cometia um crime doméstico, quebrar um vaso ou responder aos pais com palavrão, me refugiava em seus domínios e não me mexia para não ser descoberto e posto de castigo. Eu me fingia de coruja, de pintassilgo, de sabiá.

Era minha torre de guerra, quando arremessava ameixas nos meus irmãos
sem que eles percebessem. Já venci grandes batalhas em suas muradas e impedi invasões dos manos com artilharia pesada.

Era minha melhor amiga. Minha conselheira. Tomado de tristeza dos amores platônicos, fechava os olhos e ouvia sua sinfonia de folhas. Somente minha árvore era capaz de me acalmar - banhava meu rosto de vento e esperança, me fazia cócegas com sua penugem de flores.

Minha árvore latia para quem me incomodasse. E cantava para quem me amava.
Ela me ensinou a descascar frutas, a cuspir caroços longe, a me equilibrar com uma perna e não ter medo de altura, a cair com os joelhos flexionados.

Era meu escritório de poemas. Minha água-furtada. Meu assoalho no céu. Levava um bloco e caneta e escrevia cartas para as futuras ex-namoradas. Dormi em minha árvore predileta várias vezes, sesteava com o barulho intermitente das cigarras.

Eu segurava sua cintura e ela me convidava para dançar, pisei em seus pés no começo e ela não se importou, não reclamou, disse para seguir a música de dentro. Ela fazia aniversário em outubro, cinco dias antes de meu aniversário, sei que era de Libra, nunca descobri seu ascendente e sua lua. Fui seu tatuador, talhei um coração com meu nome em sua madeira, com as datas embaralhadas de nossos nascimentos.

Ela assobiava no verão. Ela ria no outono. Ela chorava no inverno. Ela pedia minha ajuda na primavera, estava muito carregada de frutas e quase desmaiava. Eu comia tudo o que podia em uma única tarde para devolver sua leveza. Não deixei que a mãe pendurasse a corda do varal em seus ombros.

Ela era criança para trabalhar na lavanderia secando roupas. A mãe amarrava,
eu ia lá e desamarrava. Durante dias, seguimos esta luta silenciosa, este cabo
de força, e acabei vencendo. Ela me agradeceu com um balão azul que apanhou
com seus galhos de alguma festa perdida.

Levava minha árvore a passear pelo bairro com meu binóculo. Ela enxergava
até a igreja São Sebastião, numa distância de um quilômetro.

Minha árvore adoeceu quando completei 10 anos. Teve o câncer de árvore, chamado de broca pelo adultos e de ferrugem pelas crianças. Sua madeira apodreceu. E perdeu seus braços e ficou apenas um tronco podado, uma estaca, uma cruz no pátio.
Minha árvore morreu de pé, como uma guerreira. Morreu ainda me esperando para o último abraço.



“Tenha cuidado com o que você pensa, pois a sua vida é dirigida pelos seus pensamentos.”

Provérbios 4:23 / NTLH

domingo, 20 de setembro de 2020

Minha força não foi conquistada levantando pesos. Minha força foi conquistada levantando a mim mesmo todas as vezes que me derrubaram.

Desconheço a autoria da frase, mas poderia ter sido escrita pelo Neckyr..


a arte de não saber

Nesta manhã eu acordei diferente. Não senti vontade de ouvir o rádio, nem de tocar no meu celular ou ligar a TV. Nesta manhã eu não quis saber como anda a briga do Donald Thrump  com a China e muito menos a guerra entre esquerda e direita no Brasil. 


Pela primeira vez em 180 dias eu não quis ver as estatísticas.

 

O café, aquele mesmo café que eu tomo todos os dias, me pareceu diferente. Desceu devagar, não me queimou a garganta, apenas me aqueceu.

 

O dia prosseguiu e eu prossegui junto com ele. Trabalhei o que precisava ser trabalhado, comi o que tinha pra ser comido e para minha surpresa, não procurei saber como estava o mundo lá fora. Alienado? Eu?

 

Eu posso explicar. Há exatamente 6 meses eu assisto todos os noticiários, ouço rádio, lives, palestras e qualquer pessoa que queira me dar uma explicação, uma resposta ou uma previsão sobre o nosso momento chamado pandemia. Eu estava exausto e deixando exaustos todos ao meu redor. Eu pude ver nos olhos da minha mulher que ela não me suportava mais. Eu estava bem perto de enlouquecer.

 

Então eu decidi ter uma conversa comigo, coisa que sempre faço quando sinto que não estou bem, mas que, desta vez, de tão envolvido com os temas da atualidade, não me lembrei de fazer. A minha conversa comigo não foi muito longa. Eu perguntei para mim mesmo por que eu carregava tamanha ansiedade? Por que esse desespero para saber tudo, todas as notícias, todas as informações? O quê eu pretendo fazer com estudo isso?

 

Esperei respostas que não chegaram. Esperei a cura, esperei a vacina, esperei que as pessoas tivessem consciência, esperei que tudo fosse um sonho coletivo, mas não foi nada disso.

 

Cansado de esperar me dei conta de que a vida continua, eu e meu cachorro estamos engordando a cada dia, as plantas continuam crescendo e o meu cabelo precisa ser cortado.  O tempo não parou. A vida não parou.

 

Então optei por não saber. Por não ser mais o dono da notícia. Por não brigar para ter razão.  Por não conhecer mais quantos mortos, quantos infectados... Neste momento o que eu sei mesmo é que preciso viver. Viver, trabalhar, me cuidar, colaborar de alguma forma e me encantar com alguma coisa do caminho. Se tudo isso foi “preparado” para nos fazer parar. Que esta parada me permita fazer melhor, fazer direito e fazer bem feito.

 

A arte de não saber é estar aberto para aprender. Aqui estou eu, sem saber nada, aprendendo com tudo isso!