Era certo como Natal e Ano-Novo. A família se reunia na
véspera das aulas para encapar os cadernos.
Sentávamos todos os irmãos e a mãe ao redor da mesa para
colocar uma capa transparente ou uma estampa que sobrava dos presentes.
Um dos únicos dias do ano em que dormíamos tarde,
atravessando de longe a meia-noite.
Lembro da função: recortar papel bonito, dobrá-lo nas orelhas
e paramentar uma por uma das obras para o começo do ano letivo.
Estudar significava um prêmio. Não podia chegar de qualquer
jeito na escola. Assim como revisávamos o uniforme (podia ser pobre, mas sempre
limpo, podia ser gasto, mas sempre lavado), não permitíamos que nenhum livro
viesse sem uma sobrecapa. Tinha que durar. Tinha que sobreviver aos sanduíches
do recreio e às gotas perdidas do Nescau da térmica. Tinha que aguentar as
viradas de página e o manuseio infinito.
A mãe transformava a tarefa em festa. Ela nos ensinava a
embrulhar devagar, a preencher o nome e a série que iniciaríamos em todos os
itens, colava durex com o nosso nome nos objetos do estojo de madeira, incitava
o orgulho da letra e do capricho.
Ela descia à nossa idade para mediar a ansiedade, perguntava
se manteríamos a mesma turma ou viriam colegas novos, questionava qual tinha
sido o professor preferido, de quem sentíamos mais saudade, se escondíamos um
amor secreto nas amizades. Quando não respondíamos nada, nos atacava com
cócegas debaixo dos braços: “Fala, fala, fala!”.
Ninguém recebia um caderno diferente de outro irmão. Tudo
igual, para não gerar ciúme e competição. A maior parte não contava com
fotografia e desenho famoso, não descendia de grife e marca. Cadernos simples,
pautados, sem espiral, pequenos, incluindo o temido de caligrafia. As folhas
costumavam ser duplas, não havia como arrancar nenhuma página sem fazer estrago
na costura.
Apontávamos os lápis, como quem repassa um exército
enfileirado. Dois para cada filho. Eu queria ser famoso como Faber-Castell.
Partilhávamos as mesmas iniciais. Jurava que Faber-Castell era filho do Johann
Faber.
Não usávamos caneta. Caneta pertencia ao mundo do escritório,
coisa de adulto. Nossa condição estava restrita a escrever rascunhos até
crescer e virar gente grande.
Amava aquele tempo de expectativa, de preparação para
momentos importantes da vida. Não vivíamos apenas, mas nos preparávamos para
viver.
Existia uma paciência que não existe hoje, de esperar a
televisão aquecer até vir a imagem, de furar a lata de azeite com um preguinho,
de aguardar a foto revelar, de escrever cartas, de descontar um cheque, de
lustrar os móveis com o óleo de peroba, de catar cidades no mapa, de ir até o
orelhão para falar com parente no Interior, de mandar telegrama em caso de
doença ou morte, de suportar o leite fervendo e a massa do bolo descansar, de
degelar a geladeira, de pensar como seríamos felizes se passássemos naquele ano
por média.