A mim, sempre buscando
explicações e significados porque tão pouco entendo, me ocorre falar ou
escrever exatamente sobre aquilo que menos sei. Trabalho interminável, espécie
de suplício de Tântalo: o pobre todo dia empurrando montanha acima uma grande
pedra que voltava a rolar pela encosta, a fim de que o torturado recomeçasse
mais uma vez.
Querer alcançar o
significado das coisas, da vida, das gentes, de seus relacionamentos e
desencontros, é um pouco assim.
Seguidamente me indagam –
ou tento imaginar – o que seria um relacionamento perfeito. Eu ia escrever
“casamento”, mas preferi a outra palavra, porque ela não tem nada a ver com
cartório e burocracia, opressão ou coerção social e familiar: tem a ver com
querer se ligar a alguém, e querer continuar ligado.
Cada dia, ao acordar,
fazer de novo a escolha: eu quero mesmo é você comigo.
Mas “perfeito” é uma
palavra tola: perfeição, só no céu de todas as utopias. Aqui, nesta nossa terra
nada utópica, perfeição me pareceria um pouco entediante: como, nada a reclamar,
tudo assim direitinho?
Olho pela janela e
bocejo: muito sem graça, a tal perfeição. O céu com anjos tocando harpa pelo
tempo sem tempo me deixava pasmada já na infância. Nada mais? Nem uma
brincadeira proibida, um escorregão nas nuvens, uma risada na hora do sagrado
silêncio... nem uma transgressãozinha na ordem celestial?
Minha alma indisciplinada
não encontraria alimento nem estímulo, e ia-se desfazer em fiapo de nuvem
embaixo de algum armário onde se guardassem os relâmpagos e os trovões, e todas
as duras sentenças.
Então, relacionamento
perfeito, nem pensar.
Mas uma ligação de
cumplicidade e ternura, de sensualidade e mistério, ah, essa eu acho que pode
existir. Como todos os contratos (não falo dos de papel mas de corpo, coração e
mente), esse precisa ser renovado de vez em quando: a gente tira o contrato da
gaveta da alma, e discute. Briga talvez, chora, reclama, mas ainda ama, ainda
deseja. Ainda quer o abraço, o passo no corredor, o corpo na cama, o olhar
atento por cima da xícara de café... quer até a desorganização e a ruptura,
para depois de novo o que é bom se reconstruir.
Que seja vital: isso me
parece uma boa parceria. Que seja dinâmica, seja lá o que isso significa em
cada caso. Pelo menos, não acomodada; mas muito aconchegante.
Que seja sensual e amiga,
essa ligação: se não gosto do outro como ser humano, com seus defeitos, sua
generosidade e egoísmo, força e fragilidade, se não o quereria como amigo...
como então, mesmo com tempero do desejo, posso me relacionar com ele para uma vida
a dois?
O tema é quase infinito:
pois cada caso é um caso, assim como cada casal é um casal, e cada fase da vida
do indivíduo ou dos dois é diferente.
O bom é quando essa
constante transformação se faz para maior cumplicidade, e não mais
distanciamento.
Que um relacionamento não
seja prisão; que não seja enfermaria nem muleta; mas que seja vida, crescimento
(turbulências eventuais incluídas).
Que seja libertação e
ajuda mútua; não fiscalização e condenação, a sentença pronunciada numa frase
gélida ou num olhar acusador, ar de reprovação ou lamúria explícita.
Que seja cumplicidade,
porque a vida já é difícil sem afetos. O som dos passos no corredor pode ser um
conforto inacreditável, o corpo ao lado na cama uma âncora para a alma aflita.
O entendimento recíproco é um oásis no isolamento desta nossa vida pressionada
por tempo, dinheiro, regras, mil solicitações de família, trabalho, grupo
social, realidade do mundo.
Que seja presença e
companhia, o relacionamento bom: pois a solidão é um campo demasiado vasto para
ser atravessado a sós.