Gosto demais do Fabricio Carpinejar, de quem
tenho o privilégio de ser amiga. E é para prestigiá-lo que abro essa crônica
com uma citação extraída da ótima entrevista que ele deu para a revista Joyce
Pascowitch: “O início da paixão é estratosférico, as pessoas não param quietas
exibindo tudo que podem fazer. Depois passam a confessar o que realmente
querem. A paixão é mentir tudo o que você não é. O amor é começar a dizer a
verdade”.
É mais ou menos isso. No começo, a sedução é
despudorada, inclui, não diria mentiras, mas um esforço de conquista, uma
demonstração quase acrobática de entusiasmo, necessidade de estar sempre junto,
de falarem-se várias vezes por dia, de transar dia sim, outro também. A paixão
nos aparta da realidade, é um período em que criamos um universo paralelo, é
uma festa a dois em que, lógico, há sustos, brigas, desacordos, mas tudo na
tentativa de se preparar para algo muito maior. O amor.
É aí que a cobra fuma. A paixão é para todos,
o amor é para poucos.
Paixão é estágio, amor é profissionalização.
Paixão é para ser sentida; o amor, além de ser sentido, precisa ser pensado.
Por isso tem menos prestígio que a paixão, pois parece burocrático, um
sentimento adulto demais, e quem quer deixar de ser adolescente?
A paixão não dura, só o amor pode ser eterno.
Claro que alguns casais conseguem atingir o Éden – amarem-se apaixonadamente a
vida inteira, sem distinção das duas “eras” sentimentais. Mas, para a maioria,
chega o momento em que o êxtase dá lugar a uma relação mais calma, menos
tórrida, quando as fantasias são substituídas pela realidade: afinal, o que se
construiu durante aquele frenesi do início? Uma estrutura sólida ou um castelo
de areia?
Quando a paixão e o sexo perdem a intensidade
é que aparecem os pilares que sustentam a história – caso existam. O que
alicerça de fato um relacionamento são as afinidades (não podem ser raras), as
visões de mundo (não podem ser radicalmente opostas), a cumplicidade (o
entendimento tem que ser quase telepático), a parceria (dois solitários não
formam um casal), a alegria do compartilhamento (um não pode ser o inferno do
outro), a admiração mútua (críticas não podem ser mais frequentes que elogios),
e principalmente, a amizade (sem boas conversas, não há futuro).
Compatibilidade plena é delírio, não existe, mas o amor requer ao menos uns 65%
de consistência, senão o castelo vem abaixo.
O grande desafio dos casais é quando começa a
migração do namoro para algo mais perene, que não precisa ser oficializado ou
ter a obrigação de durar para sempre, mas que não pode continuar sendo frágil.
Claro que todos querem se apaixonar, não há momento da vida mais vibrante. Mas
que as “mentirinhas” sedutoras do início tenham a sorte de evoluir até se
transformarem em verdades inabaláveis.