quarta-feira, 29 de outubro de 2014
Se a vida não der certo, vou me cadastrar no Bolsa Família, ficar na fila da minha casa, minha vida. E de qualquer jeito vou me ajeitar.
Se a vida não der certo, vou armar uma tenda pra prever o futuro. Vou comprar um bilhete de loteria. Inscrever-me no BBB. Concorrer no The Voice e fazer fama no mundo das celebridades.
Se a vida não der certo, vou me juntar aos sem-terra. Dormir na bancada do Congresso Nacional. Obstruir as estradas com os índios Krikatis. Pintar a cara. O muro. Bater panelas na avenida. Gritar no outubro rosa e escrever meu nome nem que seja na cartilha de alfabetização.
Se a vida não der certo vou criar um site de relacionamentos. Escrever piadas. Confessar-me com o Buda e rezar muito para ser perdoada.
E mesmo assim se a vida não der certo, vou concorrer ao Oscar na categoria “grande fraude”. Vou definitivamente a Santiago de Compostela encontrar aquele escritor. Comprar uma escrivaninha e reunir quilos de autoajuda.
Se a vida insistir em não dar certo, vou aplicar minhas economias na Bolsa. Assistir a final no Maracanã só pra fazer a onda e no final eu juro, farei parte da torcida organizada.
Se a vida não der certo vou encher a cara. Rasgar o verbo. Conversar com Drummond em Copacabana. Sambar na Sapucaí sem desmanchar a progressiva feita no dia anterior.
Se a vida não der certo eu vou fazer vandalismo e de quebra vou também escrever cartas de amor. Compor uma canção em parceria com Djavan. Psicografar sonhos. Plantar uma árvore. Adotar animais.
Se a vida não der certo farei silêncio por dois minutos. Darei um pontapé na tristeza. Recitarei Quintana bem devagar. Colocarei uma bonita fantasia de palhaço e esperarei o aplauso final.
Se a vida não der certo, vou embora para não mais voltar.
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Ita Portugal
segunda-feira, 27 de outubro de 2014
Na minha opinião, existem três temas totalmente “proibidos” de discussão: política, religião e futebol...
Na minha opinião, todos deviam usar três regras na vida, pra tudo: bom senso, ética e
coerência.
Então,
usando minha coerência, a minha ética e o meu bom senso, eu votei Aécio!
Infelizmente,
o meu candidato perdeu, mas tenho minha consciência tranquila em dizer que não
compactuo com tudo que li e vi nesses anos de PT no poder.
Parabéns para a
metade da população que sonhou mudança e votou pelo fim de tudo que está acontecendo.
(Sil Antunes - modificado)
(Sil Antunes - modificado)
“Enfim, cada um
o que quer aprova, o senhor sabe:
pão ou pães, é questão de opiniães...”
[João Guimarães Rosa]
Eu
tenho a minha!
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Guimarães Rosa,
Outros
“Quem torna o povo cativo da falsa caridade, transformando recursos públicos em demagogia eleitoreira, não é ético”.
___José Serra
Decididamente, Manuel Bandeira não falava do PT quando
escreveu
esse poema.
esse poema.
Quando ele morreu, o partido nem tinha sido fundado.
Ele falava da mesquinhez presente em muita gente e
da miséria à qual muitos foram/são submetidos.
Apenas achei propício...
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Armandinho,
Manuel Bandeira,
Tirinhas
sábado, 25 de outubro de 2014
quinta-feira, 23 de outubro de 2014
vida - parte 2
Uma menina me perguntou certa vez:
a vida da gente melhora da metade para o final? Ela deveria ter uns 14 anos,
jovem demais para dividir a existência em duas partes e colocar suas esperanças
na segunda. Já eu havia recém feito 40: estava me despedindo do “ensaio geral”
e inaugurando a Parte 2, sem saber direito o que estava por vir. Logo, o que
responder a ela? Admiti que considerava encantadora a primeira parte: a
virgindade existencial, os primeiros amores, a juventude do corpo, a energia
para atravessar dias e noites, os sonhos projetados para frente, a morte a uma
distância teoricamente segura. Não tinha como afirmar se a segunda parte
possuiria munição suficiente para vencer tanta vitalidade e expectativa, mas,
dali onde eu me encontrava, seguia confiante, o futuro não me assustava. Apesar
de ter vivido muito bem os primeiros 40, secretamente desejava que a resposta
ao questionamento dela fosse um categórico sim.
Hoje aquela menina deve estar em torno dos 24 e ainda não tem sua resposta, mas garanto que anda tão ocupada que isso deixou de importar. Eu, no entanto, avancei um pouquinho na Parte 2, porém continuo sem um parecer que seja de confiança. Tenho apenas uma intuição, que é parcial e suspeita – militar em causa própria tornou-se questão de sobrevivência.
Menina que não sei o nome: decretar o que é melhor, se a primeira ou a segunda metade da vida, é uma preocupação inútil – não perca tempo com isso. A única coisa que você deve ter em mente é o seguinte: o que fizer na primeira metade terá consequências na segunda, para o bem ou para o mal. Se você for muito seletiva, pouco corajosa e obcecada por segurança, irá transferir para mais tarde projetos que já poderiam ter sido experimentados. Procure viver intensamente as delícias de cada idade, arrisque-se. Se não conseguir, então morra de amor, vá morar sozinha em Londres, entre para uma seita, monte uma banda, tudo isso aos 60, aos 70, aos 80 anos, e danem-se as convenções.
A maturidade traz ganhos reais. A ansiedade diminui, a teatralidade também: já não vemos sentido em agradar a todos, a opinião alheia deixa de nos influenciar. Essa liberdade de ser quem realmente somos me parece o benefício maior – os jovens não percebem, mas sua liberdade é muito restrita. São pressionados a fazer escolhas tidas como definitivas (casamento, filhos, profissão) e as dúvidas se amontoam. A sociedade exige eficiência na condução desse script. Depois dos 40, a boa notícia: que sociedade, que nada. Não é ela que banca suas ideias, não é ela que enxuga suas lágrimas, não é ela que conhece suas carências. Você passa, finalmente, a ser dona do seu desejo. Não é pouca coisa.
A segunda metade trará vista cansada, um joelho menos confiável, um rosto não tão viçoso, umas manias bobas, mas o fato de já não haver tempo a desperdiçar nos torna mais focados e até mais aventureiros – pensar demais deixa de ser producente.
Perder a ilusão da eternidade traz, sim, conquistas instantâneas, mas, para isso, é preciso ter cabeça boa, conhecimento e uma forte base moral e ética. E isso você adquire na primeira metade da vida – ou, fatalmente, padecerá na última.
Hoje aquela menina deve estar em torno dos 24 e ainda não tem sua resposta, mas garanto que anda tão ocupada que isso deixou de importar. Eu, no entanto, avancei um pouquinho na Parte 2, porém continuo sem um parecer que seja de confiança. Tenho apenas uma intuição, que é parcial e suspeita – militar em causa própria tornou-se questão de sobrevivência.
Menina que não sei o nome: decretar o que é melhor, se a primeira ou a segunda metade da vida, é uma preocupação inútil – não perca tempo com isso. A única coisa que você deve ter em mente é o seguinte: o que fizer na primeira metade terá consequências na segunda, para o bem ou para o mal. Se você for muito seletiva, pouco corajosa e obcecada por segurança, irá transferir para mais tarde projetos que já poderiam ter sido experimentados. Procure viver intensamente as delícias de cada idade, arrisque-se. Se não conseguir, então morra de amor, vá morar sozinha em Londres, entre para uma seita, monte uma banda, tudo isso aos 60, aos 70, aos 80 anos, e danem-se as convenções.
A maturidade traz ganhos reais. A ansiedade diminui, a teatralidade também: já não vemos sentido em agradar a todos, a opinião alheia deixa de nos influenciar. Essa liberdade de ser quem realmente somos me parece o benefício maior – os jovens não percebem, mas sua liberdade é muito restrita. São pressionados a fazer escolhas tidas como definitivas (casamento, filhos, profissão) e as dúvidas se amontoam. A sociedade exige eficiência na condução desse script. Depois dos 40, a boa notícia: que sociedade, que nada. Não é ela que banca suas ideias, não é ela que enxuga suas lágrimas, não é ela que conhece suas carências. Você passa, finalmente, a ser dona do seu desejo. Não é pouca coisa.
A segunda metade trará vista cansada, um joelho menos confiável, um rosto não tão viçoso, umas manias bobas, mas o fato de já não haver tempo a desperdiçar nos torna mais focados e até mais aventureiros – pensar demais deixa de ser producente.
Perder a ilusão da eternidade traz, sim, conquistas instantâneas, mas, para isso, é preciso ter cabeça boa, conhecimento e uma forte base moral e ética. E isso você adquire na primeira metade da vida – ou, fatalmente, padecerá na última.
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Martha Medeiros
quarta-feira, 22 de outubro de 2014
A gente se entope de açúcar, não usa fio dental e depois vai tratar a cárie, se sentindo privilegiado por poder pagar um dentista. A gente aplaude a arrogância dos filhos e depois vai pagar a fiança na delegacia. A gente fuma três maços por dia e depois processa a indústria tabagista. A gente corre na estrada a 140km/h, ultrapassa em faixa contínua e depois suborna o guarda, na melhor das hipóteses. Ou então morre, ou mata - na pior delas.
A gente vota em corrupto, depois desdenha da política em mesa de bar. A gente
joga lixo no meio fio, depois se surpreende em ter a rua alagada. A gente se
expõe em todas as redes sociais, depois esbraveja contra os que invadiram nossa
privacidade.
Precisamos de transporte público de qualidade, mas só depois de sediar a Copa
do Mundo. A sociedade reclama por profissionais gabaritados, mas ninguém
investe em professores e em universidades. E os donos de estabelecimentos
comerciais só irão se dar conta de que estão perdendo dinheiro quando
descobrirem os pangarés que contrataram para atender seus clientes.
Treinamento, nem pensar. Se precisar mesmo, depois.
Precisamos mesmo. De tudo. Só que antes.
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Martha Medeiros
domingo, 19 de outubro de 2014
Temos uma decisão a tomar: eu, você, todos nós, não importa a classe social, a raça, o credo, a sexualidade. Todos somos responsáveis pelo que vai acontecer com este país: mudança para tentar melhorar, corrigir erros de rota, ou continuar caindo, perdendo, sendo isolado, marchando contra as rodas da história. O país está com a respiração suspensa, tal a gravidade do momento, da decisão que em alguns dias vai determinar nosso futuro. É momento de escutar, como se fosse um oceano, o rumor do susto, do cansaço e do desejo das gentes brasileiras, querendo algo melhor para si e seus filhos, e muitas futuras gerações.
À situação penosa do país somam-se agora espantosas denúncias que se abatem sobre todos nós. Elas não fazem parte de outras, ainda mais sérias, que trouxeram para os denunciantes a delação premiada (que só ocorre quando tais fatos já vêm com comprovação), que correm em sigilo e mal ousamos imaginar. É de perguntar como o Brasil conseguia se manter de pé - ainda que claudicante - e como, caso não mudemos o país nestas eleições, conseguirá caminhar num solo tão pantanoso.
Temos andado em areias movediças: quem nos governava, quem queria nosso bem, quem almejava ordem, progresso, dignidade para seu povo? Parece agora que o primeiro resultado das urnas revela uma tomada de consciência de que o país está caindo rapidamente: economia estagnada, progresso parado, isolamento do mundo em geral, qualidade de vida em queda, ilusões aparentemente benfazejas desmascaradas na experiência do dia a dia, e agora em cada vez mais graves revelações. Vemos que, apesar dos inacreditáveis problemas e dificuldades, não somos indigentes morais nem ignorantes, pois aparecem sempre mais e mais cabeças pensantes em todos os recantos, reconhecendo que é preciso fazer alguma coisa definitiva e rápida para salvar o que pode ser salvo nessa confusão.
Acomodação e inércia, virar o rosto para o outro lado, fechar olhos e ouvidos, tudo isso pode ser bem confortável; mas esse tempo passou. Já não se admitem mentiras nem credulidade: isso nos tornaria cúmplices de todos os descaminhos. A poeira da omissão e da indiferença começaria a cobrir tudo: no fim, não enxergaríamos nesse nevoeiro, que não nos deixaria respirar. Nem livres nem lúcidos, nem informados nem contestadores, pagaríamos um preço alto demais, o da liberdade e do progresso, o da estabilidade e do respeito geral neste mundo globalizado.
A democracia é difícil, precisa de cuidados para se manter; com ela não se brinca: se formos fúteis, desligados, omissos, aos poucos ela vai sendo reduzida, limitada, disfarçada a sua falta com belas palavras e projetos enganosos. É preciso lucidez e atenção, e dura resistência: quem manda no Brasil somos nós, cada um destes indivíduos de muitas idades e jeitos, com muita ou pouca instrução, muito ou pouco dinheiro, mas todos com voz para pronunciar as palavras-chave: liberdade e mudança. Liberdade para mudar. Consciência para decidir mudar. Ser responsável pode ser cansativo, preocupante, aborrecido, tudo o que queiram; mas sem isso não poderemos nunca nos queixar da situação: a em que estamos, na vida pública ou na vida pessoal.
Somos a soma de nossas escolhas: a frase é pesada, mas verdadeira. Claro que existem fatores como sorte, energia, trabalho, persistência, ânimo. Mas até a sorte fica impotente se não é concretizada pelas nossas decisões.
Temos uma semana para resolver que Brasil queremos: que educação, saúde, moradia, infraestrutura, dignidade e bem-estar. Muitos de nós já tomamos a decisão. Mesmo assim, tenho, com muitos outros, insistido nisto: olhos abertos, ouvidos atentos, escolha inteligente, visão um pouco além das nossas quatro paredes pessoais, conscientes de que este país é nosso.
A cada passo que damos, a cada trabalho que concluímos, a cada porta que fechamos ou abrimos, sobretudo nesta fase, nestes dias, na hora de uma escolha tão importante cujo efeito vai durar um longo tempo - somos nós: tantos milhões de indivíduos, que fazemos a história do Brasil.
sábado, 18 de outubro de 2014
quinta-feira, 16 de outubro de 2014
40°C. Patrão e patroa acompanhavam
a novela das nove na sala, e só reclamavam do calor. Já estavam com aquela
tosse alérgica. O ventilador fazia mais barulho do que vento. As janelas
abertas apenas carregavam mosquitos. Eles não se concentravam no som das imagens
por absoluta apatia. As pálpebras tremiam de cansaço. O véio aproveitou o
comercial e pediu licença para sua véia.
– Vou dar um pulo
na garagem e já volto.
– Tudo bem,
meu véio, não demora, que é tarde.
Quarenta minutos, e nada do véio voltar.
A véia pensou
duas vezes antes de levantar da cadeira. A velhice é minimizar os esforços:
quando se senta, não se levanta por qualquer coisa.
Mas a preocupação
tomou conta, estava virando aflição, terço, coceira de aliança.
O que será que
aconteceu? Desceu a pequena escada até a garagem.
Encontrou o véio
misteriosamente trancado no carro. Coisa esquisita. Será que foi se matar? Ela
se lançou a abrir a porta, com a respiração ofegante.
Então, de olhos
fechados, o véio levou um tremendo susto, como que pego em flagrante.
– O que está
fazendo aí dentro?
– Não aguentei o
calor, e vim descansar com o ar-condicionado.
O véio tinha aquele rosto culpado de cachorro que comeu o osso alheio. Tanto que se encolheu para dar a resposta.
A véia avermelhou
as bochechas. Aquela mulher era muito temperamental. Geniosa. Indomável.
Mas em vez de
xingá-lo, disse com toda a ternura:
– Mas por que
você não me chamou?
Diante do encolhimento de ombros do marido, ela sumiu por instantes e voltou arrastando um lençol e travesseiros.
Entrou ao lado do
véio, deitou na cadeira e falou:
– Pode dirigir
meus sonhos. Será nossa segunda viagem de lua de mel, nosso segredo.
Passaram a madrugada sob a refrigeração do veículo. Esqueceram a previsão do tempo. Esqueceram o inferno. Esqueceram o terror da insônia. Esqueceram os pijamas empapados de suor. Esqueceram a sede. Esqueceram as lamúrias.
Esticados, cada
um em sua poltrona, roncaram com surpreendente tranquilidade.
Não dormiram de
conchinha.
As pontas dos
dedos se tocaram amorosamente ao longo da noite.
Não dormiram de
conchinha, mas de estrela-do-mar.
PS: Isso é uma peça de ficção para retratar o calor em quase todo Brasil. Não
vá fazer o mesmo. Carro ligado em garagem fechada é perigoso.
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Fabrício Carpinejar
“De repente olhamos para África com
medo que nos contagiem com o ebola. Normalmente não olhamos para
eles,
porque a fome não é contagiosa.”
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AD,
Armandinho,
Tirinhas
É melhor ter companhia do que estar sozinho, porque maior é
a recompensa do trabalho de duas pessoas.
Se um cair, o amigo pode ajudá-lo a levantar-se.
Mas pobre do homem que cai e não tem quem o ajude a levantar-se!
E, se dois dormirem juntos, vão manter-se aquecidos.
Como, porém, manter-se aquecido sozinho?
Um homem sozinho pode ser vencido, mas dois conseguem defender-se.
Um cordão de três dobras não se rompe com facilidade.
(Eclesiastes 4.9-12)
quarta-feira, 15 de outubro de 2014
aos mestres, parabéns!
“Uma criança, um professor, um
livro e um lápis podem mudar o mundo”.
Malala Yousafzai - Nobel da Paz
Hoje eu queria te fazer um pedido (posso?). Respira fundo, tenta aliviar a mente das pequenices que tanto te atormentam, relaxa os ombros, te concentra apenas no silêncio que existe em algum lugar aí dentro. Então, olha ao teu redor. Lembra dos teus amores, da tua família, daqueles que estão sempre contigo, dos que estão distantes, dos que já se foram, dos que te querem bem. Esquece por um momento a conta no vermelho, o fim do ano que tá chegando, a reunião do meio-dia, o trânsito infernal. Deixa pra lá aquela velha mágoa, não liga para quem te falou uma palavra um pouco mais ríspida, ignora as picuinhas diárias e procura te concentrar no que só faz bem.
Não te ocupa com a vida dos outros, com o problema dos outros, com a
roupa dos outros, com a atitude dos outros, com o defeito dos outros, com o
relacionamento dos outros, com os outros. Olha para dentro, pois é aí que você
vai se encontrar. Quem só olha para fora acaba se perdendo. Apenas por um
momento procura esquecer todo e qualquer problema, incômodo ou chatice. Sei que
elas nos fazem visitinhas diárias. Mas não te apega ao que machuca. Abre espaço
para o que renova. Você tem tanto a agradecer, já percebeu? Muito para
realizar, sonhar, crescer.
Será que vale a pena amarrar a cara e reclamar tanto? Não te queixa da
falta de sorte, da falta de companhia na sexta-feira à noite, da falta de um
salário melhor, da falta de supérfluos. Muita gente sofre por coisas piores,
como uma doença sem cura, a barriga que não para de roncar, a comida que falta
no prato, o pensamento que não obedece o corpo, o corpo que se desintegra, a
vida que se esvai segundo após segundo. O sonho de muitos era ter um pão
dormido para comer, puro, sem geléia, mel ou manteiga. Um chuveiro com água
fria, só para limpar o corpo da sujeira. Uma roupa furada, sem grife, só para
proteger a pele do frio. Um olho no olho, só para se sentir um pouco mais
humano. E você aí, na sua casa, no seu conforto, se preocupando com a nova
decoração da sala. Será que vale a pena se queixar tanto assim da vida? Será
que não é melhor focar nas coisas boas que você possui, nas pessoas que estão
ao seu lado, no amor que você recebe? Será que não é melhor parar para pensar
que muitas vezes o que você acha certo não é o que é realmente bom para você?
Pensa daí que eu penso daqui. E, quem sabe, começamos a fazer a nossa parte
para mudar um pouco as coisas neste mundo tão carente de afeto.
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Clarissa Corrêa
terça-feira, 14 de outubro de 2014
diga-me o que vestes
Lembro-me de uma matéria interessante que li anos atrás na revista Elle: convidaram uma estudante e uma executiva para passar 24 horas com a roupa uma da outra. Explico: a estudante, que costumava se vestir de uma maneira sexy e irreverente, teve de se vestir com o que encontrou no closet da executiva, e esta, por sua vez, teve de abandonar seu estilo sóbrio e conservador para escolher peças no closet da estudante. Resultado: viraram outra mulher por um dia.
A estudante, que adorava decote, barriga de fora e sandália de salto alto, colocou pela primeira vez um terno escuro com camisa para dentro da calça e sapato fechado. A executiva, habituada aos tailleurs bem-comportados, encarou uma saia acima do joelho, top de alcinhas, sandália gladiadora e gargantilha com crucifixo. Conclusão delas: não dá para mudar nosso jeito de ser simplesmente trocando de roupa.
Em termos, em termos. As próprias protagonistas da reportagem adotaram uma postura completamente diferente na hora de se deixar fotografar e, mesmo que tenham sido orientadas pela produtora de moda, a verdade é que a roupa conduz nossa atitude, sim. A estudante, uma clone de Miley Cyrus sempre de mãos na cintura e ar provocante, cruzou os braços docemente quando colocou o terno. A executiva, que costumava ficar encolhida em seu trajes pastéis, jogou os cabelos para trás e encarou as lentes com um olhar sedutor, digno de quem se veste para matar. Lógico que a roupa pode despertar novas facetas de nossa personalidade.
Dormir com um pijamão apeluciado e dormir com uma lingerie de renda vermelha: tanto faz? Você de legging e tênis pela manhã, de jeans e jaqueta de couro à tarde, e à noite com um vestido justo decotado nas costas. Sim, é a mesma mulher, mas são três estados de espírito diferentes.
A roupa, subliminarmente, autoriza um determinado tipo de comportamento. Os homens se sentem mais confiantes quando estão de gravata, até seu jeito de caminhar se transforma. Já as mulheres sentem-se mais joviais quando estão de camiseta e mais sensuais quando estão de preto. Coloque um longo Versace numa freira e ela subitamente esquecerá da oração da Ave-Maria, empacará em “o Senhor é convosco” e, dali em diante se pegará, cantarolando algo da Beyoncé.
Cada pessoa deve vestir-se de acordo com o que é, e não com o que que gostaria de aparentar, mas não é pecado experimentar um personagem fora do habitual: desejar ser menos tímida, ou mais séria, ou um pouco excêntrica. É uma transformação que deve vir de dentro, mas o visual ajuda. Um botão a mais aberto na camisa pode operar milagres numa alma introvertida.
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Martha Medeiros
segunda-feira, 13 de outubro de 2014
o Brasil que podemos ter
A gente pode ter o Brasil que quiser, o país que merecemos pelo nosso
trabalho, sonho, luta, esperança e valor. Pelo sofrimento de milhões. Depende
do que a gente quer, realmente.
Quero um país onde as ruas não sejam um campo de batalha, mas de seguir
para o trabalho, para a escola, fazer compras, voltar para casa, se sentir
seguro. Quero um país onde as casas e edifícios não sejam fortalezas nas quais
nos refugiamos amedrontados. Quero um país onde multidões sem casa e sem
trabalho não precisem se manifestar, seja com paz, seja com violência, mas
todos tenham naturalmente abrigo, salário, dignidade.
Quero um país onde as instituições não sejam desmanteladas, onde líderes
e governos nos deem espaço e nos honrem com sua postura e ações. Onde “corrupção” seja uma palavra estranha, não esse pão nosso de cada dia
que é agora, que só nos faz perder a confiança naquilo que deveria ser o nosso
estímulo.
Quero um Brasil justo, esperançoso, progressista, onde o primeiro avanço
seja o da dignidade de seu povo, dos mais privilegiados aos mais despossuídos,
pois assim, com o tempo, não haverá mais despossuídos: todos poderemos produzir
com contentamento, segurança e paz, em qualquer lugar, em qualquer nível, da
mais sofisticada tecnologia, da mais avançada ciência, ao mais simples mas
essencial trabalho nas casas, nas indústrias, nas lojas, nos portos, nas
estradas, nos hospitais, nos mercados, nas bancas de jornal, na direção de um
ônibus ou de um táxi.
Para isso, quero antes de tudo um Brasil onde haja escolas para todos,
porque povo educado é povo informado, lúcido, e feliz. Podem ser modestas, não
precisam de grandes bibliotecas ou mirabolantes envios ou promessas de
computadores: precisam, para começar, de paredes, assoalho, mesas e cadeiras,
livros, uniformes, banheiros limpos, merenda que não foi roubada e professores
satisfeitos, isto é, com salário honrado e dignidade. Também quero escolas
protegidas de traficantes e de violência interna. Aliás, quero um Brasil onde o
narcotráfico não tenha importância nem poder.
Quero um país onde velhos, grávidas, crianças e carentes não tenham de
ficar meses à espera de uma consulta, parir ou morrer na maca ou no chão do
corredor, ou voltar para casa com filhinho doente nos braços, com a informação
de que não há nem o mais simples remédio para ajudar. Quero um Brasil onde ser
médico não é ser explorado, mas dignificado. Onde ser professor não é ser
humilhado, mas honrado.
Quero um Brasil onde não se minta iludindo o povo ingênuo com promessas
que, ano após ano, se acumulam como castelos de areia, onde não nos tratem com
mentiras óbvias mas respondam à nossa confiança com obras reais, com ações
visíveis e concretas, movidas por um verdadeiro interesse e empenho por este
lugar e esta gente, muito além do desejo de poder.
Quero um Brasil onde haja real democracia, onde não se persiga quem
expõe sua opinião, onde não se planeje amordaçar a imprensa, onde todos sejam
ouvidos e tratados com cortesia, e atendidos dentro do possível, sem populismo
nem autoritarismo, sem grosseria, sem ironia nem sarcasmo, sem desonra nem
medo. Pois o medo, a ameaça, o suborno, a exploração da fraqueza, da
credulidade ou da indigência são o contrário da democracia.
Quero um país integrado no contexto global mais civilizado, não obtuso e
à margem, não ofuscado pela ideologia ou caprichos, não alardeando um ufanismo
descabido e pobre, mas aberto ao intercâmbio com os países mais avançados, mais
livres e mais justos, sendo ouvido, respeitado, e admirado por vencer a
alienação e o atraso.
Quero o Brasil que em poucas horas poderemos criar com um gesto simples
chamado “voto”: escolhendo lúcida e conscientemente quem nos representa e quem
nos governa, quem pode nos levar à posição que desejamos e de que necessitamos.
Pois merecemos sentir alegria, orgulho, segurança e ânimo com o Brasil que
estamos a cada dia construindo, e queremos igualar aos melhores entre todos.
Depende de nós.
quarta-feira, 8 de outubro de 2014
das resoluções de ano novo: atividade física
Quase final de ano e foi só enrolação, mas nunca é tarde para começar...
Três vezes por semana vou no Google Street View fazer uma caminhada de
2km.
terça-feira, 7 de outubro de 2014
comida no prato
Daniel Filho é um diretor
incansável, sempre disposto a novos desafios, mesmo já tendo conquistado seu
lugar de honra entre os maiores nomes do cinema e da tevê brasileira. Quando
ele tinha 72 anos e filmava o longa-metragem sobre Chico Xavier, alguém perguntou
por que ele não parava de trabalhar. Ele respondeu: Minha mãe me ensinou a
nunca deixar comida no prato. E tem comida no prato.
Filosofia do dia a dia. Está explicada a dificuldade que muitos sentem ao se aposentar. Ainda tem comida no prato. É uma sensação comum também a todos os que são sutilmente convidados a saírem de cena, tendo suas solicitações de emprego negadas ou deixando de serem chamados para participar de reuniões familiares e sociais. Como assim, se ainda tem comida no prato?
Mais do que comida no prato, ainda existe fome.
O ser humano aceita a ideia da morte (real ou figurada) apenas quando não se reconhece mais como um faminto, quando o corpo cansa, a mente falha e a alma pede pra sair. Quando não há mais vontades, desejos, planos. Quando não vê mais necessidade de alimentar-se do que a vida oferece – música, cinema, amigos, natureza, sexo. Quando não há mais um sonho para renovar a energia, um projeto passível de realização, nenhuma esperança de que amanhã tudo possa mudar. Quando a sensação for de completo enfado. Quando não houver mais comida no prato.
Será que esse dia chega, mesmo?
Às vezes me consola pensar que sim, que chegará o dia em que estarei esgotada de tantas emoções vividas, de tanta agitação em volta, e a ideia de descansar em paz não será tão aterrorizante. Trabalho feito, missão cumprida, uma vida aproveitada até a rapa – o que mais se pode querer? A comida some do prato e levantamos da mesa sem a sensação de estarmos nos antecipando. É um plano de retirada maduro e consciente.
Porém, converso com pessoas que estão na chamada terceira idade e elas me dizem: não mesmo. Não é assim. “Quero mais”, dizem todas elas, mesmo com artrite, catarata, andando de bengala. “Quero mais.” Alcançam o seu prato para o chefe da cozinha e exigem uma porção adicional, e mais uma, e outra, e de novo. Quem ousará acusá-las de fominhas?
Para quem encara o fato de ter nascido como um privilégio, para quem não permite que suas potencialidades, mesmo reduzidas, sejam vencidas pelo desânimo, para quem domina a arte de temperar o convívio com as pessoas que ama nunca chegará o dia de declarar-se satisfeito. Aos 79, aos 84, aos 91, aos 98: enquanto a vida parecer suculenta, ninguém há de cruzar os talheres.
Filosofia do dia a dia. Está explicada a dificuldade que muitos sentem ao se aposentar. Ainda tem comida no prato. É uma sensação comum também a todos os que são sutilmente convidados a saírem de cena, tendo suas solicitações de emprego negadas ou deixando de serem chamados para participar de reuniões familiares e sociais. Como assim, se ainda tem comida no prato?
Mais do que comida no prato, ainda existe fome.
O ser humano aceita a ideia da morte (real ou figurada) apenas quando não se reconhece mais como um faminto, quando o corpo cansa, a mente falha e a alma pede pra sair. Quando não há mais vontades, desejos, planos. Quando não vê mais necessidade de alimentar-se do que a vida oferece – música, cinema, amigos, natureza, sexo. Quando não há mais um sonho para renovar a energia, um projeto passível de realização, nenhuma esperança de que amanhã tudo possa mudar. Quando a sensação for de completo enfado. Quando não houver mais comida no prato.
Será que esse dia chega, mesmo?
Às vezes me consola pensar que sim, que chegará o dia em que estarei esgotada de tantas emoções vividas, de tanta agitação em volta, e a ideia de descansar em paz não será tão aterrorizante. Trabalho feito, missão cumprida, uma vida aproveitada até a rapa – o que mais se pode querer? A comida some do prato e levantamos da mesa sem a sensação de estarmos nos antecipando. É um plano de retirada maduro e consciente.
Porém, converso com pessoas que estão na chamada terceira idade e elas me dizem: não mesmo. Não é assim. “Quero mais”, dizem todas elas, mesmo com artrite, catarata, andando de bengala. “Quero mais.” Alcançam o seu prato para o chefe da cozinha e exigem uma porção adicional, e mais uma, e outra, e de novo. Quem ousará acusá-las de fominhas?
Para quem encara o fato de ter nascido como um privilégio, para quem não permite que suas potencialidades, mesmo reduzidas, sejam vencidas pelo desânimo, para quem domina a arte de temperar o convívio com as pessoas que ama nunca chegará o dia de declarar-se satisfeito. Aos 79, aos 84, aos 91, aos 98: enquanto a vida parecer suculenta, ninguém há de cruzar os talheres.
♪ Vamos comer tudo o
que há pra comer
Vamos nos permitir
Vamos nos permitir
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Martha Medeiros
domingo, 5 de outubro de 2014
do amor
Você tem até as cinco da tarde pra decidir se continua casado com a atual, se reata com a ex, foge com a amante ou começa uma nova relação. Complicado, hein, Brasil?
O casamento não tá lá essas coisas, mas vai que é só uma fase? Vai que é possível reativar a velha chama e voltar à época em que era só ripa na chulipa e PIB na gorduchinha? Quem dera. Hoje, com o pibinho entra as pernas, você se agarra às memórias.
Não são poucas: nesses 12 anos, muita coisa aconteceu. Você conseguiu financiar sua casa (sua vida), seu carro, sua TV de tela plana. Você sente, contudo, que a relação está desgastada, está se deteriorando, antes mesmo de ter atingido seu ápice. (Será que as suas expectativas é que eram muito altas? Drummond, picanha e ressonância magnética para todos era uma viagem de LSD? Talvez, mas você esperava bem mais do que as onipresentes telas de LCD).
Outro fator que vem pesando é a família da esposa. Dos mais próximos você gosta, mas tem uns primos e uns cunhados que são casca grossa. Quando aparecem prum churrasco ou pro Natal, sempre some cinzeiro, ímã de geladeira, até gasolina do seu carro têm uns que já levaram.
Aproveitando o momento de crise, quem é que aparece, repaginada e murmurante? A ex: “Volta pra mim, Brasuquinho! Foi aqui que tudo começou! Eu te encontrei loucão, virado no overnight, enchendo a cara de Old Eight com default. Se não fosse eu te tirar da sarjeta, do delírio e te trazer pro Real, não tinha casa, carro, tela plana, nada”.
Você foi feliz com a ex, nos primeiros anos. Houve alguma euforia, quando a vida estabilizou: comeram frango com iogurte, compraram CDs de axé, mas em vez de decolar, você estagnou. Faltou um tchan. Sem falar que os primos e cunhados da ex tampouco eram flor que se cheire. Muitos deles, aliás, eram os mesmos primos e cunhados da atual e parece que os natais só foram na sua casa por oito anos seguidos porque eles subornaram a ala da família que defendia a alternância da ceia a cada quatro.
Por essas e outras você andava aflito, ultimamente, dilacerado entre o bege do presente e o cinza do passado, quando apareceu, verde fosforescente, uma amante! Em pouco mais de uma semana, ela arrebatou seu coração. Prometeu vida nova e um relacionamento sustentável. Vocês poderiam escolher, juntos, os primos e cunhados com que passariam os natais – primos ou cunhados do agronegócio ou da indústria armamentista, jamais!
“Que bom que você surgiu!”, você disse. “Foi a providência divina que me pôs no teu caminho!”, ela respondeu – e você estranhou. Então, pesquisou e descobriu que ela ouvia salmos no iPod e não apoiaria o casamento gay. Você perguntou se isso era verdade e ela disse que não, era o contrário – depois disse que era o oposto do contrário e, depois, o avesso do oposto do contrário. O verde que parecia vir do frescor exalava era da mirra. Não era essa, exatamente, a boa nova que você esperava.
Agora você tá aí, indo encontrar as três, juntas, na mesma mesa, para escolher uma delas ou abandoná-las. Pior é que não pode nem tomar uma cervejinha antes, porque o TSE não quer que você decida, bêbado, com quem vai passar os próximos quatro anos da sua vida. Complicado, hein, Brasil?
___Antonio Prata
sexta-feira, 3 de outubro de 2014
nada me faltará
Qual a maior alegria de pobre? Ver sua despensa cheia. Preparar um
rancho mensal. Tomar as estantes da cozinha com produtos. Não sobrar uma fresta
de vazio, uma nesga de espaço. Enfileirar feijão, criar um exército de arroz,
formar paredões de creme de leite.
Falo com conhecimento de casa. Pobre mesmo se contenta em forrar o futuro.
Como se uma guerra fosse começar e ele estivesse a salvo. Como se não
precisasse sair nos próximos dias. Estará despreocupado, salvo da inconstância,
protegido da instabilidade.
Transforma sua residência em abrigo antiaéreo. Num minimercado. Num almoxarifado.
Os mantimentos são um investimento. Suas ações na bolsa. Sua bolsa
pesada. Sua carteira preenchida.
Tanto que não recebe a visita pela porta da sala, e sim quando abre as
portas da despensa.
Provar que pode alimentar a família e amigos é seu maior contentamento.
Despensa repleta significa o antídoto contra a fome, esperança contra a
carestia, vingança a qualquer penúria ancestral.
A despensa é a geladeira a seco. É a avó do freezer.
Pobre mesmo não gosta de comprar todo dia, mas de fazer estoque.
Pobre mesmo não gosta de novela, mas de comercial.
Pobre mesmo oferece festa na segunda-feira.
Pobre mesmo somente se satisfaz duplicando produtos, criando berçários
de gêmeos no alto dos seus armários.
A cozinha transbordando é sua euforia eleitoral. Sua eleição ganha.
Presenteia a si mesmo com cestas básicas.
Só realizando mercado a longo prazo que produz a sensação de comando da
vida. É aquele momento imperioso que manda no mês e não sofre com juros.
Alegria de pobre não dura pouco — porque ele não cansa de reparti-la.
Quer ter para mostrar e dividir. Diferente do rico, que pretende ter para
esconder.
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Fabrício Carpinejar
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