Qual a maior alegria de pobre? Ver sua despensa cheia. Preparar um
rancho mensal. Tomar as estantes da cozinha com produtos. Não sobrar uma fresta
de vazio, uma nesga de espaço. Enfileirar feijão, criar um exército de arroz,
formar paredões de creme de leite.
Falo com conhecimento de casa. Pobre mesmo se contenta em forrar o futuro.
Como se uma guerra fosse começar e ele estivesse a salvo. Como se não
precisasse sair nos próximos dias. Estará despreocupado, salvo da inconstância,
protegido da instabilidade.
Transforma sua residência em abrigo antiaéreo. Num minimercado. Num almoxarifado.
Os mantimentos são um investimento. Suas ações na bolsa. Sua bolsa
pesada. Sua carteira preenchida.
Tanto que não recebe a visita pela porta da sala, e sim quando abre as
portas da despensa.
Provar que pode alimentar a família e amigos é seu maior contentamento.
Despensa repleta significa o antídoto contra a fome, esperança contra a
carestia, vingança a qualquer penúria ancestral.
A despensa é a geladeira a seco. É a avó do freezer.
Pobre mesmo não gosta de comprar todo dia, mas de fazer estoque.
Pobre mesmo não gosta de novela, mas de comercial.
Pobre mesmo oferece festa na segunda-feira.
Pobre mesmo somente se satisfaz duplicando produtos, criando berçários
de gêmeos no alto dos seus armários.
A cozinha transbordando é sua euforia eleitoral. Sua eleição ganha.
Presenteia a si mesmo com cestas básicas.
Só realizando mercado a longo prazo que produz a sensação de comando da
vida. É aquele momento imperioso que manda no mês e não sofre com juros.
Alegria de pobre não dura pouco — porque ele não cansa de reparti-la.
Quer ter para mostrar e dividir. Diferente do rico, que pretende ter para
esconder.