Volta e meia deparo com
estatísticas de pessoas que moram sozinhas. Não lembro os números exatos, mas
sei que são elevados. Jovens que deixaram suas cidades para estudar, idosos que
viram a família seguir o rumo sem eles, homens e mulheres que se divorciaram,
que enviuvaram ou que nunca se casaram, enfim, gente que, por escolha ou
contingência, hoje habita só. Talvez um cão ou gato atenue a ausência de
companhia, mas o fato é que não há outra pessoa na casa.
O rádio acaba virando a
outra pessoa na casa.
Essa frase impactante eu
pincei do livro da Katia Suman, que acaba de lançar as memórias da Ipanema FM,
revelando os bastidores do estúdio em que trabalhou por tantos anos e nos
ajudando a entender como uma rádio com equipamento precário, poucos funcionários
e muito improviso conseguiu, de 1984 a 1997, conquistar ouvintes fiéis que
interagiam diretamente com os locutores e que se sentiam representados por
aquela bagunça pulsante, criativa, descolada. Uma turma independente que
colocava no ar a nova cena musical e cultural do extremo sul do país. Fez
história, logo, merece ser contada.
O rádio como meio de
comunicação já teve sua extinção prevista “n” vezes, mas seu obituário continua
adiado. Veio a tevê, veio o computador, vieram os home theaters, os celulares
inteligentes, e que fim levou o rádio? Segue firme e forte no meio rural e
urbano, no interior e na capital, tocando música, dando as horas, noticiando,
informando, transmitindo futebol, debates, fazendo humor, promovendo encontros
- sendo a outra pessoa dentro da casa enquanto lavamos a louça ou tomamos
banho.
Sem imagem, o rádio se
torna “alguém” por meio de vozes que a gente reconhece pelo timbre. É presença
suficiente. Na cozinha, no pátio, na garagem, no banheiro, no quarto, na sala,
um homem ou mulher invisível nos faz rir, nos faz refletir, nos comove, nos
tira pra dançar. É diferente da televisão, que entretém com figurino, maquiagem
e texto ensaiado, entregando uma fantasia. Rádio é emoção genuína, espontânea,
de verdade. O exemplo mais célebre é o de Orson Welles com seu programa A
Guerra dos Mundos, que 80 anos atrás, na véspera do Halloween de 1938, fez mais
de 1 milhão de pessoas acreditarem que os Estados Unidos estavam realmente
sendo invadidos por marcianos, instaurando o pânico. Por sintonizarem a
transmissão no meio, muitos ouvintes não escutaram a abertura avisando que se
tratava de radioteatro - e surtaram. Dê um Google para recordar. O episódio
firmou para sempre a potência do veículo.
Como diz a Katia em seu
livro: “por mais que avance a tecnologia, humanos continuarão falando e
escutando”. É o que basta. Enquanto existir rádio, a solidão terá um adversário
à altura.