Eu faço todo o possível
para respeitar a opinião e o gosto alheios. Ainda não cheguei à tolerância
total, mas tenho feito progressos. Hoje consigo aceitar tranquilamente que
alguém considere água tônica uma delícia ou que seja fã da Banda Calypso. Cada
um na sua. Mas preciso evoluir mais, muito mais, porque ainda fico perturbada
quando alguém diz que foi passar a lua-de-mel na Disney. Tudo bem, é uma
escolha, um direito, o que tenho a ver com isso? Ainda assim, não consigo
evitar o espanto. Dois adultos apaixonados em lua-de-mel na Disney. Jantando
com o Mickey!
Isso não significa que eu
seja desprovida de espírito lúdico e de apreço à fantasia. Certa vez ouvi a
Luana Piovani, num programa de tevê, dizer que a casa dos avós dela foi sua
Disney. Bingo. A casa da minha avó também foi, Luana. Tinha uma espécie de
morro nos fundos da casa, todo gramado, que dava para um outro nível do
quintal. Bem no centro desse morro (deve ser um morrinho, mas a memória de uma
criança não respeita proporções exatas) havia uma pequena escada de pedras,
porém a gente subia sempre pela grama, claro. Éramos treze primos fazendo
trekking naquele latifúndio. Lá em cima havia a churrasqueira e algumas
árvores, mas o mais tentador era um quartinho misterioso, um depósito meio sem
função, nosso QG infantil, que às vezes servia de casa de bonecas, em outras,
de redação de jornal - eu tinha o topete de escrever as aventuras da família.
Se os fundos da casa eram
mágicos, a casa propriamente dita era nossa Neverland. Tinha lareira, tinha
adega, tinha sótão. Era como estar dentro de um cenário de filme, e havia
também a Lúcia, uma empregada alemã que parecia uma agente da Gestapo, nunca vi
loira tão séria e retesada, mas preparava um cachorro-quente que jamais os
Estados Unidos viram igual. Sério: a casa da avó da gente desbanca qualquer
Epcot Center.
Hoje essas casas antigas
estão sendo derrubadas para dar lugar a prédios imensos, mas mesmo dentro de um
apartamento é possível existir “uma casa de avó”, porque casa é só uma maneira
de chamar, o que vale é o espírito do lugar, e havendo uma avó que entende seu
papel de proprietária não de um imóvel, mas de um segredo, estará garantida a
magia. Casa de vó é onde a lasanha e o
pastelão ganham um sabor diferente, onde os ponteiros do relógio correm mais
lentos, onde os ruídos são mais audíveis, onde o teto parece mais alto, onde a
luz entra mais discreta entre as persianas, onde os armários escondem roupas
antigas e fundos falsos, e só isso é falso, tudo mais é verdadeiro. Casa de vó
é onde os brinquedos não surgem prontos, são inventados na hora. É onde a gente
encontra os restos da infância dos nossos pais. E fotos de bisavós, de tios...
epa, este sujeito aqui, quem é? Acalme-se, é o namorado novo da sua avó, você
achou que ela ficaria viúva para sempre? Ela é sua avó, não um Matusalém.
Se as avós não são as
mesmas de antigamente, em suas casas ainda sobrevive um encanto que não muda.
Serão sempre lugares secretos onde encontraremos um instrumento sem uso, alguns
recortes de jornal, anéis coloridos, um bicho meio pulguento, uma máquina de
escrever ou de costura, algo que seja estranho aos olhos de uma criança - e
espaço, muito espaço para uma imaginação que não é estimulada nem na Disney nem
na rotina maluca de hoje, só mesmo lá dentro, no endereço do nosso afeto mais
profundo, onde tudo é permitido.
#dia dos avós