#dia da secretária
sexta-feira, 30 de setembro de 2016
Ainda que eu falasse as línguas dos homens e
dos anjos, e não tivesse amor,
seria como o metal que soa ou como
o sino que tine.
...
O amor é sofredor, é benigno; o amor não é invejoso;
amor não trata com leviandade, não se ensoberbece.
Não se porta com indecência,
não busca os seus interesses,
não se irrita, não suspeita mal;
Não folga com a injustiça, mas folga com a verdade;
Tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta.
[1 Coríntios 13:4-7]
quinta-feira, 29 de setembro de 2016
olhando o jardim alheio
“Dai ao tolo mil inteligências, e ele não quererá senão a
tua”, diz o provérbio árabe.
Começamos a plantar o jardim da nossa vida e, quando olhamos
para o lado, reparamos que o vizinho está ali, espiando. Ele é incapaz de fazer
qualquer coisa, mas gosta de dar palpites sobre como semeamos nossas ações,
plantamos nossos pensamentos, regamos nossas conquistas.
Se dermos atenção ao que ele está dizendo, terminaremos
trabalhando para ele, e o jardim de nossa vida será idéia do vizinho.
Terminaremos esquecendo a terra cultivada com tanto suor, fertilizada por
tantas bênçãos.
Esqueceremos que cada centímetro de terra tem seus mistérios,
e que só a mão paciente de um jardineiro é capaz de decifrar. Não iremos mais
prestar atenção ao sol, a chuva, e as estações, ficaremos apenas concentrados
naquela cabeça que nos espia por cima da cerca.
“O tolo que adora dar palpites sobre o nosso jardim, jamais
cuida de suas plantas”.
Marcadores:
Paulo Coelho
O primeiro supermercado do casal é tão tenso quanto à
primeira transa. Não é um passeio simples. Nem escolher um carrinho é um ato
banal, depende de sorte, pois o enguiço das rodinhas nas esquinas da loja
determinará constrangimentos letais e fins prematuros de relacionamento.
Natural suar frio, gaguejar, confundir os nomes dos vizinhos.
É a provação das habilidades sociais dos pombinhos, que voam juntos a caçar
comida para o viveiro doméstico.
Não se compara em visibilidade com qualquer programa a dois.
O cinema e a balada, por exemplo, são no escuro. E ambos não significam
necessariamente compromisso.
Mercado é muita intimidade, é muita cumplicidade, ultrapassa
a esfera da amizade, “é pega pra mim”, “passa pra mim”, “pesa pra mim”, frases
que serão definitivas no decorrer da convivência. É o momento fundador da
partilha, o pontapé inicial da divisão de gostos e do equilíbrio das
diferenças.
Poderia se proclamar que amor mesmo começa na claridade
acachapante do supermercado, quando ambos decidem enfrentar as lâmpadas frias e
as fofocas.
Não existe nada mais íntimo do que sair publicamente
escolhendo temperos e mantimentos para a cozinha.
Já identifico um novo par à distância, estampado no tremor do
rosto e nas paradas demoradas pelos corredores. Eles não se decidem,
impregnados de educação e mesura. Não baixam um produto da estante sem antes
perguntar: – Você gosta? O que acha?
Muito diferente dos casais antigos, que pegam algo e já jogam
com displicência no carrinho, longe da democracia da urna e da ternura da
hesitação.
O primeiro supermercado é o mais nervoso: predomina a
preocupação de encontrar alguém conhecido e ser desmascarado. Há uma imensa
paranoia a cada troca de lado. Ninguém deseja perder a admiração conquistada
até ali. Não é recomendável seguir impulsos. Nada de pegar à toa uma lata de
atum ou de leite condensado. Não deve se arriscar a levantar uma caixa de sabão
em pó e deflagrar polêmicas sobre a qualidade entre as marcas.
Os dois estão fingindo. Querem agradar acima de tudo. Ou
melhor, não desagradar.
Se durante a vida de solteiro só levavam congelado, pizza e
cerveja, no passeio com a nova companhia cheiram verdura, decifram rótulos de
vinho e comparam datas de validade. São especialistas instantâneos das mais
diferentes culturas e estudiosos do lar. Se durante a vida de solteiro contavam
as gramas exatas do queijo muzarela e da mortadela na balança de repente levam
pacotes generosos de Royale e Roquefort. Gastam fortunas pela vontade explícita
de impressionar e decidir a posteridade em uma única noite.
Nunca se fie pelas compras do casal em sua louca estreia.
Assim que chegar a fatura do cartão de crédito, voltarão à realidade de suas
economias.
Marcadores:
Fabrício Carpinejar
quarta-feira, 28 de setembro de 2016
#palavras mágicas
“Por favor, desculpa, obrigado, eu te
amo,
essa é a premissa básica do ser humano”
Forfun, em “A vida me chamou”
Marcadores:
Armandinho,
Músicas,
Tirinhas
Imagino que as crianças devam ficar muito confusas com as
notícias da política. Resolvi, então, preparar uma pequena cartilha que as
ajudará a entender essa coisa misteriosa que é o centro da vida nacional e que,
por vezes, quando convém aparece e quando não convém, desaparece...
1. Somos uma democracia. A democracia é o melhor sistema
político. É o melhor porque nele, ao contrário das ditaduras, é o povo que toma
as decisões;
2. Em Atenas, berço da democracia, era fácil consultar a
vontade do povo. Os cidadãos se reuniam numa praça e tomavam as decisões pelo
voto. Mas no Brasil são milhares de cidades, espalhadas por milhares de
quilômetros e os cidadãos são milhões. Não podemos fazer uma democracia como a
de Atenas. Esse problema foi resolvido de forma engenhosa: os cidadãos,
milhões, escolhem por meio de votos uns poucos que irão representá-los. O
Congresso é a nossa Atenas...;
3. Os representantes do povo, eleitos pelos votos dos
cidadãos-vereadores, deputados, senadores, prefeitos, governadores, presidente-,
são pessoas que abriram mão dos seus interesses e passaram a cuidar dos
interesses do povo;
4. É assim que dizem as teorias. Na prática, não é bem
assim...;
5. No Brasil, são muitos os partidos que, no frigir dos ovos,
se reduzem a dois: o partido das raposas e o partido das galinhas;
6. As raposas, devotas de São Francisco, sabem que é dando
que se recebe. Assim, movidas por esse ideal espiritual, elas dão milho para as
galinhas...;
7. As galinhas acreditam nas boas intenções das raposas e
tomam esse gesto de dar milho como expressão de amizade. A abundância do milho
as faz confiar nas raposas. E, como expressão da sua confiança nascida do
milho, elas elegem as raposas como suas representantes. Assim, na democracia
brasileira, as raposas representam as galinhas;
8. Eleitas por voto democrático, às raposas é dado o direito
de fazer as leis que regerão a vida das galinhas e das raposas...;
9. As leis que regem o comportamento das raposas não são as
mesmas das galinhas. Sendo representantes do povo, precisam de proteção
especial. Essa proteção tem o nome de “privilégios”, isto é, leis que se
aplicam só a elas;
10. Privilégio é assim: raposa julga galinha. Mas galinha não
julga raposa. Raposa julga raposa. Logo, raposa absolve raposa;
11. “Todos os cidadãos são livres e têm o direito de exercer
a sua liberdade.” As galinhas são livres para serem vegetarianas e têm o
direito de comer milho. As raposas são carnívoras e livres para comer galinhas;
12. A vontade das galinhas, ainda que de todas elas, não tem
valia. Vontade de galinha solitária só serve para escolher suas representantes;
13. Permanece a sabedoria secular de Santo Agostinho, aqui em
linguagem brasileira: “Tudo começa com uma quadrilha de tipos fora da lei,
criminosos, ladrões, corruptos, doleiros, burladores do fisco, mafiosos,
mentirosos, traficantes. Se essa quadrilha de criminosos se expande, aumenta em
número, toma posse de lugares, de cargos, de ministérios, da presidência de
empresas e fica poderosa ao ponto de dominar e intimidar os cidadãos - e
estabelecendo suas leis sobre como repartir a corrupção -, ela deixa de ser
chamada quadrilha e passa a ser chamada de Estado. Não por ter-se tornado
justa, mas porque aos seus crimes se agregou a impunidade”.
14. Portanto, galinhas do Brasil! Acordai! Uni-vos contra as
raposas!
Marcadores:
Rubem Alves
terça-feira, 27 de setembro de 2016
Que as nossas almas sigam irmanadas na utopia de um mundo
cuja maior loucura seja a dignidade de todos os homens. Cuja alegria de uns não
esteja alicerçada na desgraça de inúmeros outros. Cuja esperança sobreviva ao
caos. Onde o pão nosso de cada dia esteja à mesa recheado de sonho e poesia.
Eduardo Galeano
do mês que vem não passa
Juntos chegaram à conclusão de que o casamento estava um
tédio, que o amor havia sumido e que a presença um do outro incomodava mais do
que estimulava: nem mesmo a amizade e a ternura haviam sobrevivido. Depois de
algumas cobranças inevitáveis, muita DR e lágrimas à beça, optaram por seguir
cada um para seu lado. Quando? Logo depois das férias de julho: a gente viaja
com as crianças e depois você sai de casa. Perfeito.
Voltaram de viagem mais duros do que nunca foram, o saldo
completamente no vermelho. Não era uma boa hora para comprometer o orçamento
com um novo aluguel. Ela compreendeu e disse para ele ficar em casa até as
finanças se estabilizarem de novo, quando ele então poderia procurar um
apartamentozinho.
O casamento seguia um tédio, mas o clima estava mais ameno,
sabiam que dali a pouco estariam separados para sempre, então calhava uma
harmonização, eles até passaram a sorrir com mais frequência e, olhando assim,
de longe, qualquer um diria que aqueles dois se entendiam bem.
As dívidas da viagem foram pagas e, depois de mais uma entre
tantas discussões bestas, resolveram agendar de vez a separação: logo depois do
aniversário do pequeno Bruninho, que dali a um mês faria 19 anos e media
1m87cm.
Bruninho não quis festa, e o saldo do casal voltou a ficar
positivo, mas não por muito tempo: a tevê já veiculava comerciais com a
presença do Papai Noel. Natal era sempre uma despesa, e os sogros viriam do
interior pra comemorar com a família reunida, melhor deixar passar o Natal e o
Ano-Novo. É melhor, também acho.
Em fevereiro a Bia, filha mais velha, inventou de ir para a
praia do Rosa com as amigas e ficou o mês inteiro lá, assim que ela voltasse os
dois dariam o xeque-mate na relação. Bia voltou e já era quase Páscoa, e Páscoa
sem ir pra fazenda da tia Sonia não era Páscoa. Depois da Páscoa, receberam o
convite para serem padrinhos de casamento de um afilhado, melhor não criar
constrangimento na igreja. Em seguida, foi o aniversário dele, que sempre fica
meio caído nessa data, melhor deixar passar o inferno astral. E quando passou,
aí foi ela que aniversariou.
Estão casados até hoje. Mas do mês que vem não passa.
Marcadores:
Martha Medeiros
quinta-feira, 22 de setembro de 2016
explicando política às crianças - IV
“Houve uma briga na floresta acerca
da dieta a ser adotada por todos os bichos. De um lado estavam as vacas, as
ovelhas, os patos, as galinhas, as girafas, os macacos, os bichos-preguiça, que
diziam que a melhor dieta era a vegetariana, capim, folhas, flores, frutos.
Alegavam que as coisas que cresciam da terra eram ricas em vitaminas e faziam
bem à saúde. Do outro lado estavam as piranhas, as hienas, os gambás, os lobos,
as onças que, ao contrário, afirmavam que o melhor mesmo era uma dieta de
carne, porque a carne é rica em proteínas, que são fontes de energia. ‘Quem
come carne é mais forte’, diziam.
A briga fez tamanha confusão que os
bichos resolveram decidir o assunto por meio da coisa mais democrática
possível. “Vamos fazer uma eleição!” Todos concordaram. “Pela eleição vamos
escolher os bichos que vão decidir a questão, por meio de leis”. Todos
concordaram de novo. E assim aconteceu. Formaram-se dois partidos. Os
vegetarianos deram ao seu partido o nome de “Partido das Bananas”, porque as
bananas, sem dúvida alguma, são as frutas que melhor representam a alma dos
vegetarianos. Todo vegetariano gosta de banana. Além disso, há bananas em
abundância na floresta. Ninguém ficará com fome. Os outros bichos se reuniram e
pensaram que o nome do seu partido deveria ser “Partido do Churrasco”. Pois
essa era a verdade: eles gostavam de comer carne. E o seu símbolo deveria ser
uma linguiça. “Partido da Linguiça”: só de falar o nome a boca se enchia
d’água…
Mas os carnívoros eram espertos.
Sabiam que a verdade nem sempre deve ser dita. Perceberam que nenhum membro do
Partido das Bananas iria votar num candidato do Partido da Linguiça. Por uma
razão simples: os bichos vegetarianos seriam aqueles que seriam transformados
em churrasco. Os bifes das vacas, as linguiças dos porcos, os peitos dos
frangos, os perus assados, as coxas dos avestruzes…
Todas as pesquisas do IBOPE
indicavam que os vegetarianos ganhariam as eleições, por serem em número muito
maior que os carnívoros. Assim, astutamente, reuniram-se para saber o que
fazer. Um camaleão chamado Duda, carnívoro, apreciador de rinhas de galo, o
sangue sempre o excitava, pediu a palavra: “Companheiros”, ele disse, “guerras
são ganhas enganando-se o inimigo. Essa é uma lição que aprendemos dos humanos.
Os soldados se camuflam para chegar perto de suas presas. Vestem-se de forma a
parecer árvores e folhagens. Quando os inimigos se dão conta é tarde demais. É
assim que eu faço. Mudo de cor. Fico parecendo um galho de árvore. O inseto só
me percebe quanto minha língua visguenta o lambe. Queria sugerir, então, que
usassem a minha tática. Se nos proclamarmos carnívoros os vegetarianos não
votarão em nós. Vamos nos fantasiar de vegetarianos!”
Todos aplaudiram a
brilhante reflexão do camaleão Duda e resolveram dar ao seu partido um nome bem
ao gosto dos vegetarianos: “Partido dos Abacaxis”. Todo mundo gosta de
abacaxis, tão doces, tão perfumados, tão brasileiros. E assim foi. Iniciou-se,
então, a campanha do Partido das Bananas contra o Partido dos Abacaxis. Os
vegetarianos faziam comícios em que bananas eram distribuídas por todos. As
galinhas, os patos e os perus não perdoavam nem mesmo as cascas… Os carnívoros
promoviam grandes churrascos só que, ao invés de picanhas sobre as brasas, eram
abacaxis sobre as brasas. Faziam churrasco de tudo quanto é vegetal. Além dos
abacaxis, bananas, pinhões, batatas, mandioca, cebolas, tomates, pimentões.
Assim, os dois partidos tinham o mesmo programa: dieta vegetariana para todos.
Os membros do Partido das Bananas
sentiram, de longe, o cheiro bom dos churrascos do Partido dos Abacaxis. E
começaram a se aproximar. Perceberam que os membros do Partido dos Abacaxis não
eram tão maus quanto se dizia. Chegaram mais perto. Provaram. Gostaram. “É,
churrasco de banana é mais gostoso que banana crua”, disseram. E até os macacos
aderiram.
Aí veio a eleição. É preciso não
esquecer que eleições têm por objetivo escolher aqueles que terão o poder de
fazer as leis. Eleitos democraticamente, decidiriam democraticamente a dieta de
todos os bichos. As decisões dos representantes seriam leis para todos. Ao dar
aos seus representantes o poder para decidir, os bichos estavam, com esse ato,
abrindo mão do seu direito de decidir. Depois de feitas as leis só lhes restava
obedecer.
Empossado o congresso, os
representantes elegeram o seu presidente. O bicho que recebeu mais votos foi a
Hiena, famosa por seu senso de humor: estava sempre dando risadas. Na sua posse
ela fez um lindo discurso sobre as excelências da dieta vegetariana. E para
terminar deu uma aula de filosofia. “Como disse o filósofo alemão Ludwig
Feuerbach, nós somos o que comemos. Vacas e veados comem capim; portanto são
capim. Macacos comem banana; portanto são bananas. Galinhas e patos comem
milho; portanto são milho. Pássaros comem alpiste; portanto são alpiste. Assim,
onças que comem vacas e veados estão, na verdade, comendo capim. Uma cobra que
come um macaco está, na realidade, comendo bananas. Um gambá que come galinhas
está, na realidade, comendo milho. E um gato que come passarinhos está, na
realidade, comendo alpiste. Assim sendo, e em cumprimento às promessas que
fizemos no período eleitoral, proclamo a lei de que todos os animais terão de
ser vegetarianos, cada um do seu jeito. Viva a República Vegetariana!”
Se vocês
argumentarem que as conclusões filosóficas da Hiena estão erradas direi que
vocês estão com toda razão. Mas é preciso que se aprenda uma outra regra da
política: ‘Na política quem tem razão não é quem tem razão. É quem tem o
porrete maior...’
O discurso da Hiena foi saudado com
uma grande salva de palmas, seguido por um festival gastronômico em que hienas,
onças, lobos, cães vadios, cobras, gambás e gatos churrasqueavam vacas, veados,
macacos, galinhas e passarinhos.
“Pois Feuerbach não disse que somos o que
comemos? A lei é clara: todos os animais são vegetais transformados.”
Aí os membros do Partido das Bananas
perceberam que haviam caído numa armadilha. Leis são armadilhas. Uma vez feitas
não podem ser desrespeitadas, a menos que sejam revogadas por aqueles que as
fizeram, os representantes eleitos.
Mas quem teria poder para revogar
essa lei? Olhando para seus gordos representantes no Congresso era claro que
nenhum deles estava disposto a trocar costeletas, lombos e linguiças por
alface, couve e cenoura…
Concluíram, então, que com aquele congresso de
carnívoros a reforma política jamais seria realizada.
O Ganso, metido a
intelectual, repetiu então uma frase que havia lido num livro em inglês: “might
makes right”… É o Poder que estabelece o Direito.
Foi então que um leitão rechonchudo
chamado Alfred Hitchcock pediu a palavra. Ele já havia experimentado a dor da
perda de sua mãe, comida por uma onça que falava enquanto comia: “Que deliciosa
é essa porca! Ela é milho, é abóbora, é mandioca, é batata! Como é boa a dieta
vegetariana!” Pois bem. O dito leitão ponderou: “Eu não posso enfrentar a onça.
As galinhas não podem enfrentar os gambás. Os cordeiros não podem enfrentar os
lobos! Mas os pássaros! Milhares de pássaros em seus vôos rasantes e bicos
pontudos! Que poderão fazer as onças, os gambás e os lobos contra o ataque de
milhares e pássaros? Vamos chamar os pássaros! Eles são vegetarianos! São
nossos aliados!”
E assim aconteceu. Vieram então, em bandos que tapavam o sol,
milhares de andorinhas, pássaros pretos, sabiás, pardais, tico-ticos,
periquitos… Invadiram o edifício do Congresso. Foi um pandemônio. O espaço
escureceu. O barulho dos pios e dos gritos dos pássaros era ensurdecedor.
Milhares de bicos bicando sem parar em mergulhos certeiros. Além disso, por
onde iam soltavam seus excrementos moles e fedidos que escorriam pelas caras
dos excelentíssimos. Os representes gritavam histéricos: “Isso é conspiração!
Estão tentando desestabilizar o governo!”
Mas os pássaros nem ligaram.
Continuaram a fazer o que estavam fazendo. Os gambás, onças, lobos, cães vadios
e hienas fugiram e nunca mais voltaram, com medo de que os pássaros lhes furassem
os olhos…”
Agora, meninos e meninas: vamos chamar os
pássaros…
Marcadores:
Rubem Alves
“Você já viu um campo de trigo em época de colheita?
Observe
que certas espigas são altas e viçosas, outras se curvam em direção à terra.
Experimente colher as altas, mais vaidosas, e verá que são vazias. Se colher as
que se curvam, as mais humildes, verá que estão carregadas de grãos.
Daí você
pode deduzir que a vaidade é vazia.”
__Santo Padre Pio de Pietrelcina
quarta-feira, 21 de setembro de 2016
explicando política às crianças - III
Tão bonita, a idéia da democracia!
Melhor não há. Os cidadãos, educados, conscientes das suas necessidades, no
exercício da sua liberdade, sem compulsões, sem enganos, escolhem por meio do
voto aqueles que serão os seus representantes. Na cidade, os vereadores, no
estado, os deputados estaduais, no país, os deputados federais e os senadores.
Nada mais transparente. Nada mais honesto.
E os representantes do povo,
dominados por um único ideal: trabalhar para o bem comum. No ato de se
aceitarem como representantes do povo eles deixam de lado a sua vontade, os
seus interesses privados, particulares. Tornaram-se depositários da vontade do
povo. Quando pensam e agem não pensam e agem de acordo com os seus interesses.
Apenas uma pergunta informa o seu pensar e o seu agir: “É do interesse do
povo?”
É assim que eu quero. É assim que
todo mundo quer. Como é linda a democracia quando escrita no papel! O problema
é que o que está escrito não é aquilo que é vivido. O poder corrompe os ideais.
Faz muitos anos escrevi uma estória
para grandes e pequenos sobre o que acontece na democracia. Era sobre um bando
de ratos que vivia num buraco do assoalho de uma casa. Todo mundo sabe que
ratos gostam de queijo. E havia um queijo enorme, amarelo, cheiroso, sobre a
mesa da sala onde estava o buraco. Os ratos, de dentro do seu buraco, olhavam o
queijo e sonhavam sobre o dia em que juntos, ordenadamente, alegremente,
haveriam de comer o queijo. O queijo era grande para todos. Todos comeriam o
queijo fraternalmente. Nenhum rato ficaria com fome. Que sonho mais bonito! Mas
por que não comiam o queijo? Por causa do gato que guardava o queijo. O gato
era o obstáculo que se interpunha entre os ratos e o queijo. Eliminado o gato
seria o paraíso! É sempre assim: diante do gato todos os ratos são irmãos. E
marchavam gritando palavras de ordem: “Os ratos, unidos, jamais serão
vencidos...”
Pois não é que um dia o gato
desapareceu? Para onde foi, ninguém sabe. Os ratos não podiam acreditar!
Chegara a hora de realizar o seu sonho! A participação fraterna e socialista no
bem supremo, o queijo. Correram para o queijo. Os ratos mais fortes, na frente.
E os ratos fracos, humildemente, atrás, como na vida...
Aí uma metamorfose aconteceu. Ao
chegar ao queijo os ratos perceberam que queijos sonhados não eram iguais aos
queijos reais. Os queijos sonhados são infinitos: pode-se comer deles à vontade
que não acabam. Mas os queijos reais, cada mordida de um é uma mordida a menos
para o outro. E à fraternidade seguiu-se a luta. Não entre gatos e ratos, mas
entre ratos e ratos. E os ratos, que até então só sabiam sorrir e viviam
cantando canções de fraternidade, arreganharam os dentes afiados uns para os
outros. E aí os ratos se dividiram em ratos gordos de dentes afiados e ratos
magros que viviam amedrontados. E os ratos magros, de dentro do seu buraco,
olhavam para os ratos gordos, comendo o queijo. E notaram então uma horrível
transformação: os ratos gordos tinham a cara igualzinha à do gato. Porque,
entre gato e rato a diferença é pouca: só uma letra...
Muitas pessoas sabem tudo sobre essa
coisa que se chama política. Dentre todos os que mais sabem são os políticos
por profissão que se especializam na arte de não cair do cavalo. São capazes de
montar touro, búfalo, vaca brava, cavalo selvagem, burro empacador, zebra...
Cavalo vai, cavalo vem, o dito político não pisa o chão.
Um exemplo insuperável na arte de montar cavalos sem cair está no senador José Sarney, da Academia Brasileira de Letras, autor do livro “Os marimbondos de fogo”. Por mais que o bicho corcoveie ele está sempre por cima.
Esses são os políticos matreiros, malandros, que vivem mudando de cor, escorregadios. Sabem tudo sobre política mas não contam pra ninguém. E são sempre reeleitos democraticamente pelo povo. Eles sabem a arte de enganar o povo. De todas as criaturas que Deus Todo Poderoso criou, o povo é a mais boba, a mais enganável.
No Paraíso a Serpente estava em campanha eleitoral; era candidata. Sua fala serpentina foi preparada pelo Duda Mendonça, especialista na arte do engano. E Adão e Eva eram os eleitores, bobões, povo... Votaram sem saber no que estavam votando e deu nisso que deu.
Um exemplo insuperável na arte de montar cavalos sem cair está no senador José Sarney, da Academia Brasileira de Letras, autor do livro “Os marimbondos de fogo”. Por mais que o bicho corcoveie ele está sempre por cima.
Esses são os políticos matreiros, malandros, que vivem mudando de cor, escorregadios. Sabem tudo sobre política mas não contam pra ninguém. E são sempre reeleitos democraticamente pelo povo. Eles sabem a arte de enganar o povo. De todas as criaturas que Deus Todo Poderoso criou, o povo é a mais boba, a mais enganável.
No Paraíso a Serpente estava em campanha eleitoral; era candidata. Sua fala serpentina foi preparada pelo Duda Mendonça, especialista na arte do engano. E Adão e Eva eram os eleitores, bobões, povo... Votaram sem saber no que estavam votando e deu nisso que deu.
Mas há também os cientistas
políticos, gente séria em que se pode confiar, que não quer enganar ninguém.
Mas eles escrevem tão complicado que somente aqueles que já sabem entendem o
que eles dizem. O que eles dizem não ajuda o povo a pensar. O povo deseja
pensar? O povo aprendeu, certo ou errado não interessa, que pensar não faz
diferença. Então o melhor é não pensar. Pensar dá muito trabalho e não leva a
nada.
Mas há uns tipos geniais que são capazes
de ensinar a política não como malandragem, não como ciência, mas como
literatura. É o caso de George Orwell. Um dos seus livros é o 1984.
Quando ele o escreveu o ano de 1984 estava tão longe!
Orwell percebeu como ninguém que o poder é um jogo no qual a peça mais poderosa é a linguagem. É através da linguagem que o poder domina as pessoas por dentro.
A paixão por um partido é um caso de perturbação psicótica da linguagem. O apaixonado alucina: toma a linguagem por realidade. O que se ama é aquilo que a linguagem marcou dentro de mim.
Não se vota num candidato. Vota-se naquilo que se diz sobre ele.
As CPIs são todas arenas onde se travam batalhas da linguagem. É a linguagem que dá credibilidade ao poder.
Mas Orwell escreveu também um livrinho bem pequeno, uma fábula que até as crianças entendem, Animal Farm (em português: A revolução dos bichos) que é uma delícia de clareza, sutileza, humor e terror...
É a estória dos bichos de uma fazenda, cavalos, porcos, vacas, cabritos, patos, gansos, cachorros...
Cansaram-se de ser explorados pelo fazendeiro e resolveram fazer uma revolução. Juntos, unidos, expulsaram o fazendeiro aos coices e dentadas.
Estava terminada a primeira fase da revolução.
Segunda fase: Era preciso que as leis fossem claras e transparentes e que expressassem a vontade de todos os animais. Para o conhecimento de todos, elas foram pintadas em letras enormes na parede de um paiol.
A primeira lei era: “Todos os bichos são iguais”.
Terceira fase: Quem serão os líderes? Terão de ser escolhidos democraticamente. E assim foi (não vou contar quais foram os bichos escolhidos para líderes...).
Entretanto, depois que os líderes se assentaram no poder, coisas estranhas começaram a acontecer. Por exemplo: num belo dia, ao acordar, os animais viram que a primeira lei havia sido modificada. Estava lá escrito na parede do paiol: “Todos os bichos são iguais. Mas alguns bichos são mais iguais que os outros...”
Não vou contar o fim da parábola. O que importa é que Orwell percebeu a armadilha do poder: depois que se dá a um grupo o poder para determinar as leis, não há formas de impedir que ele estabeleça as leis que lhe são convenientes. Os que eram antes oprimidos, de posse do poder, se transformam em opressores.
Será essa a ironia da história, que cada luta pela liberdade se transforme sempre numa nova forma de opressão?
Parece que só pode ser partido ético o partido que não está no poder.
O poder cria imperativos de outra ordem.
Quando ele o escreveu o ano de 1984 estava tão longe!
Orwell percebeu como ninguém que o poder é um jogo no qual a peça mais poderosa é a linguagem. É através da linguagem que o poder domina as pessoas por dentro.
A paixão por um partido é um caso de perturbação psicótica da linguagem. O apaixonado alucina: toma a linguagem por realidade. O que se ama é aquilo que a linguagem marcou dentro de mim.
Não se vota num candidato. Vota-se naquilo que se diz sobre ele.
As CPIs são todas arenas onde se travam batalhas da linguagem. É a linguagem que dá credibilidade ao poder.
Mas Orwell escreveu também um livrinho bem pequeno, uma fábula que até as crianças entendem, Animal Farm (em português: A revolução dos bichos) que é uma delícia de clareza, sutileza, humor e terror...
É a estória dos bichos de uma fazenda, cavalos, porcos, vacas, cabritos, patos, gansos, cachorros...
Cansaram-se de ser explorados pelo fazendeiro e resolveram fazer uma revolução. Juntos, unidos, expulsaram o fazendeiro aos coices e dentadas.
Estava terminada a primeira fase da revolução.
Segunda fase: Era preciso que as leis fossem claras e transparentes e que expressassem a vontade de todos os animais. Para o conhecimento de todos, elas foram pintadas em letras enormes na parede de um paiol.
A primeira lei era: “Todos os bichos são iguais”.
Terceira fase: Quem serão os líderes? Terão de ser escolhidos democraticamente. E assim foi (não vou contar quais foram os bichos escolhidos para líderes...).
Entretanto, depois que os líderes se assentaram no poder, coisas estranhas começaram a acontecer. Por exemplo: num belo dia, ao acordar, os animais viram que a primeira lei havia sido modificada. Estava lá escrito na parede do paiol: “Todos os bichos são iguais. Mas alguns bichos são mais iguais que os outros...”
Não vou contar o fim da parábola. O que importa é que Orwell percebeu a armadilha do poder: depois que se dá a um grupo o poder para determinar as leis, não há formas de impedir que ele estabeleça as leis que lhe são convenientes. Os que eram antes oprimidos, de posse do poder, se transformam em opressores.
Será essa a ironia da história, que cada luta pela liberdade se transforme sempre numa nova forma de opressão?
Parece que só pode ser partido ético o partido que não está no poder.
O poder cria imperativos de outra ordem.
Marcadores:
Rubem Alves
terça-feira, 20 de setembro de 2016
explicando política às crianças - II
Meninos e meninas: eu estava contando
como tudo começou, esse jogo chamado política, parecido com o jogo de xadrez e
suas peças, faraós, reis, imperadores, czares, deputados, senadores, juntas
militares, generalíssimos, eminências pardas, eleições, muito dinheiro, tudo
misturado, tudo se movendo sobre um tabuleiro quadriculado chamado poder.
Aquelas avenidas horizontais, verticais e oblíquas desenhadas no tabuleiro são
as avenidas do poder. É necessário conhecer as avenidas do poder para se jogar
o jogo da política.
Mas há uma diferença: no jogo do xadrez todas as avenidas
são visíveis e claras. O xadrez é um jogo transparente. O jogo da política é
mais complicado: há muitas avenidas de poder no lado oculto do tabuleiro, o
lado que ninguém vê. O jogo da política é o jogo da não-transparência. Razão
por que só os bobos acreditam no que vêem.
Todas CPIs, apurações, investigações
e depoimentos existem a fim de trazer o lado oculto do poder à visibilidade.
Mas, como se sabe, bichos que vivem no lado debaixo do tabuleiro, escondidos,
tais como as lacraias, piolhos de cobra, centopéias, miriápodos,
escorpiões, vermes, lesmas não gostam de ser vistos. Fazem tudo para que o
tabuleiro do poder não seja revirado. Quando o tabuleiro é revirado é aquele
susto. Primeiro, susto dos que viviam escondidos no escuro que se põe então a
correr, em busca do escuro. Segundo, susto dos que viviam no claro: eles nunca
haviam imaginado que o lado escondido do tabuleiro do poder fosse assim tão
repulsivo.
E há uma pecinha sem importância, sem
vontade própria, que vai sendo empurrada para lá e para cá, chamada povo. Para
o povo vale o aforismo: “Os elefantes, quer façam amor quer façam a guerra, a
grama sempre sofre” O povo é a grama.
O fim do jogo se anuncia com a
expressão “xeque mate” que, segundo suas origens etimológicas no pérsico que
dizer “o rei está morto.”
E foi precisamente assim que nossa
primeira lição de política terminou: as cabeças do rei e da rainha da França
haviam sido cortadas pela guilhotina, os cidadãos celebrando alegremente numa
praça, sem pipoqueiros e vendedores de espetinhos. Num outro lugar fechado,
para que ninguém visse, todos os membros da família real da Rússia, inclusive
as crianças, estavam caídas em poças de sangue, perfuradas pelas balas dos
vencedores. Isso, para que nenhum tolo tivesse a esperança de volta. Os
vencedores estão sempre acima do bem e do mal. Esse evento ainda é celebrado
como um marco monumental na evolução histórica de humanidade!
O “xeque mate” marca o fim do jogo de
xadrez. O rei morto marca o fim de um jogo político cujas regras eram definidas
por um “contrato social”. Então para que a morte do rei não signifique a volta
ao estado de “guerra de todos contra todos”, é necessário que se definam novas
regras. Novo paradigma. E como foi o “povo” que pôs fim ao jogo antigo, é justo
que seja o povo que estabeleça as regras do novo jogo. “O poder pertence ao
povo”: essa foi a regra fundamental do jogo. Com justiça absoluta. Se você não
sabe, essa é a essência da democracia. A palavra democracia vem da junção de
duas palavras gregas: “demos”, que quer dizer “povo” e “kratein” que quer dizer
“governar”. Governo do povo e para o povo: haverá coisa mais bonita?
Acontece que as coisas são mais
fáceis na teoria que na prática. É fácil sonhar com o vôo. É difícil fazer um
avião. É fácil sonhar com o ideal democrático. É muito difícil transformá-lo
numa máquina que funcione.
Como criar um sistema político em que
seja o povo que exercita o poder? Em Atenas, cidade considerada o berço da
democracia, esse problema se resolvia de forma simples: os cidadãos livres se
reuniam numa praça, debatiam as questões e votavam. A proposta que tivesse mais
votos ganhava. Isso era fácil porque Atenas era uma cidade pequena. Mas como
reunir os cidadãos de Paris, de Moscou, de Roma? A primeira dificuldade seria
colocá-los juntos numa praça. A segunda dificuldade seria fazê-los ouvir as
propostas (não havia alto-falantes). A terceira dificuldade seria fazê-los
entender as propostas... Há muitos problemas sobre os quais o povo nada sabe.
Podem os ignorantes tomar decisões sobre assuntos que ignoram? A maioria é
sempre mais sábia? Se o seu filho estiver doente, você vai acreditar no
diagnostico de um único médico ou no diagnóstico da família inteira reunida? Em
muitas situações a sabedoria se encontra no “um” e não nos “muitos”.
A solução encontrada se baseava num
pressuposto filosófico: os cidadãos são seres racionais. Eles sabem o que é bom
para eles. Assim, tratava-se de escolher um cidadão, dentre os muitos, que
representasse os pensamentos e desejos gerais. Essa pessoa assim escolhida se
tornaria, então, “representante” de todos aqueles que haviam votado nela. Pois
é isso que é o voto: abro mão do meu direito de exercer diretamente o meu poder
e o transfiro para um outro, em quem confio. Esse outro será o meu
“representante”. Não só meu, mas de todas as pessoas que tiverem votado nele.
Assim, o voto seria o exercício racional da vontade do povo que, conhecedor das
alternativas que se abrem, opta por aquela que lhe parece mais sábia. O voto
seria, ao mesmo tempo, um exercício de poder e de sabedoria. Democracia só faz
sentido com um povo sábio. A partir disso formam-se os partidos. Um partido é o
conjunto daqueles que, juntos, querem que o barco navegue numa determinada direção.
Há partidos que querem que o barco continue em frente. Outros preferem a
direita. E há aqueles que querem que o barco navegue para a esquerda. Há ainda
uns outros que querem que o barco fique dando voltas...
E foi assim que se formou a
democracia, governo do povo pelo povo, povo inteligente, que sabe o que quer,
que, por meio do voto escolhe os seus representantes que, em seu nome, irão
exercer o poder...
Com o passar do tempo descobriu-se
que era muito fácil eleger um representante. O difícil era tirá-lo do poleiro
do poder. O poder é um pássaro que não abandona o poleiro. Tem garras fortes. O
que fazer quando o pássaro não quer deixar o poleiro?
Continuaremos depois...
Marcadores:
Rubem Alves
Assinar:
Postagens (Atom)