“Houve uma briga na floresta acerca
da dieta a ser adotada por todos os bichos. De um lado estavam as vacas, as
ovelhas, os patos, as galinhas, as girafas, os macacos, os bichos-preguiça, que
diziam que a melhor dieta era a vegetariana, capim, folhas, flores, frutos.
Alegavam que as coisas que cresciam da terra eram ricas em vitaminas e faziam
bem à saúde. Do outro lado estavam as piranhas, as hienas, os gambás, os lobos,
as onças que, ao contrário, afirmavam que o melhor mesmo era uma dieta de
carne, porque a carne é rica em proteínas, que são fontes de energia. ‘Quem
come carne é mais forte’, diziam.
A briga fez tamanha confusão que os
bichos resolveram decidir o assunto por meio da coisa mais democrática
possível. “Vamos fazer uma eleição!” Todos concordaram. “Pela eleição vamos
escolher os bichos que vão decidir a questão, por meio de leis”. Todos
concordaram de novo. E assim aconteceu. Formaram-se dois partidos. Os
vegetarianos deram ao seu partido o nome de “Partido das Bananas”, porque as
bananas, sem dúvida alguma, são as frutas que melhor representam a alma dos
vegetarianos. Todo vegetariano gosta de banana. Além disso, há bananas em
abundância na floresta. Ninguém ficará com fome. Os outros bichos se reuniram e
pensaram que o nome do seu partido deveria ser “Partido do Churrasco”. Pois
essa era a verdade: eles gostavam de comer carne. E o seu símbolo deveria ser
uma linguiça. “Partido da Linguiça”: só de falar o nome a boca se enchia
d’água…
Mas os carnívoros eram espertos.
Sabiam que a verdade nem sempre deve ser dita. Perceberam que nenhum membro do
Partido das Bananas iria votar num candidato do Partido da Linguiça. Por uma
razão simples: os bichos vegetarianos seriam aqueles que seriam transformados
em churrasco. Os bifes das vacas, as linguiças dos porcos, os peitos dos
frangos, os perus assados, as coxas dos avestruzes…
Todas as pesquisas do IBOPE
indicavam que os vegetarianos ganhariam as eleições, por serem em número muito
maior que os carnívoros. Assim, astutamente, reuniram-se para saber o que
fazer. Um camaleão chamado Duda, carnívoro, apreciador de rinhas de galo, o
sangue sempre o excitava, pediu a palavra: “Companheiros”, ele disse, “guerras
são ganhas enganando-se o inimigo. Essa é uma lição que aprendemos dos humanos.
Os soldados se camuflam para chegar perto de suas presas. Vestem-se de forma a
parecer árvores e folhagens. Quando os inimigos se dão conta é tarde demais. É
assim que eu faço. Mudo de cor. Fico parecendo um galho de árvore. O inseto só
me percebe quanto minha língua visguenta o lambe. Queria sugerir, então, que
usassem a minha tática. Se nos proclamarmos carnívoros os vegetarianos não
votarão em nós. Vamos nos fantasiar de vegetarianos!”
Todos aplaudiram a
brilhante reflexão do camaleão Duda e resolveram dar ao seu partido um nome bem
ao gosto dos vegetarianos: “Partido dos Abacaxis”. Todo mundo gosta de
abacaxis, tão doces, tão perfumados, tão brasileiros. E assim foi. Iniciou-se,
então, a campanha do Partido das Bananas contra o Partido dos Abacaxis. Os
vegetarianos faziam comícios em que bananas eram distribuídas por todos. As
galinhas, os patos e os perus não perdoavam nem mesmo as cascas… Os carnívoros
promoviam grandes churrascos só que, ao invés de picanhas sobre as brasas, eram
abacaxis sobre as brasas. Faziam churrasco de tudo quanto é vegetal. Além dos
abacaxis, bananas, pinhões, batatas, mandioca, cebolas, tomates, pimentões.
Assim, os dois partidos tinham o mesmo programa: dieta vegetariana para todos.
Os membros do Partido das Bananas
sentiram, de longe, o cheiro bom dos churrascos do Partido dos Abacaxis. E
começaram a se aproximar. Perceberam que os membros do Partido dos Abacaxis não
eram tão maus quanto se dizia. Chegaram mais perto. Provaram. Gostaram. “É,
churrasco de banana é mais gostoso que banana crua”, disseram. E até os macacos
aderiram.
Aí veio a eleição. É preciso não
esquecer que eleições têm por objetivo escolher aqueles que terão o poder de
fazer as leis. Eleitos democraticamente, decidiriam democraticamente a dieta de
todos os bichos. As decisões dos representantes seriam leis para todos. Ao dar
aos seus representantes o poder para decidir, os bichos estavam, com esse ato,
abrindo mão do seu direito de decidir. Depois de feitas as leis só lhes restava
obedecer.
Empossado o congresso, os
representantes elegeram o seu presidente. O bicho que recebeu mais votos foi a
Hiena, famosa por seu senso de humor: estava sempre dando risadas. Na sua posse
ela fez um lindo discurso sobre as excelências da dieta vegetariana. E para
terminar deu uma aula de filosofia. “Como disse o filósofo alemão Ludwig
Feuerbach, nós somos o que comemos. Vacas e veados comem capim; portanto são
capim. Macacos comem banana; portanto são bananas. Galinhas e patos comem
milho; portanto são milho. Pássaros comem alpiste; portanto são alpiste. Assim,
onças que comem vacas e veados estão, na verdade, comendo capim. Uma cobra que
come um macaco está, na realidade, comendo bananas. Um gambá que come galinhas
está, na realidade, comendo milho. E um gato que come passarinhos está, na
realidade, comendo alpiste. Assim sendo, e em cumprimento às promessas que
fizemos no período eleitoral, proclamo a lei de que todos os animais terão de
ser vegetarianos, cada um do seu jeito. Viva a República Vegetariana!”
Se vocês
argumentarem que as conclusões filosóficas da Hiena estão erradas direi que
vocês estão com toda razão. Mas é preciso que se aprenda uma outra regra da
política: ‘Na política quem tem razão não é quem tem razão. É quem tem o
porrete maior...’
O discurso da Hiena foi saudado com
uma grande salva de palmas, seguido por um festival gastronômico em que hienas,
onças, lobos, cães vadios, cobras, gambás e gatos churrasqueavam vacas, veados,
macacos, galinhas e passarinhos.
“Pois Feuerbach não disse que somos o que
comemos? A lei é clara: todos os animais são vegetais transformados.”
Aí os membros do Partido das Bananas
perceberam que haviam caído numa armadilha. Leis são armadilhas. Uma vez feitas
não podem ser desrespeitadas, a menos que sejam revogadas por aqueles que as
fizeram, os representantes eleitos.
Mas quem teria poder para revogar
essa lei? Olhando para seus gordos representantes no Congresso era claro que
nenhum deles estava disposto a trocar costeletas, lombos e linguiças por
alface, couve e cenoura…
Concluíram, então, que com aquele congresso de
carnívoros a reforma política jamais seria realizada.
O Ganso, metido a
intelectual, repetiu então uma frase que havia lido num livro em inglês: “might
makes right”… É o Poder que estabelece o Direito.
Foi então que um leitão rechonchudo
chamado Alfred Hitchcock pediu a palavra. Ele já havia experimentado a dor da
perda de sua mãe, comida por uma onça que falava enquanto comia: “Que deliciosa
é essa porca! Ela é milho, é abóbora, é mandioca, é batata! Como é boa a dieta
vegetariana!” Pois bem. O dito leitão ponderou: “Eu não posso enfrentar a onça.
As galinhas não podem enfrentar os gambás. Os cordeiros não podem enfrentar os
lobos! Mas os pássaros! Milhares de pássaros em seus vôos rasantes e bicos
pontudos! Que poderão fazer as onças, os gambás e os lobos contra o ataque de
milhares e pássaros? Vamos chamar os pássaros! Eles são vegetarianos! São
nossos aliados!”
E assim aconteceu. Vieram então, em bandos que tapavam o sol,
milhares de andorinhas, pássaros pretos, sabiás, pardais, tico-ticos,
periquitos… Invadiram o edifício do Congresso. Foi um pandemônio. O espaço
escureceu. O barulho dos pios e dos gritos dos pássaros era ensurdecedor.
Milhares de bicos bicando sem parar em mergulhos certeiros. Além disso, por
onde iam soltavam seus excrementos moles e fedidos que escorriam pelas caras
dos excelentíssimos. Os representes gritavam histéricos: “Isso é conspiração!
Estão tentando desestabilizar o governo!”
Mas os pássaros nem ligaram.
Continuaram a fazer o que estavam fazendo. Os gambás, onças, lobos, cães vadios
e hienas fugiram e nunca mais voltaram, com medo de que os pássaros lhes furassem
os olhos…”
Agora, meninos e meninas: vamos chamar os
pássaros…