O primeiro supermercado do casal é tão tenso quanto à
primeira transa. Não é um passeio simples. Nem escolher um carrinho é um ato
banal, depende de sorte, pois o enguiço das rodinhas nas esquinas da loja
determinará constrangimentos letais e fins prematuros de relacionamento.
Natural suar frio, gaguejar, confundir os nomes dos vizinhos.
É a provação das habilidades sociais dos pombinhos, que voam juntos a caçar
comida para o viveiro doméstico.
Não se compara em visibilidade com qualquer programa a dois.
O cinema e a balada, por exemplo, são no escuro. E ambos não significam
necessariamente compromisso.
Mercado é muita intimidade, é muita cumplicidade, ultrapassa
a esfera da amizade, “é pega pra mim”, “passa pra mim”, “pesa pra mim”, frases
que serão definitivas no decorrer da convivência. É o momento fundador da
partilha, o pontapé inicial da divisão de gostos e do equilíbrio das
diferenças.
Poderia se proclamar que amor mesmo começa na claridade
acachapante do supermercado, quando ambos decidem enfrentar as lâmpadas frias e
as fofocas.
Não existe nada mais íntimo do que sair publicamente
escolhendo temperos e mantimentos para a cozinha.
Já identifico um novo par à distância, estampado no tremor do
rosto e nas paradas demoradas pelos corredores. Eles não se decidem,
impregnados de educação e mesura. Não baixam um produto da estante sem antes
perguntar: – Você gosta? O que acha?
Muito diferente dos casais antigos, que pegam algo e já jogam
com displicência no carrinho, longe da democracia da urna e da ternura da
hesitação.
O primeiro supermercado é o mais nervoso: predomina a
preocupação de encontrar alguém conhecido e ser desmascarado. Há uma imensa
paranoia a cada troca de lado. Ninguém deseja perder a admiração conquistada
até ali. Não é recomendável seguir impulsos. Nada de pegar à toa uma lata de
atum ou de leite condensado. Não deve se arriscar a levantar uma caixa de sabão
em pó e deflagrar polêmicas sobre a qualidade entre as marcas.
Os dois estão fingindo. Querem agradar acima de tudo. Ou
melhor, não desagradar.
Se durante a vida de solteiro só levavam congelado, pizza e
cerveja, no passeio com a nova companhia cheiram verdura, decifram rótulos de
vinho e comparam datas de validade. São especialistas instantâneos das mais
diferentes culturas e estudiosos do lar. Se durante a vida de solteiro contavam
as gramas exatas do queijo muzarela e da mortadela na balança de repente levam
pacotes generosos de Royale e Roquefort. Gastam fortunas pela vontade explícita
de impressionar e decidir a posteridade em uma única noite.
Nunca se fie pelas compras do casal em sua louca estreia.
Assim que chegar a fatura do cartão de crédito, voltarão à realidade de suas
economias.