"Ando no rastro dos poetas, porém descalça... Quero sentir as sensações que eles deixam por ai"



quinta-feira, 29 de setembro de 2016


O primeiro supermercado do casal é tão tenso quanto à primeira transa. Não é um passeio simples. Nem escolher um carrinho é um ato banal, depende de sorte, pois o enguiço das rodinhas nas esquinas da loja determinará constrangimentos letais e fins prematuros de relacionamento.

Natural suar frio, gaguejar, confundir os nomes dos vizinhos. É a provação das habilidades sociais dos pombinhos, que voam juntos a caçar comida para o viveiro doméstico.
Não se compara em visibilidade com qualquer programa a dois. O cinema e a balada, por exemplo, são no escuro. E ambos não significam necessariamente compromisso.

Mercado é muita intimidade, é muita cumplicidade, ultrapassa a esfera da amizade, “é pega pra mim”, “passa pra mim”, “pesa pra mim”, frases que serão definitivas no decorrer da convivência. É o momento fundador da partilha, o pontapé inicial da divisão de gostos e do equilíbrio das diferenças.

Poderia se proclamar que amor mesmo começa na claridade acachapante do supermercado, quando ambos decidem enfrentar as lâmpadas frias e as fofocas.

Não existe nada mais íntimo do que sair publicamente escolhendo temperos e mantimentos para a cozinha.

Já identifico um novo par à distância, estampado no tremor do rosto e nas paradas demoradas pelos corredores. Eles não se decidem, impregnados de educação e mesura. Não baixam um produto da estante sem antes perguntar: – Você gosta? O que acha?
Muito diferente dos casais antigos, que pegam algo e já jogam com displicência no carrinho, longe da democracia da urna e da ternura da hesitação.

O primeiro supermercado é o mais nervoso: predomina a preocupação de encontrar alguém conhecido e ser desmascarado. Há uma imensa paranoia a cada troca de lado. Ninguém deseja perder a admiração conquistada até ali. Não é recomendável seguir impulsos. Nada de pegar à toa uma lata de atum ou de leite condensado. Não deve se arriscar a levantar uma caixa de sabão em pó e deflagrar polêmicas sobre a qualidade entre as marcas.

Os dois estão fingindo. Querem agradar acima de tudo. Ou melhor, não desagradar.

Se durante a vida de solteiro só levavam congelado, pizza e cerveja, no passeio com a nova companhia cheiram verdura, decifram rótulos de vinho e comparam datas de validade. São especialistas instantâneos das mais diferentes culturas e estudiosos do lar. Se durante a vida de solteiro contavam as gramas exatas do queijo muzarela e da mortadela na balança de repente levam pacotes generosos de Royale e Roquefort. Gastam fortunas pela vontade explícita de impressionar e decidir a posteridade em uma única noite.

Nunca se fie pelas compras do casal em sua louca estreia. Assim que chegar a fatura do cartão de crédito, voltarão à realidade de suas economias.