"Ando no rastro dos poetas, porém descalça... Quero sentir as sensações que eles deixam por ai"



terça-feira, 27 de agosto de 2019


#dia do psicólogo

domingo, 25 de agosto de 2019



“Todos tem direito a fazer umas merdinhas na vida. 
Sem fazer merdas na vida, você não viveu, você só cumpriu o tempo.”



“A vida é um sopro – ou a falta dele.
Nesta madrugada, o coração de Fernanda parou 
enquanto ela buscava o ar. 
Justo neste momento, em que o mundo reivindica seu direito de respirar.
Saiu da vida como seu sobrenome. 
Escritora, poeta, roteirista, atriz, mulher, mãe, mãe, mãe, mãe.
Viveu arte, morreu metáfora.”



que fique muito
mal explicado
não faço força
para ser entendido
quem faz sentido
é soldado

__Carlos Moreira

#dia do soldado

entre o outono e a primavera



Ela conta os dias no calendário. Tem data marcada para tudo, agenda cheia, compromissos demais. E sempre sonha que a próxima primavera será tranquila.

Ela aprendeu todas as técnicas para ficar bem. Respirar, silenciar, meditar e conversar com o universo. Então chegou a segunda-feira e ela esqueceu tudo. O sono profundo se perdeu nas decisões que tinha que tomar e ela pulou cedo da cama para enfrentar a fauna toda; leões, mamutes, lobos e afins.

Decidida a fazer diferente ela insistiu. Tentou o plano A, o plano B, o plano C e o alfabeto todo. Na prática, planos e intenções esbarram na dura realidade dos dias comuns. E o resultado é uma exaustão de responsabilidades onde não dá para saber quem venceu ou perdeu.

Ela sonhou para dois, mas sobrou sozinha na execução. Criou expectativas onde não existiam perspectivas. Ilusão. Foi quando descobriu que estava só. Doeu. Então chorou,  juntou seus cacos, se escondeu atrás da roupa bem cortada e continuou andando. 

Cansada, enquanto caminha não percebe que vai deixando cair o encanto. E assim, cada dia mais desencantada, tenta reerguer algo que provavelmente já está morto.
Sua alegria de viver vem se perdendo na guerra diária dos dias comuns. Sem que ninguém perceba, seu brilho se apaga em prestações como as que ela paga todo mês. Fez mais que podia, fez mais que conseguia e acabou sentada no banco da praça esperando um trem que nunca passou.

Ela perdeu a vontade, perdeu a saudade e perdeu junto a esperança de que um dia as coisas sejam diferente. Acomodou-se e vem aprendendo a ser feliz por nada. Se nada mudou à sua volta, ela mudou o jeito de olhar para as mesmas coisas, todos os dias.
Descobriu a companhia das flores, dos livros, dos bichos e das estrelas. Descobriu-se no silêncio e no escuro. Nunca mais se sentiu só. Nunca mais precisou de migalhas do amor alheio.

Loucura é saber que ninguém percebeu a grande metamorfose que ela viveu. Loucura é saber que ela encontrou a sua essência. Loucura é entender que entre o outono e a primavera, cada um enfrenta seus invernos. São as nossas estações particulares, aquele tempo solitário e necessário para se chegar à estação das floradas.


Algumas pessoas gastam com generosidade e ficam cada vez mais ricas; outras são econômicas demais e acabam ficando cada vez mais pobres.
Quem é generoso progride na vida; quem ajuda será ajudado.

Provérbios 11:24-25 / NTLH

quarta-feira, 21 de agosto de 2019


#30 anos de falecimento de Raul Seixas

terça-feira, 20 de agosto de 2019



Que na esquina de todas as dores o amor seja o aconchego, o colo de que se necessita.
Que na travessia da solidão, haja o preenchimento de nós mesmos por dentro como a melhor companhia. 
Que não falte amparo quando o abraço esperado estiver longe. 
E que, na nossa rotina de dores e amores que ficam e vão, que mesmo com todas as lacunas e nãos, possamos cumprir, lindamente, nesta existência, a nossa missão.

honrar pai e mãe


“Pais bonzinhos são tão danosos quanto pais indiferentes: o amor não se compra com presentes, nem fingindo não saber, desviando o olhar quando ele devia estar vigilante”
Se as relações familiares não fossem intrinsecamente complicadas, não existiria o mandamento “Honrarás pai e mãe”. Comentário de grande sabedoria. Assunto inesgotável. Como educar, como cuidar neste mundo maravilhoso e tresloucado, com tanta sedução e tanta informação – um mundo no qual, sobretudo na juventude, nem sempre há o necessário discernimento para escolher bem?

Saber distinguir o melhor do pior, ser capaz de observar e argumentar, são o melhor legado que família e escola podem dar. Na família, fica abaixo só do afeto e da segurança emocional. Na escola, importa mais do que o acúmulo de informações e o espaço das brincadeiras, num sistema que aprendeu erroneamente que se deve ensinar como se o aluno não tivesse de aprender. Fora disso, meus caros, não há salvação. Isso e professores supervalorizados e bem pagos, escola para todos – não mais milhões de crianças e jovens em casas cujo pátio é barro misturado a esgoto, ou na rua, com o crack e a prostituição. Um ensino que dê muito e exija bastante: ou caímos na farra e no despreparo para a vida, que inclui graves decisões pessoais e um mercado de trabalho cruel.

Bem antes da escola vem o fundamental, o ambiente em casa, que marca o indivíduo pelo resto de sua jornada. Se esse ambiente for positivo, amoroso, a criança acreditará que amor e harmonia são possíveis, que ela pode ter e construir isso, e fará nesse sentido suas futuras escolhas pessoais. Se o clima for de ressentimento, frieza, mágoas ocultas e desejos negativos, o chão por onde o indivíduo vai caminhar será esburacado. Mais irá tropeçar, mais irá quebrar a cara e escolher para si mesmo o pior.

Dificuldades familiares não têm a ver só com o natural conflito de gerações, mas também com a atitude geral dos pais. Eles têm entre si uma relação de lealdade, carinho, alegria? São realmente interessados, tentam assumir suas responsabilidades grandes e difíceis? Foi-se o patriarcado, em que havia regras rígidas. Eu não quereria estar na pele dos infratores de então, os filhos que ousavam discordar. Em lugar da anterior rigidez e distância, estabeleceu-se a alegre bagunça, com mais demonstrações de afeto, mais liberdade, mais respeito pelas individualidades – muitas vezes com resultados dramáticos. Lembro a frase que já escrevi nesta coluna, do psicólogo que me revelou: “A maior parte dos jovens perturbados que atendo não tem em casa pai e mãe, tem um gatão e uma gatinha”. Talvez tenham uma mãe que não troca cabeleireiro e academia por horas de afeto com os filhos, ou um pai que corre atrás do dinheiro necessário para manter a família acima de suas possibilidades, por ilusão sua ou desejo de status de uma mulher frívola.

Crianças de 11 anos frequentam festinhas em que rola o inenarrável: onde estão pai e mãe? Adolescentezinhos rodam de madrugada pelas ruas, dirigindo bêbados ou drogados: onde estão pai e mãe? Quase crianças passam fins de semana em casas de serra e praia reais ou fictícios, com adultos irresponsáveis ou só entre outras crianças, transando precocemente, drogando-se, engravidando, semeando infelicidade, culpa, desorientação pela vida afora. Onde estão os pais?

Ter filho é talvez a maior fonte de alegria, mas também é ser responsável, ah sim! Nisso sou rigorosa e pouco simpática, eu sei. Esse é o dilema fundamental numa sociedade que prega a liberalidade, o “divirta-se”, o “cada um na sua”, como num pré-apocalipse. Mais grave ainda num momento em que a honradez de figuras públicas (que deveriam ser nossos guias e modelos) é quase uma extravagância. Pais bonzinhos são tão danosos quanto pais indiferentes: o amor não se compra com presentes, nem permitindo tudo, nem fingindo não saber ou não querendo saber, muito menos desviando o olhar quando ele devia estar vigilante. Quem ama cuida: velho princípio inegável, incontornável e imortal, tantas vezes violado.



Quem age com bondade faz bem a si mesmo e quem pratica a maldade acaba se prejudicando.

Provérbios 11:17 / NTLH

quarta-feira, 14 de agosto de 2019


Virar mãe de nossas mães talvez seja uma das experiências mais dolorosas da vida. Nada, mas nada mesmo, nos prepara pra isso. Passar a ser a protetora de quem nos protegia, assumir a tutela de quem nos amparava: é todo um script que tem de ser refeito, todo um roteiro a ser recriado.

Eu acompanhei a perda gradual de lucidez da minha mãe.

E quantas mulheres passam por essa orfandade precoce, esse ensaio da perda, ou essa morte antes da morte, quando tudo em nós diz que ainda somos filhas.

Nunca vou me esquecer de uma tarde em que eu estava lendo no quarto da minha mãe e ela pediu que buscasse um café na cozinha. Quando voltei com a xícara de café, ela estava chorando, aquele choro que faz sacudir o corpo todo, e começou a me perguntar repetidamente onde é que a gente estava, que lugar era aquele que ela não conhecia, e me pedia, com uma tristeza tão profunda que parecia uma dor física: “Me leva para a minha casa, minha filha… Me tira daqui…”. Eu explicava que ali era a casa dela, mas não adiantava.

Aí, tentei dizer que mais tarde eu levaria, mas, com a tristeza cortante na voz, ela voltava a pedir: “Me leva agora… Eu não aguento mais ficar aqui”.

Ela queria uma casa que já não existia. Eu queria a mãe que já não havia. E ficamos ali chorando, as duas, desconsertadas e impotentes diante do que não fazia sentido, ensaiando palavras que não diziam nada e depois nos encontrando no silêncio.

Se for descrever nosso cotidiano: pentear seus cabelos, convencê-la a trocar o vestido com manchas de café, lembrar a hora de tomar o remédio, lembrá-la de sentir sede, lembrar o aniversário dos filhos e o próprio aniversário, lembrar, lembrar… E eu me obrigava a esquecer que ainda precisava tanto dela, que suas palavras, sempre precisas e justas, tinham deixado de pontuar minha vida e que sem elas eu me via sem mapa e sem rumo.

Ah, que falta ela já me fazia então e que falta que ela me faz hoje…

Não consegui desaprender o papel de filha a tempo e hoje tenho saudades de ser, a um só tempo, sua filha e sua mãe. Já peguei o telefone tantas vezes para falar com ela depois que ela se foi. Já entrei numa loja de aeroporto para comprar um presente para ela e saí atordoada quando me lembrei que já não haveria presentes. Penso em contar tantas coisas para ela. Seria tão bom estarmos juntas…

Ah, as perdas nos deixam sem ar, sem ter onde pisar – e dói o mesmo tanto perder o que tivemos e o que nunca chegamos a ter. Uma perda nos arranca o passado. A outra nos rouba o que viria. Resta o presente, claro, e é nele que temos que viver.

Aproveitar o momento, como a Erma Bombeck* aconselhava. Raspar o prato da sobremesa no jantar do Titanic.

Minha mãe está me olhando, de onde estiver. Voltou a ser mãe, tenho certeza, e vai me ajudar a encontrar o caminho.

[ Crônica de uma filha que perdeu a mãe para o Alzheimer
Trecho do livro “Que ninguém nos ouça”, de Leila Ferreira e Chris Guerra ]

* Erma foi uma escritora americana (1927-1996)




Portanto, não pensem que foi com a sua própria força e com o seu trabalho que vocês conseguiram todas essas riquezas. Lembrem do Senhor, nosso Deus, pois é ele quem lhes dá força para poderem conseguir riquezas. Vocês estão vendo que assim ele está cumprindo a aliança feita por meio de juramento com os nossos antepassados.

Deuteronômio 8:17-18 / NTLH

terça-feira, 13 de agosto de 2019



feliz aniversário, Dona Joaquina!
45 anos bem vividos...

domingo, 11 de agosto de 2019


Não é a quantidade de dias dos pais que passamos juntos.
É a quantidade de dias comuns.


Feliz dia aos que fazem jus a esse papel lindo de ser pai!

“contrato entre pai e filho”



O presente contrato visa acordo entre as seguintes partes: o pequeno ser que veio ao mundo chorando e que foi cuidado carinhosamente desde o nascimento até a presente data, doravante denominado FILHO (A); e aquele que dedicou sua vida a cuidar e amar os seus descendentes, doravante denominado PAI.

Fica através deste acordado que todo filho tem o direito de admirar seu pai e brilhar os olhos quando este chega do trabalho. É direito do filho exigir abraços longos e apertados; dormir em cima da barriga do pai nos finais de semana; abrir todos os seus sentimentos quando estiverem presos no engarrafamento; pedir para comprar todos os produtos que apareçam no seu campo de visão quando estiverem no shopping. Ao pai, fica assegurado o direito de dizer que está sem dinheiro.

É direito constituído ao filho reclamar, chorar por qualquer coisa, dizer que ninguém o entende e passar por uma fase difícil durante a adolescência. Fica assegurado ao pai o direito de colocar o filho de castigo e tirar dele o celular, mesmo sabendo que tais atitudes acentuarão os efeitos descritos na abertura deste parágrafo. Ao filho, cabe se arrepender depois de velho e declarar, mesmo que de maneira informal, “agora eu entendo meu pai”.

Fica assegurado o direito de todo pai passear com seu filho de mão dada. Todo pai tem o direito de dizer “eu te amo” em qualquer hora, local e situação. Todo pai tem direito a fazer cócegas na barriga da filha. Todo pai tem o direito de chorar nas apresentações escolares. Todo pai tem o direito de ser maquiado pela filha em um sábado à tarde. Todo pai tem o direito de imitar o lobo mau em restaurantes e correr atrás das crianças. Parágrafo único: objetos quebrados durante as brincadeiras deverão ser repostos.

Fica acordado que pai e filho nunca se separarão. Nunca brigarão pra sempre. Nunca dirão adeus. Nunca morrerão. Mediante viabilidade científica, fica garantida vida eterna, próspera e saudável para pais e filhos. Que se amem pra sempre e sejam felizes.

E por estarem assim justos e acordados, assinam em pensamento o presente contrato.


#dia do advogado


Ainda que as figueiras não produzam frutas,
e as parreiras não deem uvas;
ainda que não haja azeitonas para apanhar
nem trigo para colher;
ainda que não haja mais ovelhas nos campos
nem gado nos currais,
mesmo assim eu darei graças ao Senhor
e louvarei a Deus, o meu Salvador.

Habacuque 3:17-18 / NTLH

terça-feira, 6 de agosto de 2019

sem resposta



Eu procurava respostas para as minhas tantas perguntas. Procurei nos livros, devorei cada um deles como se eles fossem um prato suculento de aprendizado. E ainda que eles (os livros) fossem realmente esse prato de conhecimento, minhas perguntas continuavam sem respostas.

Viajei, atravessei os portões do meu país e conheci outras culturas. Povos sábios, povos ricos, educados e civilizados, bem mais que eu. Eles me pareciam felizes, mas ainda assim aquela felicidade não respondia às minhas perguntas.

E então recorri à tecnologia, à psicologia, à terapia e todas as “ias” que surgiram ao meu redor. Confesso que respondi muitas das minhas perguntas, mas para meu desespero, outras tantas surgiram. E quanto mais eu procurava respostas, mais encontrava novas perguntas.

Perguntei aos astros, perguntei ao céu. Perguntei a Deus, aos anjos e a diversos Santos que eu sequer sabia quem foram. Debulhei meu terço e aguardei na janela as respostas que nunca chegaram.

Foi aí que eu percebi que quem me moveu até aqui, sempre foram minhas perguntas. As respostas estão no caminho e, mais cedo ou mais tarde, se apresentarão para cada um de nós. Todas as minhas perguntas haviam sido respondidas no dia certo e do jeito certo. Eu é que tive dificuldade de aceitar e compreender as respostas que não correspondiam às minhas expectativas.

Hoje coleciono dúvidas, digo que “não sei”, acredito que ainda posso aprender e sigo na certeza de que tudo será respondido a seu modo. Simples assim!


depois que ela se vai



Oba, amanhã é dia de faxina! Esse é o comentário entusiasmado de quem deixou 17 copos sujos na pia, de quem não se deu o trabalho de desvirar o vaso de terra que foi derrubado pelo gato no tapete da sala, de quem deixou marcas de dedos no vidro da janela e o pó acumulando no canto dos móveis.

Oba, amanhã é dia de faxina! É o brado dos que largam jornal velho na área de serviço, dos que varrem os farelos do pão pra baixo do balcão da cozinha e dos que não passam nem um papel toalha no fogão depois de um fim de semana de frituras.

Oba, amanhã é dia de faxina, diz o dono de um sobrado num domingo à noite, ao perceber a semelhança do seu pátio com uma avenida após a passagem de um bloco de Carnaval. Oba, amanhã é dia de faxina, exclamam duas preguiçosas que dividem um apê e que não largam o celular nem para recolher os fios de cabelo grudados no ralo do box ou para procurar a tarraxinha do brinco que escorregou para baixo da cama. Uma faxineira na segunda-feira equivale a uma fada madrinha, a uma visita de Nossa Senhora.

Medo! Amanhã é dia de faxina!

Medo? Também. A impecável faxineira deixará tudo brilhando, sem vestígios do churrasco que o patrão fez para 20 amigos e sem vestígio do desleixo das duas molengas que não levantaram da cama no domingo. A faxineira encontrará a tarraxinha e deixará o apartamento um brinco. Ficará tudo tinindo e fora de lugar. É esse o drama: depois que ela se vai, a casa parece outra.

Você retorna à tardinha, depois de um dia de trabalho, e está tudo quieto. O desengordurante com aroma de flores silvestres deixou um cheirinho de limpeza no ar, mas o caderno de anotações em cima da sua escrivaninha desapareceu. O porta-retratos com a foto da sua mãe estará na quinta prateleira da estante e não na terceira. Sua pedra espetacular trazida do Marrocos foi jogada no lixo. Os fios do seu equipamento de som foram desconectados - nem o cabo do seu roteador escapou, você está offline.

As fronhas foram colocadas do lado invertido, os copos foram guardados em algum lugar misterioso, os tapetes estão trocados e sua escultura do Buda foi parar no hall de entrada - ficou melhor ali, admita: sua funcionária tem tino para decoração.

Oba, faxina! Exclamação dos que ainda podem se dar ao luxo dessa ajuda. Mas o medo ronda aqueles que sofrem ao perceber que a caixa de fósforos não estará na gaveta habitual, que não suportam ver seus livros dispostos de outro jeito, que ficam fulos ao ver que o violão foi colocado no armário em vez de encostado na parede. Cadê o respeito pela nossa bagunça tão familiar? Quem somos nós sem nossos desarranjos? Quem pode compreender a ordem da nossa desordem? Não é hora de filosofar, e sim de descobrir onde a maluca enfiou o gato.



O Senhor Deus é a minha força.
Ele torna o meu andar firme
como o de uma corça
e me leva para as montanhas,
onde estarei seguro.

Habacuque 3:19 / NTLH

segunda-feira, 5 de agosto de 2019

“agosto


Lembro-me bem. Foi quando julho se foi, que um vento mais gelado, mais destemperado, que arrastava ainda folhas deixadas pelo outono, me disse algumas verdades. Convenceu-me de que o céu começaria a apresentar metamorfoses avermelhadas. Que a poeira levantada por ele daria lições de que as coisas nem sempre ficam no mesmo lugar e que é preciso aceitar que a poeira só assenta depois que os redemoinhos se vão.

Foi quando julho se foi que a minha solidão me convidou para uma conversa. E me contou de tempo de esperas. E me disse que o barulho das árvores tinha algo a dizer sobre aceitação. E eu fiquei pensando como elas, as árvores, aceitam as estações que, se as estremecem, também lhes florescem os galhos. Mas tudo a seu tempo. Foi em agosto que descobri que os cachorros loucos são, na verdade, os uivos que não lançamos ao vento. São nossos estremecimentos particulares que a nossa rigidez de certezas não nos permite encarar.

O mês de agosto tem muito a ensinar. Porque agosto é mês jardineiro, é dentro dele, berço do inverno, que as sementes dormem. Aguardam seu tempo de brotar. Agosto é guardador da boa-nova, preparador de flores. Agosto é quando Deus deixa a natureza traduzir visivelmente o tempo das mutações.

Mude, diz agosto, em seu recado de sementes. Aceite, diz agosto, com seu jeito frio de vento que levanta poeira e a faz avermelhar o céu. Compartilhe, diz agosto. Agasalhos, sopas quentinhas, cafés com chocolate, abraços mais apertados – eles também aquecem a alma e aninham o corpo. Distribua mais afetos, que inverno é acolhimento, é tempo de preparar setembro. E, de setembro, todos sabemos o que esperar. Esperamos a arrebentação das cores, que com seus mais variados nomes vêm em forma de flores.

Vamos apreciar agosto, recebê-lo com o espanto feliz de quem não desafia ventos. Que ele desarrume e espalhe suas folhas e levante suas poeiras.

Aceite as esperas, mas coloque floreiras na janela.

Só quem vive bem os agostos é merecedor da primavera!

Miryan Lucy de Rezende