Ela conta os dias no
calendário. Tem data marcada para tudo, agenda cheia, compromissos demais. E
sempre sonha que a próxima primavera será tranquila.
Ela aprendeu todas as
técnicas para ficar bem. Respirar, silenciar, meditar e conversar com o
universo. Então chegou a segunda-feira e ela esqueceu tudo. O sono profundo se
perdeu nas decisões que tinha que tomar e ela pulou cedo da cama para enfrentar
a fauna toda; leões, mamutes, lobos e afins.
Decidida a fazer
diferente ela insistiu. Tentou o plano A, o plano B, o plano C e o alfabeto
todo. Na prática, planos e intenções esbarram na dura realidade dos dias
comuns. E o resultado é uma exaustão de responsabilidades onde não dá para
saber quem venceu ou perdeu.
Ela sonhou para dois, mas
sobrou sozinha na execução. Criou expectativas onde não existiam perspectivas.
Ilusão. Foi quando descobriu que estava só. Doeu. Então chorou, juntou seus cacos, se escondeu atrás da roupa
bem cortada e continuou andando.
Cansada, enquanto caminha não percebe que vai
deixando cair o encanto. E assim, cada dia mais desencantada, tenta reerguer
algo que provavelmente já está morto.
Sua alegria de viver vem
se perdendo na guerra diária dos dias comuns. Sem que ninguém perceba, seu
brilho se apaga em prestações como as que ela paga todo mês. Fez mais que
podia, fez mais que conseguia e acabou sentada no banco da praça esperando um
trem que nunca passou.
Ela perdeu a vontade,
perdeu a saudade e perdeu junto a esperança de que um dia as coisas sejam
diferente. Acomodou-se e vem aprendendo a ser feliz por nada. Se nada mudou à
sua volta, ela mudou o jeito de olhar para as mesmas coisas, todos os dias.
Descobriu a companhia das
flores, dos livros, dos bichos e das estrelas. Descobriu-se no silêncio e no
escuro. Nunca mais se sentiu só. Nunca mais precisou de migalhas do amor alheio.
Loucura é saber que
ninguém percebeu a grande metamorfose que ela viveu. Loucura é saber que ela
encontrou a sua essência. Loucura é entender que entre o outono e a primavera,
cada um enfrenta seus invernos. São as nossas estações particulares, aquele
tempo solitário e necessário para se chegar à estação das floradas.