domingo, 28 de março de 2021
os bonzinhos
Não, não quero que me
julguem boazinha. Nem em criança eu quis ser, embora tanto me exortassem, seja
uma menina boazinha, fique quieta, não pergunte tanto, não corra tanto, não
sonhe tanto, não desobedeça tanto... Eu achava os bonzinhos chatos, mas também
não queria ser das piores.
Não sabia o que queria, e nem sei se hoje, tanto tempo depois, eu sei. Lembro de meu pai, quando lhe perguntávamos: “Pai, você quer alguma coisa?”. A resposta era bem-humorada: “Quero o meu sossego”.
Talvez seja isso que eu
queira, embora há um ano exato em casa, por ser de alto risco, e por querer
respeitar essa norma chata mas essencial, o meu sossego, embora tenha sossego
demais. Concretamente talvez, mas a cabeça gira em conflitos, perplexidades,
intervalos de paz. O que vai ser de nós se as coisas não mudarem depressinha
para melhor? Há quem me elogie quando sou mais sincera, há quem julgue que eu
devia “espalhar felicidade e esperança”... e lograr meus leitores, meus amigos
imaginários, tão presentes na minha vida?
Não creio que otimismo
demasiado seja uma boa arma nesta hora, que, com a quantidade de mortos, e a
pouca perspectiva concreta, está mais para macabra do que felizinha. O meu
recado deve ser entendido como CUIDE-SE.
Desde que comecei a
escrever crônica de jornal e artigo de revista, e novamente crônica de jornal,
tive o sentimento de que, se tenho voz, devo usá-la para algum fim realista:
seja em poemas, seja em prosa, seja falando de amenidades, seja de assuntos
como este momento de carnificina, cinismo, insanidade e perplexidade.
Então lá vamos nós, neste
abre-e-fecha, faz-não-faz, pode-não-pode, morre-não-morre - mas pode ficar
sequelado. Um dos meus mais amados amigos, fraterno, brilhante, generoso, ficou
entubado meses, voltou para casa, com cuidadores, mas, me disse um deles outro
dia, “nunca mais será o mesmo, aquele que a senhora conheceu não existe mais”.
E chorei por um morto ainda vivo, tão importante para mim e muitos.
Recebemos ordens
contrárias, ou vagas, ou que a toda hora mudam, e assim facilitam a
desobediência. Se ele não faz, por que eu tenho de fazer? Por que eu tenho de
me privar, de sofrer? Porque de verdade é sofrimento, por exemplo, afastar-se
da família. Meus sete netos e netas, mais a esposa de um deles, portanto oito,
são uma de minhas maiores alegrias. Dia em que um vem almoçar, outro também, as
presenças jovens, bonitas e amorosas, a amizade dos filhos, iluminam a casa, e
a vida de alguém para quem família sempre esteve acima de tudo, mesmo quando
falhei, bobeei, sei lá.
Está ruim, está chato,
está cada vez mais assustador, e assustadoramente impreciso. O jeito é ficar
quieto quando se pode, sair e trabalhar com o maior cuidado do mundo, sentir as
mãos secas de tanto álcool, ter vontade de pular pela janela e voar nas nuvens,
ou como disse uma amiga, praticar salto com vara quando era proibido pisar na
areia, mas permitido banho de mar. E não me conformo com a expressão “distanciamento
social”. Sugere distância entre classes sociais, não é?
Palavras... importam.
sábado, 27 de março de 2021
“Como não ter Deus?
Com Deus existindo, tudo dá esperança: sempre um milagre é possível, o mundo se resolve.
Mas, se não tem Deus, há-de a gente perdidos no vai-vem, e a vida é burra. É o aberto perigo das grandes e pequenas horas, não se podendo facilitar, é todos contra os acasos.
Tendo Deus, é menos grave se descuidar um
pouquinho, pois no fim dá certo.”
flower power
Em meio ao desespero
pandêmico, foi baixado um decreto autorizando supermercados gaúchos a venderem
apenas produtos essenciais - o que fosse supérfluo deveria ser coberto por um
plástico ou qualquer outra coisa que impedisse o acesso dos fregueses. Entre os
supérfluos, estavam equipamentos de áudio e vídeo, eletrodomésticos, presentes,
artigos de decoração e flores.
Junte 10 pessoas
(hipoteticamente, por favor) e pergunte o que é essencial a elas, e você
escutará 10 respostas diferentes. Gestantes, veganos, freiras, nutricionistas,
executivos, diabéticos, modelos - cada um elegerá o seu fundamental, seja
alimento ou objeto. Isso sem citar o que nos é indispensável ao espírito: amor,
fé, amigos, sol, arte - o verdadeiro império dos sentidos, sem os quais nem
vale a pena levantar da cama de manhã.
Este longo preâmbulo é
para dizer que costumo comprar flores no súper e só não fiquei nervosa com o
novo decreto porque dias antes havia investido em orquídeas e elas duram
bastante. Não sei como estão as coisas hoje. Os protocolos mudam tão rápido que
talvez as floriculturas estejam abertas enquanto você lê este texto, e os
supermercados estejam novamente comercializando astromélias, antúrios,
margaridas. Não podemos comê-las, não são produtos de limpeza nem contribuem
para a higiene pessoal, então seriam essenciais por quê?
Não pergunte a quem
prescinde delas. Pergunte a quem, como eu, rastreia com o olhar qualquer
ambiente, não em busca de um Van Gogh na parede, mas de um girassol junto à
janela. Nasci nos anos 60, fui adolescente nos 70, tenho com o flower power uma
relação de paz e amor que vai além das frases de camiseta. Nunca morei em casa,
sempre em apartamento, e na falta de um jardim, trazia da rua qualquer pequena
espécie que tivesse pétala, caule, cor.
Quando fui morar sozinha,
aos 20 e poucos, o dinheiro era contado, e entre leite e flor, comprava flor,
nem que fosse uma violeta. Nunca tive nenhuma inclinação para a botânica, nem
muito natureba eu sou, mas não lembro de nenhum momento em que as flores não me
tivessem sido essenciais como representação de vida, de apreço ao belo, ao
simples, à consciência dos ciclos: murchar e florescer, uma constância.
Compreendo perfeitamente a importância delas num cemitério.
Os anos de paz e amor
terminaram. Estamos vivendo num mundo doente, raivoso, violento. Nunca foi tão
necessário contra-atacar com o alaranjado de uma gérbera, com uma azaleia cor
de fúcsia, com o perfume de uma dama da noite, com um lírio branco e sua
elegância, com buquês que declaram paixões, que pedem desculpas, que celebram
aniversários, com flores valentes que nascem em meio às lajotas das calçadas ou
entre as pedras de um muro e que, silenciosamente, imploram: basta.
saudade do arrepio
O sofrimento vem sendo
tão constante, o pânico tão rotineiro, que não temos mais sentido o arrepio. E
não me refiro ao calafrio da doença, da febre, da COVID, mas ao calafrio da
saúde e da leveza, da surpresa e do arrebatamento.
Neste um ano de pandemia,
ficamos no nosso modo de sobrevivência, orbitando entre os extremos da emoção.
A alegria, quando surge, se resume a descarga e alívio; a tristeza, quando
aparece, resulta concentrada e inconsolável.
Se o luto não é nosso, é
próximo. Se não é de um parente, é de um amigo, de um colega, de um vizinho do
prédio.
Vestimos uma couraça de
proteção, de embotamento, destinados a nos isolar e a nos resguardar do
convívio.
Estamos transformados em
répteis, revestidos das escamas do medo, para aguentar a sucessão de más
notícias.
Não houve mais condições
para se arrepiar. Não houve mais normalidade para se arrepiar. O arrepio da
beleza. O arrepio da paixão. O arrepio das palavras encantadoras. O arrepio das
juras de amor. O arrepio da brisa marinha. O arrepio da delicadeza. O arrepio
da sensualidade. O arrepio de se ver seguro e confiante para se entregar de
verdade.
O arrepio depende de
nossa disponibilidade para ouvir e se mostrar presente, requer uma completa
vulnerabilidade.
Como o tempo parou, como
o cotidiano cessou, como experimentamos uma espera angustiante de uma salvação
para poder sair novamente das cavernas, não existe mais esse estremecimento
contente, essa ondulação vibratória de carinho.
O arrepio só acontece na
felicidade. Os poros vulcânicos se dilatam numa erupção da nossa sensibilidade.
Ninguém pode mentir que não se encontra arrepiado. É uma comoção visível aos
olhos, que se espalha pela pele, que corre por todo o corpo, pela bicicleta do
sangue.
De tanto morrer nos
últimos doze meses, esquecemos de nos arrepiar. Até entendo a sua ausência, a
nossa saudade desse frágil e inefável bem-estar: o arrepio é a nossa excitação
pela vida.
domingo, 14 de março de 2021
quem vê máscara vê coração
Agora é oficial. Diante
de tudo o que está acontecendo, quem não usa máscara bom sujeito não é.
Ou é ruim da cabeça ou só é ruim, mesmo. Toma tenência, demonho.
Pior que a gente continua
vendo muitos e muitas sem máscara por aí. Até então, eu pensava que correr sem
ela era a única situação aceitável. Quem tenta manter a sanidade na solidão do
seu esporte sabe que correr de máscara é dose - ainda que não seja insuportável.
Mas uma reportagem publicada nessa semana (veja em gzh.rs/exerciciosrua) me fez
ver que eu estava dando uma de tia do Zap. A máscara é, sim, obrigatória
enquanto você corre. Ou caminha ou pedala ou se exercita ao ar livre.
Atividades, segundo a matéria, recomendadas nesses tempos de confinamento,
desde que de máscara e com a devida higienização de mãos, corpos e roupas ao
voltar para casa.
Faz sentido quando se
sabe que a máscara reduz em 87% a chance de contrair covid-19.
Lembra do anúncio de cartão
de crédito, não saia de casa sem ele? Hoje em dia, melhor sair sem o cartão do
que sem a máscara.
Sou da ala que sai
pouquíssimo, sempre com fins utilitários. Em geral para ir ao supermercado,
porque nem sempre dá para pedir tudo online. Nessas poucas escapadas,
independentemente do supermercado a que for, os taxistas do ponto - qualquer
ponto - quase sempre estão aguardando seus clientes fora dos carros,
conversando sem máscara. Opinião: é o maior espanta freguês que existe. Quem
quer ficar dentro de um táxi com um motorista que, minutos antes, estava livre,
leve e solto, ao alcance dos perdigotos?
Uns chamam de paranóia.
Eu chamo de propaganda errada em tempos de clientes escassos.
Há um ano, quando tudo
começou e a gente ainda se iludia com a ideia de que logo a normalidade estaria
de volta, as crianças não usavam máscaras. Iam pela mão de seus pais mascarados
com a cara no sol e no vento, como deve ser. Até isso mudou. Hoje você vê
aqueles toquinhos de máscara de bichinho, de herói, de heroína, e dá um aperto.
Assim como a gente contou para os filhos que, um dia, as crianças brincavam na
rua sem medo, os nossos filhos vão contar para os filhos deles que, um dia, as
crianças brincavam sem medo e sem máscara.
E é isso ou o vírus vai
continuar se transmitindo e lotando as UTIs e aumentando a contagem dos mortos.
Porque a vacina, meus queridos, essa vai demorar. Custa cada um colaborar?
Enquanto tantos se
recusam a um cuidado tão simples, vou seguir aqui, martelando.
Água mole em cabeça dura
tanto bate até que fura.
Antes só do que mal
acompanhado por alguém sem máscara.
Não deixe para amanhã a
máscara que você pode usar hoje.
Quem avisa sobre a
máscara amigo é.
Quem tem máscara vai a
Roma.
Uma máscara vale mais do
que mil palavras.
Quem vê máscara vê
coração. E, se não vê, é porque a coisa é feia.
No caso, o coração.
Claudia Tajes
minhas influenciadoras
Estamos no mês da Mulher
e eu, que em outros tempos já demonizei a data, hoje reconheço que é mais uma
oportunidade para reafirmar nossos valores, denunciar abusos e homenagear as
mulheres que abriram caminhos para nós. Mães, avós e professoras iniciaram
nossa formatação, mas não foram as únicas. Você teve suas desbravadoras, eu
tive as minhas.
Não seria quem sou se
Rita Lee não tivesse me dado colo nas vezes em que me considerei a ovelha negra
da família (quem nunca?). Se Marília Gabriela não transformasse suas
entrevistas em sessões de psicanálise, sempre mantendo a classe e a firmeza
diante de qualquer entrevistado. Se não contássemos com o gigantismo sereno de
Fernanda Montenegro, nosso farol. Se Marina Colasanti não tivesse escrito A
Nova Mulher e Mulher Daqui Pra Frente, dois livros que foram a minha bíblia: me
abriram os olhos sobre a importância da independência feminina e revelaram a
aventura que estaria ao meu alcance, se eu ousasse sair da bolha.
Não seria quem sou se não
tivesse recebido o apoio, no início da minha carreira literária, em Porto
Alegre, de Tania Carvalho, Lya Luft e Irene Brietzke. Se não tivesse conhecido
a obra de Maria Adelaide Amaral, se Elisa Lucinda não tivesse me envolvido com
a intensidade de sua poesia, se Leila Ferreira não tivesse me ajudado a dar um
cavalo de pau numa dor de estimação, se Isa Pessoa não tivesse editado o Divã e
se grandes atrizes como Lilia Cabral, Cissa Guimarães, Ana Beatriz Nogueira,
Cristiana Oliveira e Julia Lemmertz não tivessem dado voz e graça às minhas
palavras no palco - há outras, são muitas, um grande elenco.
De repente, a pandemia. O
estupor. Mas o mundo não parou. Hoje, mantenho a busca por mais consciência e
representatividade através do trabalho de Eliane Brum, Djamila Ribeiro, Teresa
Cristina, Zélia Duncan, Luiza Trajano e outras grandes artistas, filósofas,
jornalistas, empreendedoras. Não faltam mulheres atentas ao momento presente e
que estão sempre nos incentivando a ser mais atuantes. Nada contra seguir
perfis de influenciadoras de moda, maquiagem, musas fitness - ser vaidosa é
saudável, mas a cabeça continua sendo nossa bússola e força: sem lucidez, pouco
adianta o cabelo, o botox, a magreza.
Amo os homens da minha
vida e devo muito a eles também, mas é uma mulher que inspira outra mulher a
crescer, a evoluir e a realizar seus desejos. Nesse time, incluo minhas duas
filhas, que antes dos 30 já me ofertam o seu melhor, um olhar aberto e renovado,
estimulando que eu enxergue esse planeta com amplitude, e não com visibilidade
restringida. Que todas as mulheres encontrem o seu lugar, apoiando-se em
exemplos notáveis - e de mãos dadas com a coragem, nossa melhor amiga.
sábado, 13 de março de 2021
uma bandeira destruída
Não sou de me ufanar, mas
é difícil segurar a emoção quando vejo um atleta receber uma medalha olímpica
enquanto nosso hino toca e a bandeira do país é hasteada. Nesses momentos, sou
tomada de um orgulho raro, já que são poucas as vitórias do Brasil e muitas as
suas derrotas. Uma delas foi quando permitimos que um bando de alucinados
tomassem a nossa bandeira como símbolo de sua ignorância e desse governo que de
patriota não tem nada.
Arredondando, foram 57
milhões de pessoas que votaram neste homem que aí está. É muita gente, e entre
elas estão os que votaram por identificação e com os quais não há o que
conversar, é um voto autoexplicativo que tende a se repetir.
No entanto, há milhões de
homens e mulheres corretos, sensatos, de boa índole, que não desejaram votar
nele, mas que entraram na onda de blindar a esquerda a qualquer custo,
preferindo apostar em terra arrasada. Não são homofóbicos, nem racistas, nem
fascistas, nem milicianos, nem fanáticos religiosos. São boas pessoas que,
embalados pelo endeusamento do Moro (pois é) e por medo do socialismo (!),
deram seu voto a uma criatura que torceram para que fosse apenas um bravateiro,
enquanto tapavam o nariz.
Dois anos de nariz tapado
deu em asfixia, não só metafórica. Os que tentaram evitar o cheiro de podre que
viria do Planalto contribuíram para que hoje contabilizemos uma quantidade
trágica de vítimas do coronavírus, esgotando os profissionais de saúde e a
capacidade de atendimento dos hospitais. Não quiseram enxergar o que era
nítido, transparente, perceptível. Não houve enganação: ele nunca fingiu que
era outra coisa que não um homem sem responsabilidade social, sem ideias, sem
projeto, sem visão de mundo, sem cultura, sem compaixão, sem educação, sem
inteligência, sem humor, sem amigos. Todos pressentiram o perigo, mas taparam o
nariz, fecharam os olhos e cá estamos.
Nossa bandeira foi
desonrada por quem não tem compromisso com o país. Nossa bandeira virou símbolo
de desrespeito à nação, uma contradição que só mesmo amalucados conseguem
promover. O presidente não usa máscara, despreza a vacina, dá péssimos exemplos
e ergue a bandeira como se amasse os brasileiros. Só uma curriola fanática
ainda diz amém.
Esses estão abduzidos,
mas se você foi um dos que votou tapando o nariz dois anos atrás, tem o dever
cívico de ajudar o Brasil a respirar melhor e a recuperar o orgulho pátrio. É
hora de construirmos uma transição para longe de quem transformou nossa bandeira
num trapo sujo. Em qualquer governo, de qualquer país, coisas dão certo e dão
errado, mas o que está acontecendo conosco não se enquadra em certo e errado. É
uma monstruosidade que temos, juntos, a obrigação de reparar.
Um agradecimento muito
especial
de Max Lucado
Olá, trabalhador(a) da
linha de frente. Posso ter uma palavrinha com você? Olá, médico, enfermeira(o),
técnico de enfermagem e assistente. Alguma chance de chamar sua atenção por
apenas alguns minutos? Serei breve. Eu prometo. Não é que eu não tenha tempo,
tenho muito. Graças a você. É você quem trabalha no limite. Você é aquele(a)
sem sono. Você é aquele(a) que passou o Natal fazendo rondas e a véspera de Ano
Novo admitindo pacientes. Você é quem merece uma medalha, um desfile, umas
férias de seis meses em um paraíso tropical.
Mas isso não vai
acontecer, não é? Outra onda, é isso que está vindo. Dizem que o próximo mês
será o pior até agora. Eles estão chamando pessoas como eu, pedindo-nos para
ficar em casa. Aposto que você gostaria que alguém lhe dissesse para ficar em
casa. Eles não. Eles não vão. Hospitais estão lotados. As equipes estão sobrecarregadas.
Os orçamentos estão estourados. E meu obrigado, nosso agradecimento a você está
atrasado.
Então aqui está - do meu
coração para o seu, dos nossos corações para os seus -, obrigado.
Eu ouvi um de vocês
expressar tristeza. Em uma entrevista, você lamentou não ter feito mais. Você
sufocou as lágrimas, engoliu seco e lamentou que tantas pessoas tivessem
morrido de COVID no seu plantão. Oh, querida amiga. Eu queria entrar na tela da
TV e com meu abraço acabar com o seu arrependimento.
Por favor, me ouça. Você
não tem nada pelo que se desculpar. Você fez bem. Muito bem. Na verdade, vocês
são os heróis e as heroínas. A sociedade ficou maluca. Os políticos têm sido
cafonas. E você? Você passou doze rodadas com um vírus de peso pesado como
nunca vimos. No entanto, você continua dando socos. Derrubada? Sim, mas se
recuperou? Sempre. Você continua voltando para o ringue.
Quantos corpos você
carregou em macas? Quantas vezes você já segurou o telefone próximo ao ouvido
de um doente? Quantas vezes você segurou a mão de um moribundo porque não
conseguia suportar a ideia de alguém morrendo sozinho? Quantas vezes você
desabou em sua cama com uma necessidade desesperadora de dormir, mas totalmente
incapaz de dormir por causa das imagens em sua mente?
Quantos testes você
administrou? Máscaras que você usou? Veículos de emergência que você dirigiu?
Você empurrou cadeiras de rodas? Você já encheu bandejas de comida? Você limpou
o chão do hospital? Quantas decisões de vida ou morte que você fez?
Você não tem como saber,
não é? É tudo um borrão. Você não sabe. Mas Deus sabe. Um dos meus versículos
bíblicos favoritos está escondido em um lindo livro chamado Hebreus. Nele, o
escritor encoraja seus leitores dizendo: “Deus é justo; ele não se esquecerá do
trabalho que você fez e do amor que demonstrou por ele ajudando seu povo. E ele
se lembrará de que você ainda os está ajudando. ” (Hebreus 6:10 NCV)
Deus não se esquecerá do
trabalho que você fez. Você irá. Você não tem o luxo ou desejo de manter uma
lista de suas boas ações. Mas Deus sabe. E Deus vai. Ele não vai esquecer o
trabalho que você fez. Por quê? Porque ao ajudá-los, você O está amando. E seu
Pai celestial está prestando atenção.
Nós somos também. Nós
estamos tão orgulhosos de você. Nós precisamos de você. Esta é a sua hora. Este
é o seu momento Esther. Lembra da história dela? Ela era a rainha da Pérsia em
uma época em que seu povo, os judeus, estava sob ataque. Seu tio implorou que
ela falasse com o rei.
“Quem sabe”, perguntou ele, “se talvez você tivesse sido feita rainha apenas por um tempo como este?” (Ester 4:14 NLT)
Quem sabe, cara amiga, se
você foi colocada exatamente onde está por um tempo como este?
À medida que os números
aumentam, mais uma vez. À medida que os pacientes superam os leitos, mais uma
vez. Como as demandas ultrapassam os recursos, mais uma vez... por favor, saiba
que há um pastor no Texas que está torcendo por você, orando por você, grato
por você. Tenho a sensação de que falo por milhões de outras pessoas quando
digo: “Obrigado. Obrigada. Obrigado.”
sexta-feira, 12 de março de 2021
#apalusopelavida
Hoje, às 19h30min,
aplauda da sua janela os profissionais da saúde de todo o Estado.
A ideia, no fim da tarde
de hoje, é que prestemos uma homenagem aos profissionais de saúde que estão
atuando há um ano no combate à covid-19. Gosto disso. Devo muito do meu
bem-estar e da minha própria vida aos profissionais de saúde. E, para tornar
esse ato mais pessoal, vou destacar três deles. São três oncologistas gaúchos
que servem de referência profissional a todo o Brasil. Estão, portanto, atuando
indiretamente na crise da covid, mas diretamente na crise sanitária. São os
médicos André Fay, Fabio Franke e Carlos Barrios. No meu livro Hoje Eu Venci o
Câncer eu os comparo a Pelé, Rivellino e Garrincha. Só não digo quem é quem.
O que dizer a Lula e
Bolsonaro
O discurso que Lula fez
na quarta-feira, em São Paulo, excitou a intelectualidade brasileira. “Oh, como
ele fala bem!”, maravilharam-se uns quantos, redes sociais afora.
Lula fala bem, de fato.
Tem treino de mais de 40 anos, desde que comandava as greves dos metalúrgicos
do ABC paulista. Mas fala o óbvio. Se você transcrever o que Lula diz em seus
discursos, só restará o lugar-comum, as imagens corroídas pelo uso popular, a
repetição de ideias previamente encaixotadas por outros que pensaram antes
dele.
Os predicados de Lula que
fazem a intelectualidade cair de quatro são outros, além do sentido das
palavras. Em primeiro lugar, são suas origens. Ter origem pobre é grande trunfo
no Brasil. O brasileiro adora uma história de superação. E o intelectual,
especialmente, é fascinado pela figura do operário que se transformou em líder.
Este, para o intelectual, é alguém iluminado, dotado de uma sabedoria
exclusiva, a sabedoria “do povo”.
A segunda e a terceira
qualidades de Lula se aliam poderosamente na tarefa de comover quem o escuta.
São a eloquência e o carisma. Já vi oradores levarem as massas ao êxtase
valendo-se apenas de gestos e tom de voz, imagem e som, pouco importando o
conteúdo do que diziam.
Tecendo uma comparação
clássica: Hitler e Churchill.
Hitler era o histrião, o
ator, o homem que falava com os punhos cerrados e a boca espumando. Churchill
era o cerebral, consumia horas escrevendo e reescrevendo os seus discursos,
cuidava de cada verbo como se fosse um filho, mas sua oratória acabava sendo
monótona, quase sonolenta. Já o texto saía impecável e mais comovia quanto mais
fosse lido e relido. Os discursos de Churchill entraram para a História,
ficaram para o futuro. Hitler empolgou só quem o ouvia no presente.
Mas empolgou, isso que
importa. Porque a forma também é importante, e Lula sabe mesmerizar a plateia
pela forma. O que se estende, inclusive, à sua aparência física. Lula ficou
mais bonito depois de velho. Tornou-se um senhor respeitável e simpático,
aquilo que antigamente se chamaria de “bem-apessoado”. Em seu discurso desta
semana, ele caprichou: surgiu com um terno bem cortado, a barba branca aparada
com esmero, o cabelo já ralo, mas domesticado.
Não se iluda, porém: sua
grande vantagem, hoje, é factual. É a comparação com Bolsonaro. Li e ouvi
dezenas de pessoas fazendo a seguinte ponderação: “Você pode não gostar de
Lula, mas...”. E aí vinha a referência a Bolsonaro, que, por ter dificuldades
na forma E no conteúdo, consagra qualquer adversário.
Lula, em seu discurso, pronunciou trivialidades de estudante de Ensino Médio. Tipo: “Tome vacina, use máscara, minha solidariedade aos mortos de covid”. E as pessoas: “Oooh, que estadista!”. Porque o seu rival, Bolsonaro, faz exatamente o contrário: desdenhou da vacina, desprezou a máscara, desrespeitou os mortos. Ficou fácil ser inteligente, perto dele.
Já eu não caio nessa. Não vou entrar nesse maniqueísmo. O duelo Lula versus Bolsonaro não foi travado em segundo turno algum e talvez nunca venha a acontecer. Faltam quase dois anos para a eleição, tudo pode mudar. Essa conversa serve para eles. Os bolsonaristas querem Lula como rival, assim como os petistas querem Bolsonaro. Eu, não. Não tenho de querer um dos dois, não sou obrigado a escolher entre os dois. Posso olhar para um e outro e proclamar solenemente o que desejo dizer a eles. Que é uma palavra só. Curta, seca e dura: “Não!”.
quarta-feira, 10 de março de 2021
(s)ogro
segunda-feira, 8 de março de 2021
Se eu conversasse com
Deus
Iria lhe perguntar:
Por que é que sofremos
tanto
Quando se chega pra cá?
Perguntaria também
Como é que ele é feito
Que não dorme, que não
come
E assim vive satisfeito.
Por que é que ele não fez
A gente do mesmo jeito?
Por que existem uns
felizes
E outros que sofrem
tanto?
Nascemos do mesmo jeito,
Vivemos no mesmo canto.
Quem foi temperar o choro
E acabou salgando o
pranto?
Leandro Gomes de Barros
dia da mulher
Por favor, não me matem.
Mas acho uma babaquice essa coisa de dia da mulher. Tem dia dos pais, das mães,
da criança, do amigo, da avó. Tá bom. Só que fica uma coisa meio comercial,
você se sente naquela obrigação de dar presente no dia dos pais. Eu trato meu
pai bem todos os dias, beijo, abraço, brigo, converso, de vez em quando faço
café da manhã pra ele, nós corremos juntos aos domingos, tomamos uma cervejinha
quando está muito quente, ele faz churrasco pra mim, sabe que adoro queijo e
traz sempre o meu preferido. Meu pai é meu pai todos os dias, um grande pai,
amigo, companheiro, duro, exigente, crítico. Amo ele. E amo ele 365 dias por
ano. Eu trato minha mãe bem todos os dias, beijo, abraço, deito a cabeça no
colo, choro, peço conselhos, brigo, xingo, digo pra ela não se meter na minha
vida, vamos ao cinema, saímos pra caminhar, ela me faz chá quando estou
gripada, me leva bolsa de água quente e Ponstan quando tô com cólica, diz que
faço tudo errado, diz que faço tudo certo, acha tudo o que eu escrevo lindo,
tudo o que eu pinto lindo e me acha a mulher mais linda e a criança mais
perfeita do mundo. Amo ela. Todos os dias do ano, mesmo os dias em que ela está
chata, enjoada e briguenta. Não sou mais criança, se bem que adoro andar de
balanço, comer besteira, ver desenho, gosto de coisas rosas, brilhosas,
cheirosas. Tenho alguns comportamentos infantis. E faço manhã, que nem bebê. E
gosto de colo, mas ta, não sou criança. E não ganho presente no dia da criança
(acho, inclusive, já que fazem dia pra tudo: deveriam inventar o dia do filho,
da filha). Meus amigos são meus amigos. Eles sabem o quanto são importantes na
minha vida, o quanto os amo, mesmo que eu não saiba me expressar da forma mais
correta possível. Eu demonstro. Minha avó é tudo pra mim, me defende até
debaixo da água, é doce, meiga, engraçada, inteligente e linda. E eu amo ela
sempre. Dou presente para as pessoas que eu gosto quando eu quero. Num domingo,
numa terça, numa sexta. Num dia qualquer. Saio na rua, vejo algo e penso “fulano
vai gostar”, compro no ato. Odeio dar vale cd, acho impessoal, frio. Presente
tem que ter a cara do outro. Ou tem que ser o que o outro ta precisando. Não
tem dinheiro? Um cartão bonito e uma flor do jardim do vizinho estão valendo.
Um bombom ta valendo. Não importa o preço, o valor, mas o significado. E o
significado...significa muito!
O que eu quis dizer com
isso? Eu faço os dias. Não sou feminista. Não queimei sutiãs. Jamais queimaria
minhas lingeries. Adoro scarpin bonito, mas ando de havainas também. Adoro pé
no chão, mas uso bota até o joelho. Adoro calcinha de algodão, mas também uso
de renda. Acho lindo essa coisa dos “direitos iguais”, mas o mundo ainda é
machista. É cultural. Quer saber? Eu acho que existem profissões que são
exclusivamente masculinas. Mas acho que homem tem que lavar a louça quando nós
cozinhamos. Acho que homem tem que ser gentil sem ser afetado. Tem que ser
cavalheiro sem ser meloso demais. Odeio matar barata, mas se tiver que matar eu
mato. Sei abrir potes de pepino. Sei trocar a lâmpada. Sei abrir garrafa de
champagne e de vinho. Mas tenho medo do escuro e gosto de proteção. Sei dar
abrigo, colo, conforto, mas também quero aquele peito pra deitar a cabeça.
Também quero aqueles braços fortes me dando segurança. Aquela voz grossa que te
diz “tô aqui, tô contigo”.
Acredito que não existe
essa de que um é melhor que o outro. Mais forte. Mais isso e aquilo. Pessoas
são pessoas. E pessoas têm limitações, sejam elas homens ou mulheres. Existe
dia do homem? Não? Por quê? Não querem direitos iguais? Pois vamos pensar num
dia pra eles.
Assim como todos os
outros, o dia da mulher é todo o santo dia. Nós somos complicadas, confusas,
emotivas, temos tpm, temos que fazer as unhas dos pés e das mãos, depilação,
hidratação no cabelo, hidratação facial, corporal, esfoliação, botox. Temos que
usar creme nos pés, no corpo, pra celulite, pra gordura localizada, pra
futura-celulite, pra futura-gordura-localizada. Temos que fazer escova,
chapinha, reiki, ioga, pilates, body pump, bicicleta e o que mais inventarem
nesse mundo que traga a promessa de que ficaremos bonitas, com tudo em cima.
Tudo isso e ainda andar no salto. Tudo isso e ainda ser amiga, mãe, filha,
vizinha, prima. Tudo isso e ser mulher, cúmplice, namorada, amante. Só nesse
ponto acho que pra eles é mais fácil: eles só cortam o cabelo, alguns fazem as
unhas, aparam uns pêlos, fazem a barba. O que mais? Cosméticos: shampoo,
pós-barba, condicionador, perfume, desodorante. Alguns usam protetor solar e
cremes no rosto. Outros acham meio gay.
Concluindo: não preciso
de dia pra me sentir valorizada. Não preciso de dia pra ganhar rosa e presente
e um parabéns acompanhado de um sorriso só pra constar. Preciso de noites.
Preciso de orquídeas. Música. Letra. Palavra. Beijo. Abraço. E a sua coragem de
mãos dadas com o seu amor.
PS. mulheres: parabéns!
homens: obrigada por vocês nos amarem do nosso jeito, sabemos que é difícil.
mas saibam: também é difícil entendê-los!