Em meio ao desespero
pandêmico, foi baixado um decreto autorizando supermercados gaúchos a venderem
apenas produtos essenciais - o que fosse supérfluo deveria ser coberto por um
plástico ou qualquer outra coisa que impedisse o acesso dos fregueses. Entre os
supérfluos, estavam equipamentos de áudio e vídeo, eletrodomésticos, presentes,
artigos de decoração e flores.
Junte 10 pessoas
(hipoteticamente, por favor) e pergunte o que é essencial a elas, e você
escutará 10 respostas diferentes. Gestantes, veganos, freiras, nutricionistas,
executivos, diabéticos, modelos - cada um elegerá o seu fundamental, seja
alimento ou objeto. Isso sem citar o que nos é indispensável ao espírito: amor,
fé, amigos, sol, arte - o verdadeiro império dos sentidos, sem os quais nem
vale a pena levantar da cama de manhã.
Este longo preâmbulo é
para dizer que costumo comprar flores no súper e só não fiquei nervosa com o
novo decreto porque dias antes havia investido em orquídeas e elas duram
bastante. Não sei como estão as coisas hoje. Os protocolos mudam tão rápido que
talvez as floriculturas estejam abertas enquanto você lê este texto, e os
supermercados estejam novamente comercializando astromélias, antúrios,
margaridas. Não podemos comê-las, não são produtos de limpeza nem contribuem
para a higiene pessoal, então seriam essenciais por quê?
Não pergunte a quem
prescinde delas. Pergunte a quem, como eu, rastreia com o olhar qualquer
ambiente, não em busca de um Van Gogh na parede, mas de um girassol junto à
janela. Nasci nos anos 60, fui adolescente nos 70, tenho com o flower power uma
relação de paz e amor que vai além das frases de camiseta. Nunca morei em casa,
sempre em apartamento, e na falta de um jardim, trazia da rua qualquer pequena
espécie que tivesse pétala, caule, cor.
Quando fui morar sozinha,
aos 20 e poucos, o dinheiro era contado, e entre leite e flor, comprava flor,
nem que fosse uma violeta. Nunca tive nenhuma inclinação para a botânica, nem
muito natureba eu sou, mas não lembro de nenhum momento em que as flores não me
tivessem sido essenciais como representação de vida, de apreço ao belo, ao
simples, à consciência dos ciclos: murchar e florescer, uma constância.
Compreendo perfeitamente a importância delas num cemitério.
Os anos de paz e amor
terminaram. Estamos vivendo num mundo doente, raivoso, violento. Nunca foi tão
necessário contra-atacar com o alaranjado de uma gérbera, com uma azaleia cor
de fúcsia, com o perfume de uma dama da noite, com um lírio branco e sua
elegância, com buquês que declaram paixões, que pedem desculpas, que celebram
aniversários, com flores valentes que nascem em meio às lajotas das calçadas ou
entre as pedras de um muro e que, silenciosamente, imploram: basta.