"Ando no rastro dos poetas, porém descalça... Quero sentir as sensações que eles deixam por ai"



sexta-feira, 29 de março de 2019



Acredito na bondade sem disfarce, nos rostos sem máscaras e doses de paciência que removem montanhas, no carinho e na amizade. 
Creio na palavra que cura, nas canções que embalam sonhos, nos risos gratuitos, na bússola do lado esquerdo que sempre indica o caminho. 
Eu nasci pra acreditar. 
E esperança, minha gente, é o que anda comigo.




Apenas três coisas irritam minha filha pequena: comer, dormir e tomar banho. Ironicamente, tudo o que eu mais gosto de fazer, depois de velho. Ela não: basta falar uma destas três palavras para que se jogue no chão ou comece a miar. Parece um gato, falando fino. Nunca está com fome (é claro, com minha esposa permitindo iogurte antes do almoço fica difícil!), nunca está cansada e nunca quer entrar debaixo do chuveiro. Obviamente, há desentendimento. Eu e ela discutimos. Esses dias ela ficou tão aborrecida que me entregou um bilhete: “PAI QUERO QUE VOCE NAO FALE MAIS COMIGU HOGE”.

Perguntou-me, na hora de dormir, porque ela não podia mandar nos outros. “Seria assim: tudo o que eu mandasse as pessoas fariam. Eu mandaria todo mundo brincar comigo, correr e me dar brinquedos”, ela disse. Queria um mundo em que todos a obedecessem. Um mundo em que todos pudessem comer iogurte antes do almoço, dormir de madrugada e ter a sola do pé preta. Talvez fosse um mundo mais divertido, e me pergunto em que momento virei minha mãe e passei a considerar banho, sono e comida algo tão indispensável. Porém, um mundo em que podemos controlar tudo é também um mundo chatíssimo.

Imagine um mundo em que você é uma criança e pudesse controlar todas as pessoas. Em um primeiro momento você faria apenas o que deseja, brincaria, comeria doces, dormiria tarde. Ordenaria que todos brincassem daquilo que você quer. No segundo dia, a mesma coisa. E assim por diante, até que depois de alguns dias você perceberia que todos fazem as suas vontades apenas por que você os controla. Você sentiria uma solidão. Ninguém estaria com você porque quer, mas por que é obrigado. Controlar tudo ao seu redor seria profundamente solitário.

Somos levados sempre a sonhar com um mundo controlável. Tudo acontece como planejado, meus clientes dizem sempre sim, os semáforos estão sempre verdes. Teríamos o trabalho dos sonhos, namoraríamos quem quiséssemos. A pessoa que você ama estaria agora ao seu lado, pois você a controla. Por mais divertido que fosse nos primeiros meses, cansaria. Uma vida perfeita é plástica, falsa, solitária. A surpresa que nos emociona. A imprevisibilidade que nos faz sentir vivos. Serendipidade.

Às vezes, as surpresas trazem uma dor. Um divórcio. Uma demissão. Às vezes, um sofrimento que parece que não vai acabar. Mas uma vida incontrolável é a única que nos surpreende com um amigo novo, que nos aponta uma nova carreira, que nos apresenta um novo amor. Uma vida incontrolável nos surpreende na esquina. Uma vida incontrolável é a única que vale a pena. Mesmo que, em algum momento da vida, você tenha seis anos de idade e seja obrigada a comer, tomar banho e dormir cedo.


As tentações que vocês têm de enfrentar são as mesmas que os outros enfrentam; mas Deus cumpre a sua promessa e não deixará que vocês sofram tentações que vocês não têm forças para suportar. 
Quando uma tentação vier, Deus dará forças a vocês para suportá-la, e assim vocês poderão sair dela.

1 Coríntios 10:13 / NTLH

quinta-feira, 28 de março de 2019




Recebi, por e-mail, um convite para um evento literário. Aceitei, e logo a moça que me convidou pediu meu número de whatsapp para agilizar algumas informações. No dia seguinte, nossa formalidade havia evoluído para emojis de coraçãozinho. No terceiro dia ela iniciou a mensagem com um “bom dia, amiga”. Quando eu fizer aniversário, acho que vou convidá-la pra festa.

Postei no Instagram a foto de um cartaz de cinema e uma leitora deixou um comentário no direct. Disse que vem passando por um drama parecido com o do filme, algo tão pessoal que ela só quis contar pra mim, em quem confia 100%. Como não chamá-la para a próxima ceia de Natal aqui em casa?

Fotos de recém-nascidos me são enviadas por mulheres que eu nem sabia que estavam grávidas. Mando condolências pela morte do avô de alguém que mal cumprimento quando encontro num bar. Acompanho a dieta alimentar de estranhos. Fico sabendo que o amigo de uma conhecida troca todos os dias as fraldas de sua mãe velhinha, mas que não faria isso pelo pai, que sempre foi seco e frio com ele — e me comovo, sinto como se estivesse sentada a seu lado no sofá, enxugando suas lágrimas.

Mas não estou sentada a seu lado no sofá e nem mesmo sei quem ele é, apenas li um comentário deixado numa postagem do Facebook, entre outras milhares de postagens diárias que não são pra mim, mas que estão ao alcance dos meus olhos. É o reino encantado das confidências instantâneas e das distâncias suprimidas: nunca fomos tão íntimos de todos.

Pena que esse mundo fofo é de faz de conta. Intimidade, pra valer, exige paciência e convivência, tudo o que, infelizmente, tornou-se sinônimo de perda de tempo. Mais vale a aproximação ilusória: as pessoas amam você, mesmo sem conhecê-la de verdade. É como disse, certa vez, o ator Daniel Dantas em entrevista à Marilia Gabriela: “Eu gostaria de ser a pessoa que meu cachorro pensa que eu sou”.

Genial. Um cachorro começa a seguir você na rua e, se você der atenção e o levar pra casa, ganha um amigo na hora. O cachorro vai achá-lo o máximo, pois a única coisa que ele quer é pertencer. Ele não está nem aí para suas fraquezas, para suas esquisitices, para a pessoa que você realmente é: baste que você o adote.

A comparação é meio forçada, mas tem alguma relação com o que acontece nas redes. Farejamos uns aos outros, ofertamos um like e de imediato ganhamos um amigo que não sabe nada de profundo somos nós e provavelmente nunca saberá. A diferença – a favor do cachorro – é que este está realmente por perto, todos os dias, e é sensível aos nossos estados de ânimo, tornando-se íntimo a seu modo. Já alguns seres humanos seguem outros seres humanos sem que jamais venham a pertencer à vida um do outro, inaugurando uma nova intimidade: a que não existe de modo nenhum.



Dá-nos hoje o alimento que precisamos.

Mateus 6:11 / NTLH

quarta-feira, 27 de março de 2019


#dia do circo

#dia do ator

terça-feira, 26 de março de 2019


#dia do boxe

dia de nascimento do pugilista brasileiro Éder Jofre, 
bicampeão mundial em duas categorias do pugilismo.

o tempo da delicadeza


“Tudo tem o seu tempo determinado e há tempo para todo propósito debaixo do céu…”*diz o texto sagrado. O amor também tem os seus tempos e ele muda como mudam as estações.

Nos países frios a primavera é o tempo da pressa. Os bulbos que por meses haviam hibernado sob o gelo, repentinamente despertam do seu sono, rompem da noite para o dia a camada de neve que os cobria e exibem sem o menor pudor os seus órgãos sexuais coloridos e perfumados, suas flores…

“Que lindas…”, dizemos. Ignoramos que aquela é uma beleza apressada. A primavera é curta. Outro inverno virá. É preciso espalhar o sêmen com urgência para garantir a continuidade da vida. Por isso se exibem assim em sua nudez colorida e perfumada, para atrair os parceiros do amor.

Se as plantas pensassem elas teriam os mesmos pensamentos que têm os jovens quando neles desperta o sexo no seu furor para realizar-se. É só isso que importa: o coito. Passado o êxtase, vai-se o interesse, fuma-se um cigarro, vira-se para o outro lado… 
Tomas, o amante de “A insustentável leveza do ser” nunca permitia que uma mulher dormisse na sua cama. Ele se livrava delas depois de realizado o ato. É um sexo potente e feio.

O verão é o tempo quando a fúria reprodutiva se esgotou. Tempo maduro, tempo do trabalho, dos filhos, das rotinas domésticas. Os mesmos olhos que se excitavam ao contemplar o corpo nu da mulher amada já não se excitam. Já não sorriem e nem têm palavras poéticas a dizer sobre ele. Há uma rotina sexual a ser cumprida. Vai-se o encantamento, os olhos e as mãos se cansam da mesmice, e começam a procurar outros corpos e vem a saudade da juventude que já passou. Cumprido o ato vem o silêncio.

O outono é a estação de uma nova descoberta. Não há urgência. Nenhuma obrigação. A natureza está tranquila. 

Na adolescência qualquer mulher servia, porque o sexo era comandado pelas pressões vulcânicas dos hormônios e pelos genitais. Agora o que excita é o rosto da pessoa amada. O sexo deixa de ser movido pela bioquímica que circula no sangue e passa a ser movido pela beleza. O amor se torna uma experiência estética. E o que os amantes outonais mais desejam não são os fogos de artifício do orgasmo, mas aquela voz que diz: “Como é bom que você existe…”

O outono é o tempo da tranquilidade. É bom estar juntos de mãos dadas sem fazer nada. É bom acariciar o cabelo da amada… Essa é a grande queixa das mulheres: que para os homens a intimidade é sempre preparatória de uma transa. Talvez porque se sintam obrigados a provar que ainda são homens. 
O que as mulheres desejam não é prazer; é felicidade. 
O outono é o tempo do amor feliz.

O Chico escreveu sobre esse tempo e lhe deu o nome de “tempo da delicadeza”. “Preciso não dormir até se consumar o tempo da gente…” Sim, preciso não dormir, é preciso não morrer, porque há muito amor ainda não realizado. Vem-lhe então a memória do amor que, por descuido, não se realizou, e vai em busca da sua recuperação: “Pretendo descobrir no último momento um tempo que refaz o que desfez…”

Esse verso me comove de maneira especial. Pensando no meu desajeito, na minha desatenção, vou me lembrando das coisas que derrubei, das palavras que não ouvi, das flores que pisei. E dá uma vontade de fazer o tempo voltar pra poder “refazer o que foi desfeito, pra recolher todo sentimento e colocá-lo no corpo outra vez…”

Aí ele vai mansamente dizendo as palavras que o amor deve saber dizer, palavras que só existem no “tempo da delicadeza.”
“Prometo te querer até o amor cair doente, doente…”

Por isso, por causa desse tempo misterioso, é preciso amar cuidadosamente com o olhar, com os ouvidos, com a mão que tateia para não ferir… enquanto há tempo.

* Eclesiastes 3:1

domingo, 24 de março de 2019



“A única coisa que ainda escandaliza é a sinceridade”.

__Domingos Oliveira

sobre o tempo que flui



Lá vem ela, a semana. Não importa se o seu fim de semana foi de agito, de descanso ou de faxina; ela vai chegar de qualquer jeito. Não importa se você está entusiasmadíssimo com a sua vida ou sem disposição nenhuma para fazer acontecer. Quer queiramos ou não, ela vai acontecer.

Para quem está à espera, cada dia será uma eternidade. Para quem tem uma entrega a fazer, os dias passarão “voando”. Apressados e impacientes que somos, sequer percebemos que o tempo é o mesmo. Os dias não atrasam nem voam, simplesmente acontecem como tem que acontecer.

E assim continuamos com nossas mazelas, nossas manias e nossas esquisitices tão normais. É tudo tão automático, tão corrido que não nos damos conta de que acordamos sempre apressados e tomamos o mesmo café rápido de todos os dias. Cumprimos nossos compromissos, seguimos a cartilha e damos conta do recado. Às vezes com o coração abarrotado de alegria, noutras, com o mesmo coração abarrotado de dor. Mas sempre em frente.

Quem nos vê não sabe nada de nós. Não sabe o que carregamos, quem carregamos, nossas angústias ou aflições. Quem nos vê conhece apenas a foto retocada para a rede social, que mascaradamente, anuncia que está tudo bem. E assim todo mundo acredita, até nós mesmos.

No quebra-cabeças da vida, estamos todos juntos.  Nossas atitudes se encaixam nos dias, que se encaixam na semana, que se encaixam nas vidas uns dos outros. Estamos todos interligados, muito além da tecnologia. Nossas intenções e atitudes caminham como um rio que encontra os rios e caminham juntos até o mar. Quem ainda pensa que caminha sozinho é porque não entendeu a força das relações. Estamos todos juntos e, estando juntos, carregamos sem perceber uns aos outros. Seja no colo ou no coração, ora carregamos alguém, ora somos carregados. A grande lição é entender de que lado estamos e que tudo pode mudar. Não existe lugar marcado, não existe posição fixa para nenhum de nós.

Sigamos pois. Sigamos na certeza de que, em alguém momento, tudo fique realmente bem. Se não for hoje, será amanhã; se não for agora, será daqui a pouco. Uma hora somos agraciados com a fluidez dos fatos e tudo chega no seu devido lugar.

Ocupemos pois nossos lugares e vivamos nossos dias, semanas e  meses. Não existe nada melhor que o tempo para responder nossas perguntas e acalentar nossas expectativas.




Para sobreviver à dureza do mundo é preciso polvilhar a alma com beleza e sensibilidade.
é preciso cercar-se de pessoas que lhe façam bem, ouvir boa música, ler bons livros, enfraquecer os estímulos à superficialidade, fazer as pazes com o silêncio e a quietude.
Deus mora na rotina positiva.
É através dela que Ele nos cura e nos protege.
Quem não se fizer esse favor, lamentavelmente será alma morta num corpo vivo.




Ninguém põe vinho novo em odres velhos. Se alguém fizer isso, os odres rebentam, o vinho se perde, e os odres ficam estragados. Não. Vinho novo deve ser posto em odres novos. E ninguém quer vinho novo depois de beber vinho velho, pois diz: “O vinho velho é melhor.”

Lucas 5:37-38 / NTLH

sexta-feira, 22 de março de 2019

instantes



Se eu pudesse viver novamente a minha vida, na próxima trataria de cometer mais erros. Não tentaria ser tão perfeito, relaxaria mais. Seria mais tolo ainda do que tenho sido; na verdade, bem poucas coisas levaria a sério.

Seria menos higiênico. Correria mais riscos, viajaria mais, contemplaria mais entardeceres, subiria mais montanhas, nadaria mais rios. Iria a mais lugares onde nunca fui, tomaria mais sorvete e menos lentilha, teria mais problemas reais e menos imaginários.

Eu fui uma dessas pessoas que viveu sensata e produtivamente cada minuto da sua vida. Claro que tive momentos de alegria. Mas, se pudesse voltar a viver, trataria de ter somente bons momentos. Porque, se não sabem, disso é feito a vida: só de momentos – não perca o agora.

Eu era um desses que nunca ia a parte alguma sem um termômetro, uma bolsa de água quente, um guarda-chuva e um paraquedas; se voltasse a viver, viajaria mais leve.

Se eu pudesse voltar a viver, começaria a andar descalço no começo da primavera e continuaria assim até o fim do outono. Daria mais voltas na minha rua, contemplaria mais amanheceres e brincaria com mais crianças, se tivesse outra vez uma vida pela frente.

Mas, já viram, tenho 85 anos e sei que estou morrendo.

__Don Herold




O que aconteceu antes vai acontecer outra vez. 
O que foi feito antes será feito novamente. 
Não há nada de novo neste mundo.

Eclesiastes 1:9 / NTLH

quarta-feira, 20 de março de 2019

prefiro o outono...



Acho-o mais bonito, mais sábio, mais tranquilo.

A primavera é linda, cheia de cores, cios e odores. Mas não me comove. Não encontro nela lugar para a saudade. Por isso lhe falta aquela gota de tristeza, que mora em toda obra de arte. É que ela existe na paradisíaca inconsciência do fim...

O verão é diferente. Excita meu lado de fora, e me transforma em sol, céu e mar. Misturo-me com seu universo luminoso, quente e suarento, cheio de cachoeiras e limonadas geladas. Tudo me convida a não pensar, a só rir, gozar, usufruir. Como diz Fernando Pessoa, pensamento é doença dos olhos. Ao que eu acrescentaria: do corpo inteiro. A gente pensa quando o dente dói, quando o sapato aperta, quando a azia queima, quando o coração tropeça. O corpo saudável é transparente. Sai de si e fica todo no mar, no céu, no sol. É a doença que o torna opaco. O verão faz este milagre comigo: esvazia-se de mim e eu me perco (eroticamente) nos seus braços...

Mas o outono me chama de volta. Devolve-me à minha verdade. Sinto então a dor bonita da nostalgia, pedaço de mim que não posso me esquecer.
Primeiro é aquele friozinho pelas manhãs e pelas tardes. O verão já se foi. Fica, dentro, o sentimento de que tudo é despedida. O Outono tem memória. Coisa de que se precisa para ter saudade, e saudade como nos ensinou Riobaldo, é uma espécie de velhice.

Depois são as cores. O céu, azul profundo, as árvores e grama de um outro verde, misturado com o dourado dos raios de sol inclinados. Tudo fica mais pungente ao cair da tarde, pelo frio, pelo crepúsculo, o que revela o parentesco entre o Outono e o entardecer. O Outono é o ano que entardece.

E as tardes, como se sabe, são aquele tempo do dia quando tristeza e beleza se misturam. E o mundo de dentro reverbera com o mundo de fora. É este poente precoce e azulando-se o sol entre farrapos finos de nuvens, enquanto a lua é já vista, mística do outro lado. Quando tudo se aquieta, e o tempo diz suas passagens nas cores que se sucedem, o rosa, o vermelho, o marrom, o roxo, o negro... 
Sabe-se então que o fim chegou. 

Pôr do sol é metáfora poética, e se o sentimos assim é porque sua beleza triste mora em nosso próprio corpo. Somos seres crepusculares. É por isso que esta é a hora do terror noturno, quando as pessoas, lembrando-se do seu parentesco com as aves, voltam ansiosas para casa, e acendem as luzes que não se apagam.

Gosto de ver balões que sobem, sei que são proibidos. Mas são belos. Não ficariam bonitos nem de manhã nem ao meio-dia. São entes dos crepúsculos. É preciso que a luz já esteja indo para que sua beleza (e risos) apareçam, ao entardecer. Cada balão não será isto? Um grande riso ao cair da noite...

Há prazeres da Primavera.
Há prazeres do Verão.
Mas há uma alegria que só surge no Outono.

Quem, espantado pelo terror noturno, se refugia em casa, não pode ver nem a beleza do crepúsculo e nem os risos dos balões. Estes são prazeres que se dão somente àqueles que suportam o frio e as cores que mergulham no escuro.
O que me faz lembrar daquela deliciosa estória Zen:

“Um homem ia pela floresta quando ouviu um rugido terrível. Era um leão. Ele teve muito medo e se pôs a correr. Mas a floresta era densa e o sol já estava se pondo. Não viu por onde ia e caiu num precipício. No desespero agarrou-se a um galho que se projetava sobre o abismo e lá ficou. Foi quando, olhando para a parede do precipício, viu uma pequena planta que ali crescia. Era um pé de morangos. Nela havia um morango vermelho. Estendeu seu braço e o colheu. E comeu.” Aqui termina a estória.

Há morangos que só se comem sobre o abismo.
Balões que só sobem ao crepúsculo.
E beleza que só existem no Outono.
É preciso beber a taça, até o fim.

de Tempus Fugit


superação


Trago no corpo
Cicatrizes subcutâneas.
Trago no olhar
Uma tristeza subterrânea
Que o meu sorriso
Se empenhou
Em aniquilar.
u nunca fui vítima de nada
Mesmo quando me afoguei
Por não saber nadar.
Eu escolhi o mergulho
E corri o risco
De vivenciar minhas emoções
Em alto mar.
Trago na alma
Alegrias decorrentes
De uma parca memória.
Tenho um passado pesado
Mas reescrevi minha história.
Trago no peito
Apenas amor, gratidão.
A vida me ensinou
Que sobreviver à derrota
É uma grande vitória.



Os maus pedem emprestado
e não pagam,
mas os bons são generosos em dar.

Salmos 37:21 / NTLH

terça-feira, 19 de março de 2019


Ela tinha o rosto coberto por sardas, especialmente no nariz e nas bochechas. Contou que, quando era criança, a garotada do colégio pegava muito no pé dela — naquela época, ainda não se falava em bullying. Cresceu odiando ser chamada de sardenta. Eu disse a ela para não se estressar, as sardas davam a ela um ar juvenil, e quer saber? “Eu nem tinha reparado que você tinha sardas antes de você comentar”. Ela começou a rir. “Claro que você não reparou, por que acha que uso o cabelo verde?”.

O cabelo dela era mais verde que um gramado de estádio de futebol em jogo de estreia da Copa, não havia quem não notasse.

Desde então, quando vejo uma mulher com o cabelo muito colorido, penso: como ela é incrível, quanta personalidade — e então fico buscando as sardas ou seja o que for que ela esteja tentando esconder.

Não estrague a brincadeira. Óbvio que muita gente pinta um arco-íris no cabelo porque gosta, apenas porque gosta, sem que seja um subterfúgio. Mas com subterfúgio tem mais graça e inventamos um assunto.

Outro dia vi uma garota toda tatuada — muito, muito. Os dois braços inteiros, as duas pernas tomadas, as costas sem espaço para nem mais um desenho. Se alguém não soubesse o nome dela, como a identificaria? “Aquela menina tatuada”. Ninguém diria “aquela menina gorda” — não só porque seria grosseiro, mas porque o fato de ela pesar quase 100 quilos havia se tornado secundário diante da pele hipergrafitada.

Será que também privilegiamos algo na nossa aparência a fim de camuflar aquilo que não queremos que ganhe destaque? Tive uma colega da faculdade que costumava frequentar as aulas com camisas e vestidos superdecotados. Ela tinha seios lindos, poderosos. Pois agora estou lembrando que ela tinha também um nariz de respeito. Considero os narigudos e narigudas o suprassumo do charme, mas é provável que ela discordasse do meu senso estético — na época, encontrou um jeito de desviar a atenção para o seu colo e funcionou.

Tem gente que consegue esse câmbio de foco sem envolver o visual. Escreve livros a fim de disfarçar a timidez, é exibicionista para que não reparem sua insegurança, está sempre correndo de um lado para o outro para que ninguém perceba que não tem nada pra fazer. É a velha história: enquanto um lado fica iluminado, o outro permanece convenientemente na sombra.

Mas voltando ao cabelo: pintar, tosar, descolorir é bem mais fácil do que fazer um tratamento de pele, emagrecer 20 quilos, colocar silicone, operar o nariz. Fica autêntico, divertido e ainda distrai daquilo que consideramos uma imperfeição — mesmo correndo o risco de estarmos mascarando o que há de mais bonito em nós.



Ser forte não tem nada a ver com negar vulnerabilidades.
O homem que aceita a realidade de seu estado e reconhece sua limitação, reforça as suas áreas de risco.
A questão não é sobre ser forte o tempo todo e rígido em meio a abalos, mas de permitir-se ser fraco diante de quem pode fortalecê-lo, abandonar a postura de intocável e ainda sim imperfeito mostrar-se suporte para outros cujo coração também foi fragilizado.
Posso parafrasear as palavras de Paulo, “pois quando eu me percebo fraco, é que então início o processo de fortalecimento”.

2 Coríntios 12:10
... quando estou fraco, então sou forte.

segunda-feira, 18 de março de 2019

trocadilho



Eduquei meus filhos com a brincadeira da troca. Quando entrávamos em qualquer estabelecimento comercial, eles me perguntavam se podiam comprar uma “coisinha”. Quando podia, era sempre uma coisa só. E assim, enquanto eu fazia minhas compras eles iam trocando as “coisinhas” até chegar a um denominador comum entre o desejo deles e o valor que eu estipulava. Se foi certo ou errado, eu não sei, mas funcionou.

O tempo passou, eles cresceram e eu segui em frente com as trocas da vida. Não sou de trocar meus pertences, mas a vida me ensinou que trocas são necessárias.

Hoje  troco com facilidade algumas coisas.

Troco uma resposta que estava na ponta da língua, por um minuto do meu silêncio. Troco uma discussão acalorada sobre política, pelo meu direito de não entrar na discussão. Troco uma festa chique, cheia de gente desconhecida, por uma mesa com amigos. Troco o barulho da casa noturna mais badalada da cidade, pelas manhãs de domingo ao som dos passarinhos que visitam a minha parreira. Troco o salto fino de grife da loja mais chique da zona sul, por um tênis confortável que me leva onde eu quero e troco a esteira mais moderna da academia por uma caminhada ao ar livre. Troco a carne pela salada. Troco a TV pelos livros e troco a rede social pela presença de um amigo.

Ao longo da vida troquei muitas vezes. Troquei de partido, troquei de emprego, troquei de casa, troquei de carro e troquei seus por meus dúzia. Troquei a cor dos cabelos, troquei a chave do portão, troquei a foto na parede e troquei dinheiro por atenção. Troquei o campo pela cidade, o certo pelo duvidoso, troquei desaforos, troquei farpas e, de vez em quando, troquei as bolas.

Vi gente trocar de sexo, vi outros trocarem de lugar. Vi gente ficando com o troco e outros sem ter o que trocar.

Fui trocada por alguns, dei o troco em outros, troquei a noite pelo dia e, por alguns trocados, troquei sossego por confusão.

Troquei meu estilo de vida, troquei minha forma de ver, troquei gato por lebre e troquei de lugar sem querer.

Apesar de tudo, nunca troquei de time, nunca troquei meu fardo e nem a minha religião.

E como não podia deixar de fora, além das pessoas que amo, tem aquelas coisas que eu não troco por nada desse mundo, minha cachorra, meu travesseiro e meu café coado na hora. Cada um tem seu preço e cada preço o seu valor. Quer trocar?




A noite está terminando, e o dia vem chegando. Por isso paremos de fazer o que pertence à escuridão e peguemos as armas espirituais para lutar na luz.

Romanos 13:12 / NTLH

quinta-feira, 14 de março de 2019


#dia da poesia


“E se não deu certo, recomece. Se te enganou, esquece. Se te fez sorrir, agarre. Se te fez chorar, desamarre. Se não te ligou, não ligue. Se mentiu, duvide. Se te chamou, faça parte. Se te esqueceu, descarte. Se te deixou pra trás, siga em frente e se deu medo, enfrente.”

Não sei de quem é a autoria, porém bastante verdadeiro.

Talvez a vida seja bem simples e nós conseguimos complicar.

Se algo não deu certo, recomece, faça de novo ou ao menos faça diferente, ou mesmo tente pensar que não deu certo porque talvez venha coisa melhor pela frente ou simplesmente porque não deu… Não tinha que dar.

Se alguém te enganou, esqueça, vai fazer de novo, não merece sua confiança e muito menos seu tempo desperdiçado com alguém que não tem a mínima pretensão de estabelecer uma relação verdadeira.

Se te fez sorrir, fique! Se agarre! Momentos felizes nem sempre estão à nossa mão e muito menos à nossa disposição. Então aproveite recarregue as baterias com quem te faz sorrir. Ah! Faça alguém sorrir também. Te garanto que vale a pena.

Se não te ligou, ligue… Essa máxima vou contradizer um pouco, porque às vezes aquela pessoa que não te ligou passa por um momento difícil e um simples telefonema seu pode lhe fazer um bem danado (ou mesmo arrancar aquele sorriso sobre o qual falamos acima).

Mas se você ligar e te desprezar, esquece! Bola pra frente, te garanto que tem muita gente por aí esperando um telefonema seu.

Se mentiu, duvide sempre! Há sempre mais mentira atrás da outra, não vale a pena pagar pra ver.

Se te chamou, vá! Aproveite! Faça parte de todos os momentos, provavelmente existe um motivo verdadeiro para a pessoa te querer por perto. E como é bom ser querido, não?

Se te esqueceu, esqueça também. Pode ser doloroso cair no esquecimento de alguém, principalmente aquele alguém que nos é tão precioso e amado, mas amor, ah! Amor precisa de retorno, de calor, de carinho, de amizade e parceria, provavelmente quem te esqueceu já não quer mais ser lembrado por você. Vale a pena?

Se te deixou pra trás, caminhe, ande, corra, mas siga em frente. Lindo mesmo são aquelas pessoas que te dão a mão e que seguem ao seu lado.

E se deu medo, vai com medo mesmo. Enfrente! Amizade, felicidade, amor, lealdade, parceria, companheirismo, foram feitos pra quem tem coragem.

Não coloque a tua vida nas mãos de ninguém. A sua felicidade depende de você!

Vladia Soares