Que, neste dia, possamos
espantar todos os “fantasmas” que assombram nossas vidas!
terça-feira, 31 de outubro de 2017
Podemos distinguir as pessoas em dois grupos. Algumas varrem
os problemas um pouco por vez; outras, unicamente limpam quando o piso está
comprometido.
A vassoura é para quem cuida da sujeira um pouco por dia, o
rodo é para quem deixa para socorrer o chão tarde demais.
A vassoura é filha do vento e do sol, o rodo é filho da água
e da noite.
A vassoura é gentil, o rodo é abrupto.
A vassoura é casada com a pazinha, o rodo é solteiro.
A vassoura mima o tapete, o rodo esnoba o balde.
A vassoura sai para a rua e fala com os vizinhos, o rodo vive
trancado e não gosta de conversa.
A vassoura solta os cabelos, o rodo esconde a calvície com o
turbante.
A vassoura é supersticiosa, acredita em bruxas e simpatias, o
rodo é ateu.
A vassoura procura mostrar o que está escondido debaixo do
tapete em montinhos, o rodo joga tudo para o ralo.
A vassoura é véspera, o rodo é calamidade.
A vassoura é paz, o rodo é desespero.
A vassoura é controle, o rodo é descontrole.
A vassoura é chamada para qualquer hora, o rodo só é chamado
em caso de alagamento.
A vassoura fica atrás da porta, o rodo apenas é visto em
banheiros sem cortina.
A vassoura enfrenta degraus, o rodo aproveita declives e
lombas.
A vassoura dança, o rodo não mexe o quadril.
A vassoura se molda ao mundo, o rodo é quadrado.
A vassoura se espalha, o rodo se isola.
A vassoura faz amizade com as folhas, o rodo manda embora.
A vassoura trabalha em equipe com a lixeira, o rodo trabalha
sozinho.
A vassoura passeia em manhãs e tardes de sol, o rodo pisa em
poças.
A vassoura solta os braços, o rodo tensiona os braços. Com a
vassoura, erguemos o queixo; com o rodo, baixamos a cabeça.
A vassoura tem esperança de reencontrar brincos perdidos, o
rodo empurra o que acha para o esgoto.
A vassoura pode ser de palha e queima, como toda paixão, o
rodo tem borracha e não se mistura, como toda tristeza.
A vassoura se doa mais do que o rodo. O rodo reclama mais do
que a vassoura.
A vassoura canta, o rodo grita.
A vassoura pede licença, o rodo é mal-educado.
A vassoura é feliz, o rodo é rabugento.
Apesar do mesmo corpo, as cabeças são totalmente diferentes.
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Fabrício Carpinejar
quinta-feira, 26 de outubro de 2017
das melhores aquisições da idade é a ampliada liberdade no
exercício da escolha.
Fica tão mais fácil dizer não.
Se em nada nos acrescenta, nós simplesmente colocamos de
lado.
Não, obrigada. É não e ponto. (...)
Acoplado ao passar dos anos, vem o famoso botão do foda-se,
que a partir de um certo momento passa a ficar constantemente ligado, sem
gastar nem um Kwh, watt, volt, joule ou caloria de nossa energia.
Porque não
mais nos atentamos ao que não nos é essencial.
Nem mesmo às lembranças,
memórias, mágoas, saudades.
Vai tudo ficando pra trás. Sem dor.
Com a idade, mesmo que muitos esperem o fim, o que realmente
nos chega é o enfim.
Enfim leves. Enfim livres. Enfim sós. Enfim nós.
Sem máscaras. Sem personagens. Sem tempo passado.
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Cris Carvalho
Enquanto a gente perde
tempo discutindo
Low carb, jejum, termogênico, musculação x aeróbico, quantas
refeições diárias, suplemento ou não suplemento, silicone ou não silicone e
até o café com açúcar da avó, estamos perdendo de vista o principal problema:
nossa sociedade diz que
só nosso corpo importa e nós concordamos e obedecemos.
(...) Eu não quero passar todos os meus dias me preocupando
em moldar o meu corpo e com o que posso ou não comer.
Eu quero viver a vida com tesão e no meu último dia pensar: “caralho,
que orgulho de tudo que eu fiz.”
__Regiane Nascimento
quarta-feira, 25 de outubro de 2017
Você pode ser uma abelha
ou uma mosca no relacionamento.
A abelha busca o pólen,
prepara longamente o mel do seu esforço, articula as asas em nome da colmeia,
chega a esquecer de si pelo alvoroço da família, tem a euforia de passear
acompanhada. Mesmo quando a vida não ajuda, trabalha a esperança. Não entrou num
romance para esperar algo, mas para fazer. Não reclama à toa, partilha os seus
dilemas procurando uma solução. A dúvida a inspira a perseguir novos jardins e
explorar outras paisagens.
Por sua vez, a mosca
namora ou casa já pensando no divórcio, já receosa do fracasso, já aguardando a
confirmação de seus medos. Sempre tem razão, sempre replica expectativas
desagradáveis. Quer provar que o seu par não presta, ainda que tenha que se
privar da própria felicidade.
Ela sobrevoa sobras
mortas e fica catando implicâncias superadas. Adota o ciúme para desqualificar,
emprega a competição para constranger. Não avalia a sua alegria por aquilo que
pode oferecer, mas por aquilo que pode receber. Não vai adiante nas
adversidades, para no ar, fixa-se no passado. Revela o pior de sua companhia,
desmerecendo os elogios e omitindo os avanços. Não cria o seu espaço,
aproveita-se da personalidade alheia. Suga apenas a realidade de suas
projeções, pois nenhuma mosca é capaz de morder ou mastigar os problemas.
A mosca finge que está
tudo bem quando está mal, finge que está mal quando está tudo bem, não enfrenta
a verdade, conversa fatiado, realizando muitas coisas paralelamente, isenta-se
pela pressa dizendo que não é a melhor hora para mudar (nunca é a melhor hora),
não coloca a sua companhia como prioridade, deixa o telefone tocar quando vê o
nome, conserva uma atenção dispersiva, arruma pretextos para não se mexer, não
pede desculpa porque não acredita no parceiro, arma-se de uma pendência no
trabalho para manter a confortável inércia.
A mosca é egoísta, a
abelha é solidária. A mosca é do contra, a abelha é a favor. A mosca é
conformada, a abelha é curiosa. A mosca provoca enterros, a abelha apressa
renascimentos. A mosca revira o lixo das contradições, a abelha organiza o caos
e separa o útil do fútil. A mosca incomoda, a abelha incentiva. A mosca não
defende ninguém, a abelha possui a ferroada para proteger quem ama. A mosca
abandona, a abelha carrega.
Ambas voam. Mas só a
abelha sobe alto no amor.
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Fabrício Carpinejar
quarta-feira, 18 de outubro de 2017
Há fases que eu chamo de “Seleção Natural”.
Quer mesmo sanar sua dúvida sobre prosseguir ou não numa
relação de afeto, que pode ser amorosa, de amizade ou parentesco?
Perceba e analise a maneira como a pessoa fala sobre você,
especialmente quando não você não está presente.
A seleção ocorrerá naturalmente.
Cortes emocionais são sempre doloridos, mas estender uma
relação de abuso emocional, em qualquer seara da vida, posterga o sofrimento,
mas não o evita.
Em algum momento você vai ter de lidar com a sua escolha e
não escolher já é uma escolha, que pode ser igualmente dolorida.
Mantenha o autorrespeito.
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Cláudia Dornelles
Era uma festa familiar, dessas que reúnem tios, primos, avós
e alguns agregados ocasionais que ninguém conhece direito. Jogada no sofá, uma
garota não estava lá muito sociável, a cara era de enterro. Quieta, olhava para
a parede como se ali fosse encontrar a resposta para a pergunta que certamente
martelava em sua cabeça: o que estou fazendo aqui? De soslaio, flagrei a mãe
dela também observando a cena, inconsolável, ao mesmo tempo em que comentava
com uma tia: "Olha pra essa menina. Sempre com esta cara. Nunca está
feliz. Tem emprego, marido, filho. O que ela pode querer mais?"
Nada é tão comum quanto resumirmos a vida de outra pessoa e
achar que ela não pode querer mais. Fulana é linda, jovem e tem um corpaço, o
que mais ela quer? Sicrana ganha rios de dinheiro, é valorizada no trabalho e
vive viajando, o que é que lhe falta?
Imaginei a garota acusando o golpe e confessando: sim, quero
mais. Quero não ter nenhuma condescendência com o tédio, não ser forçada a
aceitá-lo na minha rotina como um inquilino inevitável. A cada manhã, exijo ao
menos a expectativa de uma surpresa, quer ela aconteça ou não. Expectativa, por
si só, já é um entusiasmo.
Quero que o fato de ter uma vida prática e sensata não me
roube o direito ao desatino. Que eu nunca aceite a idéia de que a maturidade
exige um certo conformismo. Que eu não tenha medo nem vergonha de ainda
desejar.
Quero uma primeira vez outra vez. Um primeiro beijo em alguém
que ainda não conheço, uma primeira caminhada por uma nova cidade, uma primeira
estréia em algo que nunca fiz, quero seguir desfazendo as virgindades que ainda
carrego, quero ter sensações inéditas até o fim dos meus dias.
Quero ventilação, não morrer um pouquinho a cada dia sufocada
em obrigações e em exigências de ser a melhor mãe do mundo, a melhor esposa do
mundo, a melhor qualquer coisa. Gostaria de me reconciliar com meus defeitos e
fraquezas, arejar minha biografia, deixar que vazem algumas idéias minhas que
não são muito abençoáveis.
Queria não me sentir tão responsável sobre o que acontece ao
meu redor. Compreender e aceitar que não tenho controle nenhum sobre as emoções
dos outros, sobre suas escolhas, sobre as coisas que dão errado e também sobre
as que dão certo. Me permitir ser um pouco insignificante.
E, na minha insignificância, poder acordar um dia mais tarde
sem dar explicação, conversar com estranhos, me divertir fazendo coisas que
nunca imaginei, deixar de ser tão misteriosa pra mim mesma, me conectar com as
minhas outras possibilidades de existir. O que eu quero mais? Me escutar e
obedecer o meu lado mais transgressor, menos comportadinho, menos refém de
reuniões familiares, marido, filhos, bolos de aniversário e despertadores na
segunda-feira de manhã. E também quero mais tempo livre. E mais abraços.
Pois é, ninguém está satisfeito. Ainda bem.
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Martha Medeiros
domingo, 15 de outubro de 2017
quinta-feira, 12 de outubro de 2017
Coisas que eu descobri depois:
O playground dos adultos é muito desinteressante;
Quando crescer não passa, na maioria das vezes, piora;
Tomar conta da própria vida também significa cuidar das
feridas sozinho;
Se eu não fizer almoço corro o risco de ficar com fome;
O meu quarto não é do tamanho do mundo;
O chazinho sem o colo não tem gosto de nada;
Tenho mais obrigações do que tempo livre;
A chuva que causava algazarras, hoje provoca resfriado;
Que besta eu fui por não ouvir minha mãe;
Saudades dos tempos em que o maior drama era não ter feito a
lição de casa.
#feliz dia da criança que mora aí dentro de você!
programada
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Datas,
Ita Portugal
a máxima tragédia
Era uma senhora casada. Uma senhora casada e muito sábia que
tinha uma filha de uns três anos. Pois essa mulher muito sábia não deixava a
filha brincar com terra, não deixava a filha entrar no mar, não deixava a filha
andar de pés descalços. A senhora era uma sumidade em seu ofício, respeitada
por toda a sociedade, então era possível que tivesse razão quando impunha esses
impedimentos dizendo que era para o bem da filhinha, para que a menina não
pegasse doença, não corresse riscos. Eu escutava essa história e pensava: ok, é
uma senhora sábia e a filha dela nunca vai ficar doente – mas eu não queria ser
se essa filha vetada pra vida.
Era, eu também, uma menina, portanto meu pensamento não vinha
acompanhado dessa eloquência toda, mas era assim que eu sentia. Sem pé na
terra, pé na grama, pé na areia, que infância era aquela, que graça haveria em
ser um bibelô cujo vestido jamais ficaria imundo, cuja trança jamais se
desmancharia? Acreditavam todos que a intenção da senhora era amorosa e
protetora (e era), mas eu achava que faltava mais um adjetivo, sem saber
direito qual – ainda não conhecia a palavra paranoica.
Não sei que consequências teve isso na vida das duas
protagonistas. Hoje aquela filhinha de três anos deve ter saudáveis 45, por aí,
e a senhora sábia deve ter mais de 70. Todos sobreviveram, inclusive essa
história que nunca me saiu da cabeça, e que de vez em quando retorna, como
agora.
Associei essa lembrança do passado a uma frase dita pelo
arquiteto e urbanista Jaime Lerner em entrevista recente. Disse ele: “Porto
Alegre fez o muro da Mauá tentando evitar a máxima tragédia, o dia em que
houvesse a maior enchente da história. Por causa desse muro, você não vê o
Guaíba. A gente não pode querer evitar a máxima tragédia. O mais importante é a
tragédia do dia a dia”.
Não brinque com terra, não brinque com fogo, não mergulhe,
não arrisque, não salte, não se apaixone. Evite as máximas tragédias, recomenda
o grilo falante acomodado em um dos nossos ombros, com cara de quem teve poucas
alegrias na vida. É um cauteloso profissional, daqueles que constroem muros
contra imprevistos que se prenunciam desestabilizadores. Mas temos dois ombros,
não apenas um. À medida que o tempo passa, tenho escutado mais o que o outro
grilo assopra no lado oposto do meu pescoço. É um danado, tem algumas
cicatrizes no rosto, mas vive sorrindo e o brilho do seu olho é uma provocação.
Diz ele: trágico, guria, trágico mesmo, é o medo.
A menina que fui já intuía que perigoso era ficar de sapatos
o tempo todo. É preciso correr o risco de umas perebas, de uns arranhões, de
algumas inflamações. A máxima tragédia pode vir nunca. Com as mínimas a gente
se vira.
programada
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Martha Medeiros
por que a gente devia ler
Já me perguntaram muita coisa, interessante, boba ou doida, nas entrevistas pelo país afora e até fora dele. Outro dia, porém, um professor da plateia me deliciou perguntando: “Dona Lya, que motivo devo dar a meus alunos para estudarem?”. Não precisei pensar: “Ué, para não ficarem burros”. Risada geral, até eu achei graça, porque era tão verdadeiro embora meio irreverente.
Prefiro certa irreverência ao politicamente correto, que acho
detestável, hipócrita, moralista e... burro também. Ontem, ao telefone, numa
entrevista, me perguntaram por que alguém deveria ler Virginia Woolf, de quem,
aliás, traduzi há muito tempo uma bela biografia e uns quatro romances. Depois
a jornalista emendou: “Melhor primeiro dizer por que as pessoas deviam ler”.
Contei minha resposta ao professor meses atrás. Mas expandi
um pouco: acho que não se trata de dever ler, mas de exercer o direito de ler.
Isso, num país de milhões e milhões de analfabetos, é um direito do qual nem
nos damos conta, e pouco nos avisam. Atenção: alfabetizado não é só o que
assina o nome, mas que assina embaixo de um texto que entendeu!!! O resto é
empulhação. Assim, o número de analfabetos entre nós é prodigioso.
De saber ler a ler Virginia Woolf é quase um abismo, para
poucos eleitos, ou que se alçaram até lá. Vamos começar com ler, simplesmente
ler. Ir à escola, onde houver escola; onde houver acesso razoável à escola, sem
perder várias horas ao dia no trajeto. Onde houver, melhor do que computadores
onde não existe internet ou ninguém os sabe manejar, boas cadeiras e mesas,
paredes sólidas, quadro-negro e o material mais elementar para se dizer
“escola”.
O que há nos livros que os torna tão importantes?
Experiências impossíveis no cotidiano, viagens, aulas de psicologia, de
história, sensibilidade e emoção, aventura, diversão e crescimento pessoal.
Fazer parte de um mundo bem maior do que o nosso cotidiano. Não importa se for
uma leitura num tablet ou computador. (Eu confesso que não desisto do velho
hábito do livro de papel.) A literatura não vai acabar, ainda que mude sua
forma de se transmitir.
Nem precisamos ler literatura, muito menos clássica (a não ser na escola se ela for boa). Para quem não aprendeu a gostar, ou não tem esse dom mas tem muitos outros, ler Machado, Alencar, pode ser um tormento. Descubra o que lhe agrada ler: pode ser jornal, crônica, esporte, história, ciências, assuntos da Nasa, policiais (curto muito um bom policial), textos cômicos, o que importa é não ser analfabeto, não continuar ignorante, mas abrir-se ao prazer, ao luxo, de ler. E quem sabe um dia chegaremos a ler Virginia, seus textos elaborados, sutis, sofisticados, desafiadores. Vamos lá.
Nem precisamos ler literatura, muito menos clássica (a não ser na escola se ela for boa). Para quem não aprendeu a gostar, ou não tem esse dom mas tem muitos outros, ler Machado, Alencar, pode ser um tormento. Descubra o que lhe agrada ler: pode ser jornal, crônica, esporte, história, ciências, assuntos da Nasa, policiais (curto muito um bom policial), textos cômicos, o que importa é não ser analfabeto, não continuar ignorante, mas abrir-se ao prazer, ao luxo, de ler. E quem sabe um dia chegaremos a ler Virginia, seus textos elaborados, sutis, sofisticados, desafiadores. Vamos lá.
#dia da leitura
programada
sábado, 7 de outubro de 2017
O Aécio ser preso significa que o Lula é santo? Não.
O Temer
cair significa que a Dilma fez um bom governo? Não.
Os milhares de pobres que
tiveram suas vidas melhoradas durante o governo Lula representam um argumento
forte o suficiente pra gente tapar os ouvidos pra todos os esquemas de
corrupção no (e durante o governo do) PT? Não.
Isso só aconteceu no (e durante
o governo do) PT? Aff, não.
Mas isso é desculpa pra gente não ficar #chateado
com essa putaria deslavada? Não.
Eu tenho vergonha de já ter votado no PT? Não.
Eu sairia hoje na rua pra defender o PT? Não.
Ter bode de camisa polo ou
diploma de letras na USP justifica dizer que nem um único liberal presta? Não.
Muitos prestam? Não.
Bolsonaro vai pro céu? Claro que não.
Dá pra gente dizer
que odeia o FHC mesmo ele apoiando o Huck? Não.
Tem como não amar Pepe Mujica?
Não.
O Joesley é safadão? Não vem ao caso.
Se o país cair nas mãos de algum evangélico, showman ou
publicitário vale a pena continuar colocando #gratidão nas redes sociais? Não.
Fugir pra Miami vai continuar sendo opção de gente idiota? Não.
Já fez algum
sentido escrever gratidão ou colocar a florzinha da gratidão nas redes sociais?
Não.
Pessoas fofas e positivas e leves e muito felizes são legais de conversar?
Não.
Essas pessoas, por pior que sejam nossos candidatos, votam melhor que a
gente? Definitivamente não.
“Vote
consciente” é uma frase que ainda
faz sentido? Não.
Se todos caírem e só sobrar o Tiririca, melhor devolver o
país pra Portugal? Não, essa piada meu avô fazia, já deu. Pensemos uma nova.
Nenhum colunista de esquerda fala merda e todo colunista de direita fala merda?
Mil vezes não.
Enquanto inimigos íntimos de esquerda e de direita se bloqueiam
e se desbloqueiam num sexo sujo virtual de entra e sai raivoso e estéril, a
primeira dama da Friboi faz meia ruga na testa? Não.
Quando dá um nó na sua cabeça e você não entende mais nada ou
tem profunda preguiça de se aprofundar no milésimo desdobramento canalha de
algum político ou marqueteiro ou dono de empreiteira, isso significa que você é
burro ou alienado? Não.
Eu já achei o João Santana um gênio e quis ser amiga
dele e trabalhar com ele? Não (mentira, já).
A Mônica Moura estava
histericamente empolgada na delação premiada porque faz uso de remédios ou
porque todo baiano é acima de tudo feliz? Não saberemos.
Existe hoje algum político que nos emocione, nos faça
acreditar, militar e, ao mesmo tempo, pareça ter força pra governar esse país?
Não.
Apesar de tudo, vai dar tudo certo? Não.
As pessoas que não aceitam isso e
colocam a mão no fogo por determinado candidato ou partido fazem isso porque
são geniais, estudaram mais do que você e conseguem ver uma verdade que civis
limitados não conseguem? Não.
Se eu fosse solteira daria uma chance para aquele
policial de coque? Não responderei.
Ver o Cabral, o Eike e o Cunha presos significa que o Moro é um herói que chegou pra tirar nossos ideais da solidão? Não.
Ver o Cabral, o Eike e o Cunha presos significa que o Moro é um herói que chegou pra tirar nossos ideais da solidão? Não.
A gente pode dizer
que o Moro é um vendido escroto amigo risonho do Aécio que não fez nenhum bem
pro país? Não.
O Lula ter usado a mulher morta em sua defesa foi bonito de ver?
Não.
Você ter quase acreditado no Lula porque ele fala bonito quer dizer que
você é uma besta quadrada? Não.
O Cunha ter recebido tantas mesadas e o seu
filho ter ficado sem nenhuma mesada é motivo para estraçalhar bens públicos?
Não.
Somos pessoas carentes, infantilizadas, necessitadas de juntar amigos em grandes avenidas e torcer por algum líder, algum deus, algum salvador e por isso nos agarramos a crenças vazias, diariamente frustradas e acabamos sendo pequenas massinhas apáticas de manobras multicoloridas?
Somos pessoas carentes, infantilizadas, necessitadas de juntar amigos em grandes avenidas e torcer por algum líder, algum deus, algum salvador e por isso nos agarramos a crenças vazias, diariamente frustradas e acabamos sendo pequenas massinhas apáticas de manobras multicoloridas?
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Tati Bernardi
amor triste
Amor triste não é aquele em que nos arrependemos dos vacilos
e das falhas, da falta de palavras e da incoerência.
Não sofremos tanto quando a separação é justa e fizemos por
merecer. Aceitamos o fim por mais penoso que seja, porque vislumbramos um
motivo para não estarmos juntos. Tem uma explicação pontual, um desvio de
percurso, uma quebra de lealdade que feriu e destruiu a confiança mútua. É de
se entender a ruptura pelo contexto de uma mágoa.
Amor triste não é aquele em que nos arrependemos das brigas e
das discussões, das ofensas e das maldades, pois é natural se destruir quando
se gosta muito.
Amor triste, ironicamente, é quando nos constrangemos da
própria alegria, nos arrependemos dos momentos felizes, das viagens e passeios,
dos presentes e dedicações. Nem a euforia que existiu fica de pé. Nem as
fotografias mais bonitas sobrevivem.
É quando saímos da relação com o nítido pressentimento de que
estávamos sozinhos desde o início.
É aquele amor esvaziado, que não nos serve de experiência,
que não nos aperfeiçoará para futuros laços, não nos acrescentou em nada para
aprendermos a lidar melhor com a dor.
É aquele amor melancólico, onde chegamos à conclusão da total
perda de tempo, a ponto de lamentar o sacrifício da nossa juventude e de anos
valiosos da vida.
É aquele amor ladrão que nos leva inclusive os finais de
semana e as férias, a paz de ter tentado, o alívio de cenas emocionantes.
É aquele amor desmemoriado, no qual erramos a companhia muito
mais do que errar qualquer passo durante a convivência. Até o contentamento soa
falso, até a festa era para dentro.
Amor triste é o que não deixa saudade nem do que foi bom.
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Fabrício Carpinejar
quinta-feira, 5 de outubro de 2017
Durante alguns anos, convivi com uma senhora que trabalhou a vida inteira numa casa de família. Praticamente criou os filhos dessa família, que depois cresceram e seguiram amparando-a. Era uma mulher de alma boa, mas com uma vida desértica. Não sabia ler nem escrever. Não sabia identificar os números. Falava um português sofrível. Nasceu e viveu no interior do Rio Grande do Sul. Conheceu Porto Alegre, mas na Capital não conseguia pegar um ônibus ou fazer compras sozinha. Não teve filhos. Não se tem notícia de algum namorado, é bem possível que nunca tenha amado um homem. Colecionava bonecas mesmo depois de adulta. Era de uma ingenuidade assombrosa. Assistia televisão, mas entendia muito pouco do que via. Era uma mulher inocente que desconhecia a maldade, o sarcasmo, as segundas intenções. Cozinhava bem, seu grande dom. Fora isso, ter seis ou 60 anos não fazia a menor diferença, a não ser no aspecto físico. Nunca deixou de ser uma criança.
Soube que ela faleceu esta semana. Eu não a via há muitos
anos e, quando soube da notícia, senti a melancolia natural de quem passa a
recordar de alguém que já não habita esse mundo. Que eu saiba, não aconteceu
nada de genial na vida dela, nada de minimamente empolgante, e isto me soou
como um desperdício. Que graça tem viver a repetição sistemática dos dias, qual
o sentido de existir sem arte, sem conhecimento, sem paixão, sem
questionamentos? Me perguntei se ela teria sido feliz.
Imediatamente caí em mim: se bem a conhecia, ela nem sonhava
com a possibilidade de haver outra opção que não a de ser feliz. Dava a
impressão de que não reconhecia a existência de alternativas: ou isso ou
aquilo. Só conhecia “isso”: a vida dela, do jeito que era, sem desejos ou frustrações.
Agradar às pessoas ao redor parecia ser a única coisa que queria fazer. Talvez
tenha sido carrancuda algumas vezes, ou egoísta, ou desaforada: certamente foi,
não era uma planta, e sim um ser humano. Mas nenhuma dessas reações vinha
acompanhada de alguma consciência filosófica, de algum embasamento teórico. Ela
não conectava suas emoções aos porquês. Impossível uma criatura dessas não ser
feliz – ou perceber que é infeliz. Simplesmente, ela não racionalizava sobre
seu estado de espírito. Não tinha recursos intelectuais para tal. Assim como
ela, quantas outras vivem dessa maneira? Um mundaréu de gente, todos ignorantes
de si próprios, mas nem por isso insatisfeitos.
Certa vez escrevi uma crônica chamada Minha Felicidade Não É
a Sua, inspirada em um livro de Carlos Moraes. Lembrei dessa crônica ao pensar
nessa senhora. O que sabemos nós sobre aquele que parece radiante ou sobre
aquele outro que parece à beira do suicídio? Eles podem parecer o que for e
seguiremos sem saber de nada, sem saber de onde eles extraem prazer e dor. É um
atrevimento nos outorgar o direito de reconhecer, apenas pelas aparências, quem
sofre e quem não.
Essa senhora que nunca leu, nunca viajou, nunca amou, nunca
fez sexo, ou seja, que nunca experimentou os requintes e dissabores da vida
adulta, parece ter desperdiçado sua vida. Mas estar no mundo apenas por estar,
vá saber, pode ser uma forma sofisticadíssima de paz.
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Martha Medeiros
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