quarta-feira, 31 de julho de 2019
da série: vale a pena ler de novo
Intimidade
não se consegue numa noite de sexo.
Por maior que
seja a troca, o prazer, a peripécia, o orgasmo.
Intimidade é
construída diariamente, na resolução de um conflito, na confissão de um trauma,
na celebração das alegrias, na torcida por uma vitória, na confiança de
partilhar os sonhos mais íntimos. E isso demanda tempo, investimento
voluntário, e o desejo de comprometimento.
Numa noite de sexo por sexo o que se consegue é uma espécie de alívio fisiológico, uma injeção efêmera de endorfinas e serotoninas, ou nem isso.
Sexo por sexo poderá ser tão saudável quanto sexo com amor, mas não promove intimidade.
A carícia de quem ama alimenta os seus campos sutis, sua alma; a carícia de quem vivencia apenas o desejo alimenta o corpo. (Uma luz ilumina a superfície, a outra penetra).
Penetrar um
corpo numa relação sexual não necessariamente significa comunhão com ele. E o
prazer, na ausência da comunhão, é muito mais solitário e individual, mesmo que
simultâneo.
Penetrar um corpo com amor é ter vontade de perder-se e a confiança de que se estará seguro nesta entrega de todos os sentidos.
Poderá haver
tanta poesia numa relação quanto em outra, mas intimidade não.
Poderá haver
tanta diversão e desejo em uma como em outra, mas intimidade só se consegue com
o antes e o depois em consonância com o durante.
Sexo sem amor pode ser tão gostoso quanto com. Mas poder dizer um euteamo sonoro com toda a força do teu coração naquele momento em que alguém se funde a você, é um orgasmo-bônus que só a intimidade proporciona...
Hoje
é um dia para ser comemorado com muito prazer.
31/07
é o “dia do orgasmo”.
Goze
esse dia com muita intensidade!
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Datas,
Marla de Queiroz
De onde vêm as lutas e as
brigas entre vocês?
Elas vêm dos maus desejos que estão sempre lutando dentro
de vocês. Vocês querem muitas coisas; mas, como não podem tê-las, estão prontos
até para matar a fim de consegui-las. Vocês as desejam ardentemente; mas, como
não conseguem possuí-las, brigam e lutam.
Não conseguem o que querem porque não
pedem a Deus.
Tiago 4:1-3 / NTLH
sexta-feira, 26 de julho de 2019
avôs
Fila de banco. Dois senhores com ar distinto, um
atrás do outro. Os dois engravatados, respeitabilíssimos. O senhor de trás nota
um desenho colorido nas costas da mão do senhor da frente e pergunta:
– Neto?
– Neta – diz o outro.
– Eu também – diz o primeiro, mostrando um
desenho nas costas da própria mão.
– Ela diz que é uma borboleta. Eu não acho
nada parecido com uma borboleta, mas vou discutir com ela?
– A minha insiste que isto é um gato de
chapéu, e não quer ouvir o contrário.
– Não aceitam críticas.
– No outro dia, eu disse: “Que bonito, você
fez uma pintura abstrata...” Ela não quis saber de pintura abstrata. Era um
sapo vermelho no meio de um lago azul, eu não estava vendo?
– Elas ficam bravas.
– Ficam. Só falta nos chamarem de burros. E
quando a gente vai lavar a mão para tirar a tinta?
– Fazem um escândalo. Estamos destruindo as
suas obras de arte.
– A sua pinta, o seu rosto também?
– Pinta. Diz que é maquiagem. Há dias eu
estava dormindo a sesta e quando acordei estava com o rosto todo pintado. Pó,
batom, blush, tudo que ela pega da mãe dela.
– A minha só usa o batom. Mas passa batom em
todo o meu rosto, menos nos lábios. Na ponta do nariz, nas faces... Faz
desenhos com batom na minha testa e exige que eu nunca mais lave o rosto.
– Não é formidável?
– É fantástico.
– Vou confessar uma coisa. Eu não sabia o que
era a felicidade até o dia em que minha neta desenhou cabelos na minha careca
com tinta preta. Foi um escândalo em casa. Mas como, sujando a cabeça do vovô
desse jeito?! Ela explicou que era para tapar a careca, para o vovô ficar mais
bonito. Botaram ela de castigo, ameaçaram jogar fora as suas tintas, foi uma
choradeira só. E eu feliz da vida. Olhe só, ainda tem um resto de tinta aqui...
– Elas são maravilhosas...
– Mas depois crescem.
– Tem isso. Crescem depressa demais. Começam a
achar avô chato...
– Eu me vejo daqui a poucos anos andando atrás
da minha e pedindo: “Não quer pintar a mão do vovô?”
– É . “Pinta o rosto do vovô de palhaço,
pinta”.
– Vamos ter que pedir por favor.
– E elas nada. E daqui a pouco são umas
mulheres feitas...
– A verdade é que ser avô dura muito pouco.
– Muito. Temos que aproveitar o momento, que
passa rápido. Aproveitar antes que desbote.
– Como uma pintura na mão.
– Isso. Olha, acho que aquele guichê ficou
livre.
– Vou lá. Muito prazer, viu?
– Prazer!
#dia dos avós
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Datas,
Luis Fernando Veríssimo
Lembre disto: nos últimos
dias haverá tempos difíceis. Pois muitos serão egoístas, avarentos,
orgulhosos, vaidosos, xingadores, ingratos, desobedientes aos seus pais e não
terão respeito pela religião. Não terão amor pelos outros e serão duros,
caluniadores, incapazes de se controlarem, violentos e inimigos do bem. Serão
traidores, atrevidos e cheios de orgulho. Amarão mais os prazeres do que a
Deus.
2 Timóteo 3:1-4 / NTLH
quinta-feira, 25 de julho de 2019
Eu me torno
emocionalmente saudável quando consigo desconstruir todas as tolices sobre
amores salva-vidas e jogar a ideia surreal do príncipe encantado no lixo.
Eu me
torno emocionalmente saudável quando acredito que namorar deve ser leve mesmo
quando intenso, e divertido mesmo quando há um sério comprometimento.
Eu me
torno emocionalmente saudável quando o que me ocupa é a minha vida e não a
reação que tenho ao comportamento alheio.
Eu me torno emocionalmente saudável
quando percebo que determinada história não me abrange, me deixa inadequada,
fere a minha autoestima e sinto que isto é o suficiente para eu tentar ser
feliz e me abrir para outras possibilidades.
Eu me torno emocionalmente
saudável quando escolho os meus parceiros pelo que me agregam de luz e
crescimento, não pelo desafio que me trazem quando se mostram emocionalmente
indisponíveis ou abertos para viverem outras relações que não a nossa.
Eu me
torno emocionalmente saudável quando me permito ficar sozinha até atrair um
alguém que esteja disposto a trocar, desbravar paisagens juntos, que esteja
inteiro no lugar que escolheu.
Eu me torno emocionalmente saudável quando,
estar ou não estar com alguém sexo-afetivamente, não se torna a prioridade da
minha vida, mas somente um dos meus desejos.
Eu me torno emocionalmente
saudável quando aprendo a dar nome aos meus sentimentos: e não confundo posse
com excitação, dependência com paixão, rejeição com confusão alheia...
Eu me torno
emocionalmente saudável quando dou amor, não carência.
(Livrai-me do que desbota
a minha lucidez e da alienação de achar que a felicidade está no outro e não em
mim. Que seja assim).
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Marla de Queiroz
homens que se aproveitam
Entra geração, sai geração e os pais seguem
dando os mesmos conselhos. Mamãe para sua menina: “Filhinha, dê-se o valor. Não
saia com qualquer um, esses garotos só querem se aproveitar de você”. Papai
para seu menino: “Filho, não se amarre tão cedo. Faça muita festa, namore
todas, aproveite a vida”.
Moral da história: toda menina é carniça, todo homem
é urubu. Não olhe agora, mas teias de aranha estão se formando no teto. Estou
para ver papo mais obsoleto. Mesmo que as mães estejam hoje menos caretas e já
não destilem tanto preconceito, ainda assim paira no ar a ideia de que, quando
um homem e uma mulher vão para os finalmentes sem haver um compromisso formal,
ele está tirando uma lasquinha da pobre infeliz, que está ali sendo iludida,
usada, consumida.
Tirem as crianças da sala! O que ninguém contou para o urubu
é que a carniça não está morta: ela também tem fome e sacia-se plenamente com
essa refeição. Pelo amor de Deus, as mulheres aproveitam também! A diferença é
que a gente não sai com um cara para ter assunto com as amigas no dia seguinte.
As mulheres é que são as verdadeiras comem-quieto.
Não acredito quando ouço uma garota dizer que
fulano se aproveitou dela. Como assim, ela estava desmaiada? Algumas mulheres
ainda têm esse vício de achar que uma relação sexual que não evoluiu para um
namoro sério ou para um casamento é uma espécie de estelionato: o cara furtou
sua ilusão de amor. Essa garota aí até pode ter caído numa cantada
mal-intencionada, mas ainda assim, durante o bem-bom, ela não estava fazendo
nenhum sacrifício: trocou carinho, sentiu prazer, ficou satisfeita. Por que só
o homem se aproveita? Aliás, por que esse “se” pejorativo, como se o ato sexual
fosse praticado por um só? Homens e mulheres apenas “se” aproveitam quando se
masturbam, amando-se a si próprios. O resto é em proveito dos dois.
Ninguém deve se entregar para uma pessoa em
troca de garantias. Uma relação sexual não é um passaporte para o altar, é
apenas uma transa, que pode virar duas, três, trezentas ou pode permanecer
filha única. Nenhuma mulher pode dizer que alguém se aproveitou da sua
ingenuidade depois de ela ter consentido tirar a roupa. Se tirou, que aproveite
também.
Quem acha que o prazer é um direito apenas dos
homens precisa voltar pra aos anos 70 e recuperar as aulas perdidas.
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Martha Medeiros
terça-feira, 23 de julho de 2019
medrosa
Tenho medo de ratos. Nem
sei se a palavra certa é medo. Acredito que seja uma repulsa, me recuso a
conviver no mesmo ambiente que um rato, ainda que por alguns instantes e ainda
que ele (o rato) não esteja “nem aí” para mim. Contudo ainda me considero
uma pessoa destemida. Não tenho medo da morte, não medo dos desafios, não tenho
medo de altura, pelo contrário, adoro. Não tenho medo de crescer, tampouco das
surpresas da vida. E quando tenho medo, vou com ele mesmo e nos viramos bem
juntos.
O medo faz com que
sejamos prudentes e isso é bom. Ruim é quando o medo nos bloqueia e nos impede
de agir. Aí é pavor.
Mas devo confessar que eu
tenho medo de gente. Tenho medo de gente falsa, aquelas que se parecem
boazinhas, educadas e preocupadas conosco, enquanto na verdade, tramam,
inventam, levam e trazem informações com o único objetivo de atrapalhar,
estragar ou, como dizia a minha avó, “fazer o circo pegar fogo”. Para mim esse
é o estágio mais mesquinho que o ser humano pode chegar. Este vale menos que os
ratos e, por isso mesmo, tenho medo deles.
Também tenho medo dos
invejosos. Daqueles que não sabem suportar a felicidade alheia. Daqueles que
não conseguem se regozijar com nossas conquistas. Eles são muito bons quando
precisamos deles, quando estamos por baixo, na pior ou em estado crítico.
Geralmente são prestativos até o dia que não precisamos mais deles e aí, toda
presteza vira ira, intensão reversa. Estes são monstros sorridentes no meio de
nós. E deles precisamos nos afastar cada dia mais, até os perdermos de vista.
As poucas vezes que precisei fitar uma pessoa para espantar o meu medo, elas se
foram. Não suportaram um olhar que enxergasse atrás dos olhos.
Fora esses dois tipos
estranhos, eu adoro gente, adoro pessoas, adoro conversar. É com as pessoas que
eu aprendo, é com as pessoas que eu cresço, é com a diversidade de opiniões e
pensamentos que eu fortaleço os meus princípios.
E assim eu sigo, com medo
dos ratos e medo de gente. Mas sigo rodeada de gente que me querem bem de
verdade e me impulsionam a crescer cada
vez mais. Dessas eu não tenho medo, posso garantir. Nunca imaginei que medo e coragem caberiam no
mesmo espaço, contudo depois de enfrentar pessoas e ratos, concluí que, esta
medrosa aqui, tem mais coragem que muitos que declaram suas coragens em plena
praça. Medrosa, eu? Não. Apenas atenta aos ratos.
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Leila Rodrigues
segunda-feira, 22 de julho de 2019
Desencana.
Sempre vai ter
alguém pra te dizer se o que você fez foi certo ou foi errado.
Pouco importa.
Dificilmente vão querer saber se era tudo o que você podia fazer.
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Marla de Queiroz
avec elegance
Hoje a maioria das pessoas que têm acesso à
informação sabe que é peruíce usar uma blusa de paetês às duas da tarde e que é
deselegante comparecer a um casamento sem gravata. Costanza Pascolato, Gloria
Kalil e Claudia Matarazzo são algumas das jornalistas especializadas em ajudar
os outros a não cometerem gafes na hora de se vestir ou de se portar à mesa.
Mas existe uma coisa difícil de ser ensinada e que, talvez por isso, esteja
cada vez mais rara: a elegância do comportamento.
É um dom que vai muito além do uso correto dos
talheres e que abrange bem mais do que dizer um simples obrigado diante de uma
gentileza. É a elegância que nos acompanha da primeira hora da manhã até a hora
de dormir e que se manifesta nas situações mais prosaicas, quando não há festa
alguma nem fotógrafos por perto. É uma elegância desobrigada.
É possível detectá-la nas pessoas que elogiam
mais do que criticam. Nas pessoas que escutam mais do que falam. E quando
falam, passam longe da fofoca, das pequenas maldades ampliadas no boca a boca.
É possível detectá-la nas pessoas que não usam
um tom superior de voz ao se dirigir à empregadas domésticas, garçons ou
frentistas. Nas pessoas que evitam assuntos constrangedores porque não sentem
prazer em humilhar os outros. É possível detectá-la em pessoas pontuais.
Elegante é quem demonstra interesse por
assuntos que desconhece, é quem dá um presente sem data de aniversário por
perto, é quem cumpre o que promete e, ao receber uma ligação, não recomenda à
secretária que pergunte antes quem está falando e só depois manda dizer se está
ou não está.
Oferecer flores é sempre elegante. É elegante
não ficar espaçoso demais. É elegante não mudar seu estilo apenas para se
adaptar ao de outro. É muito elegante não falar de dinheiro em bate-papos
informais. É elegante retribuir carinho e solidariedade.
Sobrenome, jóias e nariz empinado não
substituem a elegância do gesto. Não há livro que ensine alguém a ter uma visão
generosa do mundo, a estar nele de uma forma não arrogante. Pode-se tentar
capturar esta delicadeza natural através da observação, mas tentar imitá-la é
improdutivo.
A saída é desenvolver em si mesmo a arte de
conviver, que independe de status social: é só pedir licencinha para o nosso
lado brucutu, que acha que “com amigo não tem que ter estas frescuras”. Se os amigos
não merecem uma certa cordialidade, os inimigos é que não irão um dia
desfrutá-la. Educação enferruja por falta de uso. E, detalhe: não é frescura.
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Martha Medeiros
sábado, 20 de julho de 2019
amigos à parte
De todas as relações que
temos no mundo, na vida, ainda mais se for longa, possivelmente esta seja a
mais essencial: a amizade.
Pois mesmo entre pais e
filhos, e marido e mulher ou amantes, a amizade deve ser um traço de
confiabilidade. Confio nele, nela, porque há entre nós, além de laços de sangue
e amor, uma amizade que inclui respeito, entendimento, paciência, compreensão,
alegria, bom humor. Amigo não tem ciúme, amigo não abandona, amigo não ofende
conscientemente, amigo também procura não mentir ainda que doa, a não ser que a
verdade fosse demais mortal.
– Que qualidade primeira
a gente deve esperar de alguém com quem pretende um relacionamento? – perguntou
o jovem jornalista, e respondi: aquelas que se esperaria no melhor amigo. O
resto, é claro, seriam os ingredientes da paixão, que vão além da amizade. Pode
ser um bom critério. Não digo de escolha – pois amor é instinto e intuição –,
mas uma dessas opções mais profundas, arcaicas, que a gente faz até sem saber,
para ser feliz ou para se destruir.
Eu não quereria como
parceiro de vida quem não pudesse querer como amigo. E amigos fazem parte de
meus alicerces emocionais: são um dos ganhos que a passagem do tempo me
concedeu.
Falo daquela pessoa para
quem posso telefonar não importa onde ela esteja, nem a hora do dia ou da
madrugada, e dizer: “Estou mal, preciso de você”. E ele ou ela estará comigo
pegando um carro, um avião, correndo alguns quarteirões a pé, ou simplesmente
ficando ao telefone o tempo necessário para que eu me recupere, me reencontre,
me reaprume, não me mate, seja lá o que for.
Mais reservada do que
expansiva num primeiro momento, mais para tímida, tive sempre muitos conhecidos
e poucas – mas reais – amizades de verdade, dessas que formam, com a família, o
chão sobre o qual a gente sabe que pode caminhar.
Falo de pessoas para as
quais eu sou apenas eu, uma pessoa com manias e brincadeiras, eventuais
tristezas, erros e acertos, os anos de chumbo e uma generosa parte de ganhos
nesta vida. Não uma escritora conhecida: sou gente. Com uma dessas amizades
posso fazer graça ou fazer fiasco, chorar, eventualmente dizer palavrão quando
me irrito ou quando esmago o dedo na porta. (Ou sempre que me der vontade,
aliás.)
A amizade é um meio-amor
sem o ônus do ciúme – bela vantagem. Ser amigo é rir junto, é dar o ombro pra
chorar, é poder criticar (com carinho, por favor), é poder apresentar novo amor
ainda que meio esquisito, é poder até brigar e voltar um minuto depois, sem ter
de dar explicação.
Quando mais uma vez o
destino tirou de baixo de mim todos os tapetes e perdi o prumo, o rumo, o
sentido de tudo, foram amigos, amigas – e meus filhos, jovens adultos já
revelados amigos –, que seguraram as pontas – pontas ásperas aquelas.
Com amigos, sem grandes
conversas nem palavras explícitas, aprendemos solidariedade, simplicidade,
honestidade, e carinho. Com eles a gente pode simplesmente ser: que alívio,
neste mundo complicado e desanimador, deslumbrante e terrível, fantástico e cansativo.
sexta-feira, 19 de julho de 2019
O que fazer quando for
amanhã?
Amanhã já é hoje.
Hoje voltará a ser ontem.
Ontem será sempre algum
dia.
Ontem, hoje e amanhã só há
uma coisa a se fazer : seguir a placa que indica : “siga em frente e enfrente!”
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Cláudia Dornelles
diferença de necessidades
“Procedíamos de galáxias
diferentes, como dois cometas que se cruzam efemeramente no espaço. Ele vinha
da infância e nunca tivera uma parceira estável, queria me viver até me
esgotar, queria que montássemos juntos uma casa, que sonhássemos um futuro, que
nos enchêssemos de compromissos de eternidade até as orelhas. Eu provinha da
fatigante travessia da idade madura e sabia que a eternidade sempre se acaba, e
tanto mais cedo quanto mais eterna. E assim fui avarenta, me neguei a ele,
afastei-o de mim. Quanto mais ele me exigia, mais me sentia asfixiada; e,
quanto mais me regateava, mais ansiosamente ele queria me segurar. Dito isso,
se ele se retirava, eu avançava, e então o perseguia e o exigia: porque o amor
é um jogo perverso de vasos comunicantes.”
Gastei bom pedaço do texto transcrevendo esse parágrafo do excelente livro A Filha do Canibal, da
espanhola Rosa Montero, pois eu não saberia descrever melhor a razão de tantos
desencontros amorosos. O relato refere-se a um homem e uma mulher com alguma
diferença de idade - ela é a mais velha, lógico, como tem se tornado comum hoje
em dia. Muitas pessoas duvidam que uma relação assim possa dar certo. Claro que
pode. Tudo pode dar certo e tudo pode dar errado, e a idade nada tem a ver com
isso, é apenas um detalhe na certidão de nascimento. O que transforma nossa
vida amorosa num melodrama é a diferença de necessidades. Aí não há casal que
encontre seu ponto de apoio, seu eixo e seu futuro.
Um quer compromisso
sério; para o outro, amar já é sério o suficiente. Um quer filhos, o outro nem
em sonhos. Um quer uma casinha no meio do mato, o outro é curioso, precisa de
informação, cinema, teatro, gente. Um valoriza a transa antes de tudo, o outro
acha que conversar é importante também. Ao menos, os dois gostam de dançar.
Um quer se sentir o
centro do universo, o outro quer incluí-lo no seu amplo universo. Um quer fugir
da solidão, o outro aceita a solidão. Um não quer falar de suas dores, o outro
pergunta demais. Um briga por amor, o outro silencia por amor. Os dois se amam,
isso não se discute.
Um não precisa conhecer o
mundo, o outro traz o mundo em si. Um é romântico para disfarçar a brutalidade,
o outro é doce para despistar a secura. Um quer muito de tudo, o outro se
contenta com o mínimo essencial. Nenhum dos dois liga pra dinheiro, mas o
dinheiro quase sempre está no bolso de quem viveu mais. Um fica inseguro, o
outro diz que nada disso importa, mas claro que importa.
Um quer que lhe dêem
atenção por 24 horas, o outro precisa que lhe esqueçam por uns instantes. Um
quer aproveitar cada réstia de sol, o outro gostaria de dormir um pouco mais.
Um gostaria de saber o que não sabe, o outro queria desaprender metade do que a
vida lhe ensinou. Um precisa berrar, o outro chora.
Um quer ir embora e ao
mesmo tempo, não. O outro quer liberdade, mas a dois.
Então um se vai e deita
em todas as camas, sofrendo. E o outro mergulha sozinho na dor, sobrevivendo.
Diferença de idade não
existe. A necessidade secreta de cada um é que destrói ilusões e constrói o que
está por vir.
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Martha Medeiros
quinta-feira, 18 de julho de 2019
Às vezes, uma vontade de
conversar, dessas conversas em que se fala sobre todos os medos e todas as
fragilidades, nada além do que se esteja, nada que determine quem você é.
Às
vezes é só uma solidão em que se quer compartilhar sem que o outro se sinta na
obrigação de entender, mas apenas ouça porque a gente também não entende.
São
momentos em que a gente nem precisa reclamar de nada, porque tá tudo bem, o que
há é um leve ou enorme aperto não identificado no peito. E a gente não quer
ficar calado demais pra não dar rouquidão à tristeza.
É mesmo só uma vontade de
dizer que a vida é mágica sim, mas que as coisas não são incríveis o tempo
todo. E que, às vezes, a gente precisa de um colo do tamanho do que aprendeu a
dar e que a gente também não gosta de compreensões exacerbadas do tipo que
fazem cafuné na hora em que se quer dar socos na almofada!
É um pouco de raiva
com um certo cansaço. Uma real percepção de que se trabalhou tanto o ser
interno para estar sempre inacabado. E esse é um trabalho que não termina.
Mas
aí a gente lembra que precisa ser tão grato sempre e que isso pode ser falta de
confiança na vida...
Foda-se! A gente é
humano.
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Marla de Queiroz
os invisíveis
Conscientemente ou não,
todos nós sentimos necessidade de deixar a nossa marca: uma vida passada em
branco não empolga. Alguma coisa de nós tem que permanecer, e a feitura de
filhos tem dado conta deste propósito, mas, depois de tê-los, descobrimos que
filhos não são uma extensão de nós, e sim criaturas independentes. Não servem
de dedicatória para o mundo.
Uma vez escrevi sobre as
pichações que vemos estampadas tanto em muros baixos quanto em prédios altos.
Há uma quantidade enorme de jovens que se arriscam para desenhar ou escrever
qualquer bobagem, em lugares bem visíveis, sem se importar com a imundície e
com a violação do espaço público. É a dedicatória deles: “Para a cidade,
com o meu desprezo”. Grafiteiros, ao contrário, são artistas, deixam sua
marca para a cidade com criatividade e brilhantismo. O pichador deixa um
recado, apenas: também existo, mesmo que você não me veja nem saiba quem sou.
Tenho me perguntado a
razão de a violência urbana continuar aumentando. Tráfico de drogas, pouco
investimento em educação, ausência de policiamento, corrupção, famílias
desestruturadas, cultura desprestigiada, ignorância. As explicações trafegam
por este universo de carências e deságuam no ego: todos se sentem especiais e
querem que o mundo os conheça. Há duas maneiras de existir: fazendo coisas bem
feitas ou coisas malfeitas, sendo produtivo ou sendo destrutivo, respeitando as
leis ou desafiando-as. Seja qual for o caso, chamar a atenção é o objetivo.
A violência, mesmo quando
acontece entre quatro paredes, mesmo quando é contra uma única pessoa, ela
atinge a sociedade inteira. É, portanto, uma assinatura. Estamos vivendo com
tão poucas oportunidades de realização que a brutalidade é hoje um ato
desesperado para se tornar visível. E, como se sabe, é mais fácil ser ruim do
que ser bom.
“Foi tudo muito rápido”, dizem todos os que testemunharam uma tragédia. É rápido mesmo. A pulsão do mal é instantânea, desestabilizar não requer nenhuma sofisticação, nenhum nível de consciência, nenhum preparo. Um soco, um tiro. Tá feito.
“Foi tudo muito rápido”, dizem todos os que testemunharam uma tragédia. É rápido mesmo. A pulsão do mal é instantânea, desestabilizar não requer nenhuma sofisticação, nenhum nível de consciência, nenhum preparo. Um soco, um tiro. Tá feito.
A paz vem da sensação de
termos uma identidade própria e de sermos reconhecidos por ela. Deveríamos
bastar para nós mesmos, fazer aquilo que consideramos certo e justo sem se
preocupar com a opinião alheia, mas a indiferença é a pior das solidões.
Queremos que os outros vejam o que sabemos fazer, e se não houver oportunidade
de trabalhar, de realizar um projeto elogiável, de praticar um esporte, de
fazer parte de um grupo bacana e manifestar as próprias ideias, a pessoa não
ficará em casa curtindo sua invisibilidade. Ela fará o outro enxergá-la na
marra, nem que seja provocando dor.
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Martha Medeiros
terça-feira, 16 de julho de 2019
Há quem celebre o
aniversário do cãozinho com uma garden party para 300 convidados, quem contrate
meia dúzia de duplas sertanejas para cantar na formatura do caçula, quem
encomende três vestidos de gala para a filhota trocar durante a festa de 15
anos e mais uma sequência de torração de dinheiro que não é da minha conta, eu
sei. Cada um com seus luxos. Você e eu também temos alguns.
Ando me dando ao luxo de
dormir um pouco mais, coisa que até um tempo atrás eu me permitia com
moderação. Também tenho me dedicado à DR (discutir a relação) comigo mesma.
Ando a fim de me relacionar melhor com esta mulher que já não acorda tão cedo e
que resolveu investir mais na vida pessoal. Não vou abandonar o batente, a
loucura não chegou a esse ponto, mas pretendo cuidar mais do coração (nada a
ver com colesterol, e sim com romance). Parece que o nome disso é viver a vida.
Não que eu já não me dedicasse a esse projeto, mas às vezes é preciso dar uma
parada para redefinir o que é vida, afinal.
(...)
Luxo é estar com quem se
gosta, afinar a sintonia com os filhos, dedicar-se ao amor. Enxergar, escutar,
estar: conjugar mais os verbos que são de doação, não apenas os que contemplam
o ego. Todos os luxos são caros, mas podem ser valiosos em outro sentido.
Luxo é “saber
viver”, dedicando-se menos às redes
sociais, usufruindo o tempo em vez de virar escrava dele e organizando a
rotina em torno das satisfações mínimas, e não de exigências desumanas. É querer rir mais, que a gente tem rido menos do que deveria. Determinar novas
urgências.
Urgente agora é saborear
os dias, não simplesmente vê-los passar.
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