“Procedíamos de galáxias
diferentes, como dois cometas que se cruzam efemeramente no espaço. Ele vinha
da infância e nunca tivera uma parceira estável, queria me viver até me
esgotar, queria que montássemos juntos uma casa, que sonhássemos um futuro, que
nos enchêssemos de compromissos de eternidade até as orelhas. Eu provinha da
fatigante travessia da idade madura e sabia que a eternidade sempre se acaba, e
tanto mais cedo quanto mais eterna. E assim fui avarenta, me neguei a ele,
afastei-o de mim. Quanto mais ele me exigia, mais me sentia asfixiada; e,
quanto mais me regateava, mais ansiosamente ele queria me segurar. Dito isso,
se ele se retirava, eu avançava, e então o perseguia e o exigia: porque o amor
é um jogo perverso de vasos comunicantes.”
Gastei bom pedaço do texto transcrevendo esse parágrafo do excelente livro A Filha do Canibal, da
espanhola Rosa Montero, pois eu não saberia descrever melhor a razão de tantos
desencontros amorosos. O relato refere-se a um homem e uma mulher com alguma
diferença de idade - ela é a mais velha, lógico, como tem se tornado comum hoje
em dia. Muitas pessoas duvidam que uma relação assim possa dar certo. Claro que
pode. Tudo pode dar certo e tudo pode dar errado, e a idade nada tem a ver com
isso, é apenas um detalhe na certidão de nascimento. O que transforma nossa
vida amorosa num melodrama é a diferença de necessidades. Aí não há casal que
encontre seu ponto de apoio, seu eixo e seu futuro.
Um quer compromisso
sério; para o outro, amar já é sério o suficiente. Um quer filhos, o outro nem
em sonhos. Um quer uma casinha no meio do mato, o outro é curioso, precisa de
informação, cinema, teatro, gente. Um valoriza a transa antes de tudo, o outro
acha que conversar é importante também. Ao menos, os dois gostam de dançar.
Um quer se sentir o
centro do universo, o outro quer incluí-lo no seu amplo universo. Um quer fugir
da solidão, o outro aceita a solidão. Um não quer falar de suas dores, o outro
pergunta demais. Um briga por amor, o outro silencia por amor. Os dois se amam,
isso não se discute.
Um não precisa conhecer o
mundo, o outro traz o mundo em si. Um é romântico para disfarçar a brutalidade,
o outro é doce para despistar a secura. Um quer muito de tudo, o outro se
contenta com o mínimo essencial. Nenhum dos dois liga pra dinheiro, mas o
dinheiro quase sempre está no bolso de quem viveu mais. Um fica inseguro, o
outro diz que nada disso importa, mas claro que importa.
Um quer que lhe dêem
atenção por 24 horas, o outro precisa que lhe esqueçam por uns instantes. Um
quer aproveitar cada réstia de sol, o outro gostaria de dormir um pouco mais.
Um gostaria de saber o que não sabe, o outro queria desaprender metade do que a
vida lhe ensinou. Um precisa berrar, o outro chora.
Um quer ir embora e ao
mesmo tempo, não. O outro quer liberdade, mas a dois.
Então um se vai e deita
em todas as camas, sofrendo. E o outro mergulha sozinho na dor, sobrevivendo.
Diferença de idade não
existe. A necessidade secreta de cada um é que destrói ilusões e constrói o que
está por vir.