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Não é que eu não acredite em almas gêmeas, acho até possível
que existam duas pessoas com um grau de afinidade absoluto e temperamentos
praticamente iguais, sem falar na química que faria corar as paredes do quarto.
Se eles por ventura se encontrarem, será o relacionamento dos sonhos, mas o
problema é justamente este: o encontro. Não seria muita sorte sua alma gêmea,
sendo tão rara, frequentar o mesmo bar, estar no mesmo grupo de WhatsApp e ter
amigos em comum no Face?
Somos 7 bilhões no planeta. Não parece mais lógico que sua
alma gêmea esteja vivendo em Macau, em Auckland, em Salzburg? Pense. Ela
estaria justamente ali no boteco da esquina, comendo um pastelzinho de camarão
com os olhos fixos em você? É mais provável que esse estranho com os olhos
fixos em você seja uma alma oposta a ser desbravada. Nada contra. Das aventuras
surgem amores não univitelinos, mas que divertem.
Almas gêmeas, se existem, estão a muitos quilômetros de
distância, com poucas chances de cruzarem olhares e fundarem a relação
perfeita. Eu acredito na sorte, mas com parcimônia. Poucas semelhanças – serve.
Temperamentos conflitantes, mas que ajudam a equilibrar a relação – serve
também. Diferenças que mantêm a vontade de explorar o universo do outro – serve.
Querida leitora, esqueça almas 100% gêmeas, mais vale se contentar com algumas
similaridades que dão conta do recado.
Uma biblioteca gêmea, por exemplo. Você entra na casa do cara
e descobre que os autores na estante são os mesmos que estão na sua. Comemore.
Vocês dois são almas gêmeas, em parte. Não importa se um gosta de cerveja e o
outro é abstêmio, se um é crente e o outro um devasso: vocês leem os mesmos
autores, estão sintonizados pela boa literatura, a conversa está garantida, não
exija mais do que isso, case-se agora.
Uma discografia gêmea. O Spotfy traz a mesma playlist. O que
arrepia os pelinhos do braço de vocês é a mesma guitarra de Jeff Beck, o mesmo
vocal da Amy Winehouse, o mesmo cenário indie rock, ou o mesmo sertanejo, vá
lá, sertanejos também amam, até mais do que roqueiros, reza a lenda. Você tem
ideia de como isso facilitará na hora de viajar de carro?
Uma cinefilia gêmea. Vocês veneram os mesmos diretores, os
mesmos tipos de filme, mesmo que, no reduto do lar, se desesperem na hora de educar
os filhos (um liberal, outro repressor) ou na escolha do cardápio (um vegano,
outro carnívoro). Mas, quando vão ao cinema, as mãos não se desgrudam no
escuro. Acredite, isso faz mais por um relacionamento do que as promessas
matrimoniais ditas no altar.
Sou romântica o suficiente para acreditar que partículas de
afinidade bastam pra começar uma história de amor. Almas mezzo gêmeas – serve.