sexta-feira, 27 de novembro de 2020
quinta-feira, 26 de novembro de 2020
segunda-feira, 23 de novembro de 2020
medo do medo
Os medos espiam,
espreitam, na parte escura do nosso inconsciente... com os anos crescem ou se
esfumam, ou nos atormentam mais (ou menos).
Os meus eram enormes na
infância, que foi a um tempo cheia de encantamento e de terror. Nunca soube por
que, mas acredito que nascemos mais ou menos prontos, com uma bagagem psíquica
que nos define. Algumas coisas podemos melhorar, outras farão parte da nossa
personalidade e vida.
Já adulta jovem, morria
de medo de atravessar sozinha o corredor da casa dos pais, ou mais tarde da
minha. Seguidas vezes, eu adolescente, meu irmão pequeno me dava a mão,
caminhava comigo até a porta de meu quarto e morria de rir. Eu me dividia entre
rir de mim mesma e continuar com medo.
Acho que com os filhos
chegando me obriguei a sacudir dos ombros essas escuras asas, pois era minha
vez de cuidar dos meus pequenos amados. Hoje, não tenho medo nem de
fantasmagorias, porque já tenho do lado de lá tantos mortos queridos.
Hoje vivemos numa era de
medos: da violência, das maldades, dos desmandos e desgovernos, do
empobrecimento, das dores do mundo que chegam em nossa casa o tempo todo. Sou
adepta da internet, com a qual tenho me comunicado incessantemente nesses oito
meses de confinamento - que respeito com alguma secreta rebeldia de menina
batendo pé, eu quero, eu quero. Porém sinto no ar, no planeta, o medo óbvio
dessa doença diabólica, desse vírus, de que muitos ainda debocham, que muitos
desafiam e outros muitos têm direito - e dever - de recear.
Mesmo informada de tudo,
em certos dias me desanima o ficar em casa, não receber quase ninguém, até
família chegando, rara, mascarada e “alcoolizada” (uma amiga me perguntou,
inocente e querida: “Mas eles chegam bêbados?”).
Sinto uma falta dos
convívios normais de antes. De poder sair para almoçar no meu clube, pequeno e
discreto, único que frequento, onde todos formamos uma família. De poder reunir
no refúgio de Gramado, no mato, pessoas queridas, quando lá agora os vizinhos
se cumprimentam acenando de longe.
Sempre fui um bicho da
minha toca, uma mulher da minha casa, com meus livros, meus discos, meus amores
- e por mais incrível que tenha sido a viagem, o momento de abrir a porta e
chegar é sempre de uma profunda sensação de abrigo.
Estamos navegando todos
nesse mar escuro, traiçoeiro, estranho, que até aos cientistas tem causado
trabalho e perplexidades, e temos medo, sim. Não está em meus planos ir para
uma UTI, ser entubada, enfim, não determino eu, mas me cuido, às vezes
contrariada, revivendo tolamente a criança mimada que fui, mas a maioria das
vezes curtindo tranquila os encontros virtuais, meus livros, minhas tintas e
pincéis.
Tudo isso, tão pouco
original, escrevo para dizer que o medo se justifica, é digno e necessário,
precioso conselheiro, e por favor, amados leitores, amigos meus, cuidem-se.
Perdoem-me, mas estes tempos de festas vão ser difíceis, intrigantes,
incômodos... perigosos. Vamos inventar jeitos de amar, celebrar, sem perigo. A
gente merece viver. E viver direito.
(Sim: eu também estou me
achando muito chata escrevendo isso...)
“Não permita que o medo direcione os seus passos. Não permita que o mau humor desarme o sorriso que enfeita a sua face. Não traga pro hoje as dores de ontem. Alague o coração de esperança e permita que o novo dia abrace apertado. Escreva novos sonhos, escreva novas histórias.
Se (re)invente se for preciso. Não se deixe sabotar
pelas incertezas, transforme a dúvida em caminhar.”
Marcely Pieroni Gastaldi
domingo, 22 de novembro de 2020
sábado, 21 de novembro de 2020
reverberação
O destino trama os dias
e desfaz o sonho: demarca
meus contornos, partes
disso que sou e serei.
(Talvez eu precisasse é dos silêncios.)
sexta-feira, 20 de novembro de 2020
quinta-feira, 19 de novembro de 2020
nada passa
Uma das músicas mais
bonitas da MPB é aquela composta pela Nelson Motta e cantada pelo Lulu Santos,
que diz que na vida tudo passa, tudo sempre passará como uma onda no mar.
Linda. Mas é mentira.
A garota está sofrendo o
diabo porque brigou com o namorado e a mãe consola com a frase de sempre: vai
passar. O garoto levou bomba no vestibular e o melhor amigo diz: na próxima vez
você passa. Analisando superficialmente, é verdade, a dor, um dia, cessa. Mas
não se iluda: ela não bateu as botas, está apenas cochilando. Tudo passa? Nada
passa!
É isso que ninguém tem
coragem de nos dizer. A dor da perda, a dor de fracassar, a dor de não
corresponder a uma expectativa, a dor de uma saudade, a dor de não saber como
agir, de estar perdida, instável, de ter dúvidas na hora de fazer uma escolha,
todas estas dores, que parecem pequenas para quem está de fora, nos
acompanharão até o fim dos nossos dias. Elas não passam. Elas ficam. Elas
aninham-se dentro da gente, o que não deve servir de motivo para pularmos de
uma ponte. Mário Quintana escreveu que nós somos o que temos e o que sofremos.
Sem dor, sem vida interior.
Não passam as dores,
também não passam as alegrias. Tudo o que nos fez feliz ou infeliz serve para
montar o quebra-cabeça da nossa vida, um quebra-cabeça de cem mil peças. Aquela
noite que você não conseguiu parar de chorar, aquele dia que você ficou
caminhando sem saber para onde ir, aquele beijo cinematográfico que você
recebeu, aquela visita surpresa que ela lhe fez, o parto do seu filho, a bronca
do seu pai, a demissão injusta, o acidente que lhe deixou cicatrizes, tudo isso
vai, aos pouquinhos, formando quem você é. Não há nenhuma peça que não se
encaixe. Todas são aproveitáveis. Como são muitas, você pode esquecer de
algumas, e a isso chamamos de “passou”. Não passou. Está lá dentro, meio
perdida, mas quando você menos esperar, ela será necessária para você completar
o jogo e se enxergar por inteiro.
❝ Ter vinte e poucos anos não quer dizer nada. Trinta. Quarenta. Quinze. Vinte. Noventa.
O que importa, no fundo, é quem você é quando está sozinho. Como você é quando está acompanhado.
O que sobra quando a luz apaga. O que resta quando o sol
acorda. ❞
terça-feira, 17 de novembro de 2020
“É, o vírus nos roubou os
abraços
Pra gente se lembrar da
importância desses laços:
Amizade, gentileza,
perdão e misericórdia
E pode ser que a gente
leve união onde houver discórdia
Luz onde houver trevas,
esperança onde houver desespero
Que a gente entenda que a
riqueza não é o dinheiro
E que os guerreiros de
todos os serviços são essenciais
E que lembremos disso nos
dias normais!
A cura tá no coração
Só procure mais amar do
que ser amado
Onde houver discórdia,
leve a união
Tamo junto e nosso amor
nunca vai ser parado.”
a cura tá no coração -
Gabriel, o pensador
❝ É preciso
tomar cuidado com os rótulos
e as aparências, pois há
muitas mulheres
mais valentes que homens,
homens mais sensíveis que
crianças,
crianças mais sofridas
que idosos,
idosos mais rápidos que
jovens
e jovens mais sábios que
idosos.
Há graduados que dão aula
de ignorância
e analfabetos ensinando a
vida.
E assim segue a estrada...
Ler o rótulo de um vinho, nunca será igual
a sentir seu gosto.❞
segunda-feira, 16 de novembro de 2020
vida politizada
De pequena já implicava com política, essa entidade esquisita de que muito se falava. Comentários em geral não muito lisonjeiros e ficava imaginando por que alguém ambicionaria um cargo tão malvisto.
Certa vez, meu pai foi
instado por seu partido a se candidatar à prefeitura de nossa pequena (naqueles
tempos) cidade. Lembro dele se questionando, dialogando com minha mãe,
caminhando de mãos nas costas no longo caminho de lajes que levava até o fim da
propriedade.
Eu sabia que ele estava
refletindo. Por fim, um dia anunciou na mesa do almoço que ia aceitar, fazer
uma campanha limpa, sem falsas promessas, sem iludir as pessoas.
Não tenho grandes
recordações de detalhes, eu devia ter seis ou sete anos, mas por algum tempo
houve uma agitação diferente na casa. Meu pai saía de carro com companheiros
para “fazer campanha”, e perguntando entendi que era pedir votos.
Achei esquisito, pois
sendo ele conhecido e respeitado como homem culto, bom, honrado, por que não o
escolheriam todos espontaneamente?
Quando mais uma vez
perguntei, desta vez diretamente a ele, achou graça e me disse que até Cristo,
vindo à Terra como candidato, não teria vitória garantida. Não entendi, mas
fiquei achando perigosa e traiçoeira essa senhora Política.
Afinal, nessa sua única
tentativa de se envolver com ela, entusiasmado com sua proposta de honradez,
clareza e sinceridade, meu pai foi fragorosamente derrotado.
Não sei detalhes, sei de minha
mãe chorando e repetindo “eu te disse pra não se envolver nisso”, meu pai
alguns dias mais taciturno, muitos telefonemas chegando, e, por fim, alguma vez
ele se dizendo aliviado, “eu realmente não sirvo pra isso, muito sacrifício”.
Estou comentando essas
memórias da remota infância nestes dias doidos em que tudo vira política, a
começar pelo diabólico coronavírus: “realidade ou invenção causando pânico
planejado” ou “doença grave que parou o mundo, matou milhões e vai nos deixar
mais pobres, atrasados e isolados, com que ninguém ainda sabe lidar direito”?
Brigas políticas ou
ideológicas (há diferenças, ideologia é palavra um pouco mais nobre?) atrasam
lamentavelmente até uma possível vacina; enganam e prejudicam multidões que
debocham de cuidados essenciais como isolamento e máscara; e, ao menos por
aqui, deixam muita gente atordoada, agressiva, criando inimizades antes
inimagináveis.
Talvez política não sirva
para isso, mas idealmente deveria ajudar a pensar e a se posicionar para o bem
geral, liderar com sabedoria e humanidade, e nos tornar um pouco mais
tranquilos, realizados, ao menos esperançosos.
Lembro meus seis ou sete
anos e nossas escolhas. Será que em algumas coisas progredimos?
domingo, 15 de novembro de 2020
quero ver Kamala dar sua risada
Hoje escolheremos prefeitos e vereadores em todas as cidades do país. Que os eleitos
e eleitas tenham boas propostas e as cumpram, e que a gente não se arrependa do
nosso voto. Fizemos nossa parte: analisamos currículos, acompanhamos debates,
desconsideramos alguns partidos e agora é cruzar os dedos, pois saber no que
vai dar, ninguém sabe.
Honestidade, inteligência
e trajetória limpa são atributos básicos para acertar na escolha, mas fica
melhor ainda quando, além de critérios objetivos, somos fisgados por um carisma
que sobressai e provoca uma rara familiaridade: é como se a pessoa em questão
fosse nossa amiga de uma vida toda. Um exemplo disso, lógico, é Kamala Harris,
a vice-presidente que comandará os Estados Unidos com Joe Biden. Se ela
desempenhará bem sua função, o tempo dirá, mas aquele sorrisão traz uma
promessa nova.
Estou julgando Kamala
pelo sorriso? Estou, e ela me ganhou, também, por ser uma mulher que dança. E,
pra arruinar de vez minha reputação como analista política (coisa que não sou),
adoro que ela use terno com tênis. Adoro. Nem vou comentar o fato de ser uma
mulher negra, filha de imigrantes, e que essa diversidade é cada vez mais
necessária num mundo que precisa se tornar menos engessado.
O universo político ainda
se divide entre sisudos prolixos, que não permitem que adivinhemos o que eles
sentem, e os vulgares, aqueles que tentam combater a sisudez sendo esdrúxulos.
É preciso avisá-los que se pode ser espontâneo e educado ao mesmo tempo.
Kamala é uma boa
referência neste momento em que voltamos às urnas. Ela ajuda a lembrar que as
palavras importam tanto quanto as atitudes, o tom de voz, a linguagem corporal,
o espírito de cada um. Líderes devem ser assertivos e determinados, mas, de
minha parte, quero também que se emocionem, que sejam brincalhões, que cantem
junto com a plateia num show, que não esperem que os empregados façam tudo por
eles, que tenham tempo para os filhos. Que sorriam com naturalidade, que os
olhos brilhem muito e que tenham facilidade em se comunicar, sem depender
sempre de um ponto eletrônico no ouvido ou de um teleprompter.
Junto ao combate à
corrupção, à violência e ao desemprego, que se elimine também a empáfia. Chega
de representantes empertigados que não conseguem transmitir nada verdadeiro com
a expressão do rosto. Que os que se elegerem neste dia 15 comemorem com uma
gargalhada gostosa, com carinho sincero pela sua cidade e, também, com um
pouquinho de espanto, aquele espanto bom e desafiador que nos atinge quando nos
confiam uma missão muito séria. É através da humildade e da autenticidade que
os eleitos conseguem algo raro: que seus eleitores se reconheçam neles.
sábado, 14 de novembro de 2020
“O voto é a única arma de que dispõem
os que não têm outras armas - nem dinheiro, nem poder, nem amizades políticas.”
Não é pra ser só dureza.
Tem o olhar de quem ama a gente. As flores todas espalhadas pelos caminhos. O
beijo bom de Deus revelado nas pequenas dádivas dos instantes.
Não é pra ser só dureza.
Tem a arte. A mágica dos encontros que começam na alma. Um jeito nosso de
brincar que ainda é menino. Os prazeres preferidos que continuam a existir.
Não é pra ser só dureza.
Tem a gratidão sincera por um bocado de bênçãos. A paixão. Os olhos dizendo
estrelas, admirados pelas belezas que se vê e aquelas que só podem ser
sentidas.
Não é pra ser só dureza.
Tem passarinho no ouvido. Coração que ainda sonha. Lua toda lindona. Bichinho
de estimação. Música e poesia. Tem sentimento bom.
Não é pra ser só dureza.
Tem o amor.
quinta-feira, 12 de novembro de 2020
tempo de abrir espaço
Outro dia, vi numa rede social as
imagens de um pequeno grupo de homens e mulheres fazendo uma fogueira no meio
da rua para queimar máscaras – sim, as máscaras que temos usado para nos
proteger da Covid-19. Enquanto as máscaras ardiam, eles gritavam: “fora,
comunistas!”. Uma palinha do que deve ser um hospício.
A pandemia foi politizada, é um fato,
mas tem algo mais profundo por trás desses surtos. Acho que é medo das
transformações do mundo. Um medo à toa, pois não há como interromper os ciclos
evolutivos da humanidade: estamos despertando para uma importante
conscientização e isso não deveria ser tão perturbador. Melhor aderir logo,
sair da bolha e aprender a dividir.
Comunista!
Calma, nossos extratos bancários e
bens materiais se manterão privados. Falo em repartir o espaço público. Adeus
aos territórios demarcados por preconceitos. Olhe para os lados. Simplesmente,
olhe para os lados.
Já foi dada a largada para um novo
modelo de convivência: homens dividindo com as mulheres os cargos, os encargos,
as invenções, os prêmios, os mesmos pró-labores, a projeção acadêmica,
científica, profissional. Aos poucos, eles nos escutam e compreendem a forma
como enxergamos o mundo a partir de nossas próprias experiências. Depois de
séculos regidos apenas pela versão masculina, eis que começa a ser escrita uma
versão feminina da história.
Negros, brancos e pardos dividindo
escritórios, altares, salões de festas, escolas, palcos, plenários, aviões,
ministérios, microfones. Um compartilhamento que não se alcança através da
bondade divina: é resultado de ativismo constante, de ações concretas em busca
de inclusão, de movimentos que já estão aí, em curso.
Trans, gays, heteros: a vivência
sexual de cada um deixando de ser julgada. Pense: ninguém consegue deter a
natureza humana, ninguém consegue obrigar uma pessoa a trocar de desejos.
Ofensas e agressões cairão cada vez mais no vazio: a potência de ser quem se é,
isso ninguém mais freia.
Está vindo uma nova geração. Crianças
e jovens que continuarão o trabalho de acomodar a todos num platô civilizatório
de igualdade. Haverá resistência, claro, sempre tem alguns governos patéticos
que tentam evitar que os diferentes interajam entre si. Mas o encontro já está
marcado, e será amplo, horizontal, universal, sem a hierarquia estúpida e
fominha de quem não consegue se desfazer de conceitos ultrapassados.
Final feliz no horizonte? Não se
trata de felicidade, mas de justiça e acolhimento. Todos nós sairemos ganhando
se pararmos de nos estranhar. Ajude, em vez de se apavorar. Qualquer gesto,
mesmo que pequeno, contra o racismo, contra o machismo e contra a homofobia
acelerará o que já está em andamento: o fim dessa cafonice chamada “eu sou
melhor do que você”.
ônus
terça-feira, 10 de novembro de 2020
escute a canção da vida
Há uma atriz que admiro muito, não
diria que foi meu ídolo, mas sempre tive por ela enorme simpatia: chama-se
Katharine Hepburn, e talvez a geração mais nova nem conheça.
Era uma jovem à frente de seu tempo,
grande atriz, por longos anos de sua vida companheira de Spencer Tracy, os dois
já falecidos, ele mais cedo, ela com quase cem anos. Admirei nela, entre tantas
coisas, o humor um pouco sarcástico, a língua solta, o desprezo por convenções
tolas, seu senso de amizade, seu respeito pela arte, pela vida.
Teve suas tragédias pessoais, como
todo mundo. Mas comentava a inscrição sobre a lareira da casa da família, que
ela herdou e onde viveu até a morte, um casarão amplo na beira do mar, em
Fenwick, Connecticut. A inscrição dizia: “Listen to the song of life” (Escute a
canção da vida).
Seguidamente, em tempos difíceis,
lembrei disso, e comentei com alguém metido em seus próprios conflitos e dores.
Porque, eu acredito nisso, a vida sempre chama, se você quiser - ou conseguir -
escutar. No fundo do poço, só escutamos nossas próprias aflições ecoando nessas
paredes fundas e escuras, mas aos poucos, se não formos muito mórbidos,
começaremos a ouvir. Seja na pessoa de alguém, ou de um trabalho, ou da
natureza, ou do lado positivo da nossa própria personalidade. E podemos
reviver.
Estamos, já disse mil vezes, em
tempos duros, confusos e sombrios. Nada mais é como já foi e muitas coisas
jamais voltarão a ser. Não sou muito otimista quanto ao futuro da humanidade,
não acho que seremos mais bonzinhos, mais amorosos, mais comunitários, mas mais
ferozes, desconfiados, assustados, xenófobos e, claro, mais pobres. Radical?
Não, sempre haverá claridade, mas vai ser muito difícil, sobretudo para os
adultos, pois os jovens viverão seu próprio tempo, inseridos nele, seja como
for. Não sou nada cética quanto à juventude. Mas quanto a nós, adultos e
velhos... não sei. Aliás, quanto à velhice, Hepburn teve um comentário
delicioso numa entrevista, aos 80: “Ah, eu estou muito bem... mas não peça
detalhes”, e deu sua risadinha rouca.
Voltando à realidade do mundo, não
sei se algum país acertou quanto a essa Peste, como acertou: quando pensávamos
que alguns estavam livres, tudo piorou, e ainda pouco se sabe desse vírus
diabólico, mesmo grandes cientistas têm suas perplexidades. Quando teremos vida
normal, parecida com a anterior? No começo do novo ano? No meio? Nunca? Vamos
nos habituar a falar, amar, estudar, trabalhar, a viver, de novas formas? Vamos
ser todos mais pobres? Muito? Só incertezas.
Quando tudo parece difícil demais,
chato demais (estou confinada há quase oito meses, como milhões de outros de
alto risco), lembro que a canção da vida está ressoando e pode acalmar um pouco
os corações mais do que justificadamente confusos e aflitos: os nossos. E seu
estribilho deve ser: vai passar.