"Ando no rastro dos poetas, porém descalça... Quero sentir as sensações que eles deixam por ai"



domingo, 31 de outubro de 2021

perseguição às bruxas

 


O homem sempre temeu a mulher. E a chamou de bruxa para persegui-la, diminuí-la, domesticá-la. Foi uma das primeiras fake news da humanidade.


Por invejar a sua sensibilidade, a sua liberdade, a sua voz própria, as suas descobertas científicas, a sua medicina pioneira, inventou o estigma como desculpa para bani-la ou matá-la. Usou o misticismo para fundar uma falsa supremacia na racionalidade.


É uma longa teoria da conspiração para desacreditá-la, para restringir a sua influência, para que ela deixe de ser ouvida.


Não é só Joana d’ Arc que enfrentou a fogueira na Idade Média, Joanas seguem sendo queimadas hoje em dia, pela cultura do preconceito intacta debaixo da falta de equiparação. Ainda se relaciona a TPM à histeria, há preconceito com a menstruação, com a gravidez, com a menopausa. Perfis femininos independentes e prósperos são masculinizados, mães solteiras são indesejadas. Repare: o que mudou depois de tantos séculos?


No senso comum, bruxas surgem como velhas e deformadas. Como a estabelecer que a mulher não pode jamais envelhecer e perder a sua utilidade sexual. Deve se manter jovem para servir à coisificação pornográfica.


Homem, quando bruxo, é positivamente mago. Mulher, quando maga, é negativamente bruxa.


 


O câncer nunca esteve tão próximo. Antes, uma doença de pessoas de certa idade, estado terminal, definhando. Hoje, uma doença de todas nós, jovens mulheres, indo trabalhar com seus lenços combinando com o sapato.


A bolsa e o coração na mão.


Eu, diagnosticada com 26 anos, poderia ter sido com 24. Só perto do meu ciclo de amizade, já conto com mais 3 amigas do peito com menos de 30 anos, algumas doses de quimioterapia e uma vida inteira pela frente.


Somos suas irmãs, suas primas, suas filhas, suas netas, suas amigas.


Nós não escolhemos, mas também não fugimos. Nós não gostamos, mas não desistimos. Estamos prontas para a próxima.


Não queremos pena de ninguém, nem aquele olhar complacente de quem está pensandonossa, mas tão jovem”. Não estamos morrendo, ainda. Iremos um dia. Assim como vocês.


Queremos olhares encorajadores e queremos que nossa luta tenha algum propósito. Não negligencie sua saúde, por favor. Pense em nós da próxima vez. Pense em nós, escolhendo o melhor lenço pra sair. Tentando fazer uma amarração que fique mais “cool”, mais jovial. Pense em nós passando a gillette sobre a cabeça. Pense em nós lidando com umaressacaque dura a semana inteira. Pense em nós tirando sangue toda semana. Pense em nós retirando cirurgicamente parte do nosso corpo que adoeceu. Pense em nós e se transforme conosco.


Pense em nós e escolha a vida.


O outubro rosa acabou, mas o cuidado com a vida continua.

Prevenir ainda é o melhor remédio!



 #hallowenn

 


Efésios 5:11

 

E não comuniqueis com as obras infrutuosas das trevas, mas, antes, condenai-as.


terça-feira, 26 de outubro de 2021

“o que a memória ama, fica eterno”

 


Quando eu era pequena, não entendia o choro solto da minha mãe ao assistir a um filme, ouvir uma música ou ler um livro. O que eu não sabia é que minha mãe não chorava pelas coisas visíveis. Ela chorava pela eternidade que vivia dentro dela e que eu, na minha meninice, era incapaz de compreender.

 

O tempo passou e hoje me emociono diante das mesmas coisas, tocada por pequenos milagres do cotidiano.

 

É que a memória é contrária ao tempo. Enquanto o tempo leva a vida embora como vento, a memória traz de volta o que realmente importa, eternizando momentos. Crianças têm o tempo a seu favor e a memória ainda é muito recente. Para elas, um filme é só um filme; uma melodia, só uma melodia. Ignoram o quanto a infância é impregnada de eternidade.

 

Diante do tempo, envelhecemos, nossos filhos crescem, muita gente parte. Porém, para a memória, ainda somos jovens, atletas, amantes insaciáveis. Nossos filhos são crianças, nossos amigos estão perto, nossos pais ainda vivem.

 

Quanto mais vivemos, mais eternidades criamos dentro da gente. Quando nos damos conta, nossos baús secretos – porque a memória é dada a segredos – estão recheados daquilo que amamos, do que deixou saudade, do que doeu além da conta, do que permaneceu além do tempo.

 

A capacidade de se emocionar vem daí, quando nossos compartimentos são escancarados de alguma maneira. Um dia você liga o rádio do carro e toca uma música qualquer, ninguém nota, mas aquela música já fez parte de você – foi o fundo musical de um amor, ou a trilha sonora de uma fossa – e mesmo que tenham se passado anos, sua memória afetiva não obedece a calendários, não caminha com as estações; alguma parte de você volta no tempo e lembra aquela pessoa, aquele momento, aquela época…

 

Amigos verdadeiros têm a capacidade de se eternizar dentro da gente. É comum ver amigos da juventude se reencontrando depois de anos – já adultos ou até idosos – e voltando a se comportar como adolescentes bobos e imaturos. Encontros de turma são especiais por isso, resgatam as pessoas que fomos, garotos cheios de alegria, engraçadinhos, capazes de atitudes infantis e debilóides, como éramos há 20 ,30 ou 40 anos. Descobrimos que o tempo não passa para a memória. Ela eterniza amigos, brincadeiras, apelidos… mesmo que por fora restem cabelos brancos, artroses e rugas.

 

A memória não permite que sejamos adultos perto de nossos pais. Nem eles percebem que crescemos. Seremos sempreas crianças, não importa se já temos 30, 40 ou 50 anos. Pra eles, a lembrança da casa cheia, das brigas entre irmãos, das estórias contadas ao cair da noite… ainda são muito recentes, pois a memória amou, e aquilo se eternizou.

 

Por isso é tão difícil despedir-se de um amor ou alguém especial que por algum motivo deixou de fazer parte de nossas vidas. Dizem que o tempo cura tudo, mas não é simples assim. Ele acalma os sentidos, apara as arestas, coloca um band-aid na dor. Mas aquilo que amamos tem vocação para emergir das profundezas, romper os cadeados e assombrar de vez em quando. Somos a soma de nossos afetos e aquilo que amamos pode ser facilmente reativado por novos gatilhos: somos traídos pelo enredo de um filme, uma música antiga, um lugar especial.

 

Do mesmo modo, somos memórias vivas na vida de nossos filhos, cônjuges, ex-amores, amigos, irmãos. E mesmo que o tempo nos leve daqui, seremos eternamente lembrados por aqueles que um dia nos amaram.


Hoje, apesar de não poder te telefonar e dizer Parabéns, tiRonaldo”, quero te homenagear e dizer: muito obrigada, porque a minha vida foi mais bonita tendo você como irmão!

Tento me confortar com pensamentos de que há um propósito para cada um de nós aqui, nesta vida, e que você cumpriu com o seu, mas ainda assim, sinto a sua falta e nada vai preencher 

o vazio que ficou no seu lugar.

O meu amor por você estará sempre vivo.

Hoje o seu aniversário é no céu.

Você está na luz e sua vida agora é só alegria.

Acabou a dor, acabou o sofrimento.

Obrigada por tudo, tiRonaldo!

Obrigada por tanto!



 tudo é tão efêmero...

 


Quero trazer à memória o que me pode dar esperança.

 

Lamentações 3:21

segunda-feira, 25 de outubro de 2021

hoje é dia...


#do dentista


#do macarrão


#da democracia



quinta-feira, 21 de outubro de 2021


 #dia do lixeiro

quarta-feira, 20 de outubro de 2021


 #dia do poeta

segunda-feira, 18 de outubro de 2021

a perfeição e o perfeccionismo

 


Nunca acertava o momento de largar o apontador. Apontava duas voltas e parava, via que a ponta do lápis estava boa, mas ainda não era ideal e continuava. Mais duas voltas, as tiras da madeira se amontoando na mesinha da classe, e pensava que poderia avançar mais um pouquinho. No meio da última volta, quando suspirava de satisfação, o grafite quebrava.


A obsessão pelo melhor piorava a minha situação. Não desistia de arredondar a cabeça, afiar a pequena lança de meus deveres escolares. Não encontrava a hora de cessar, confiava que acertaria na próxima tentativa e fracassava. A ponta perfeita terminava presa no apontador de metal. O lápis ia diminuindo. Desaparecendo. E recomeçava pelo ideal de uma letra fina no caderno.


O perfeccionismo é inimigo da perfeição. Levamos o mesmo preciosismo ao casamento. Não definimos o instante de interromper as críticas, a caça pela ponta perfeita. Abusamos das reclamações e nos irritamos por defeitos do outro que não são tão graves assim.


Exigimos muito de quem amamos. Vejo sinceramente que exigimos aquilo que não exigimos nem da gente. Juramos que a pessoa pode dar mais do que vem oferecendo e cobramos aquilo que não existe.


No casamento, demora-se a aceitar que a harmonia decorre do meio-termo, que a ponta é para escrever, não para ferir ou furar o papel.


  


Há muros que só a paciência derruba.

E há pontes que só o carinho constrói.



 

#dia do médico


 


De modo que nem o que planta nem o que rega são alguma coisa, mas unicamente Deus, que efetua o crescimento.” 


(1 Coríntios 3:7)


sábado, 16 de outubro de 2021

festa de um

 



No período de 18 meses, as portas do mundo fecharam, ninguém entrou, ninguém saiu. De fronteiras a residências, isolamento foi a palavra adotada. Quem ainda circulava pelas ruas, não fazia por diversão: atendia doentes, comprava mantimentos, ia à farmácia e voltava direto pra casa, sem a habitual passadinha no bar ou na academia no final da tarde. Diante das estatísticas trágicas, e por respeito a tantas perdas, pouco se falou na solidão como efeito colateral da pandemia.

 

E efeito sério, solidão deprime. Não a todos - há quem lide muito bem com a própria companhia -, mas o ser humano é gregário, sente falta de se juntar, misturar, confraternizar, coisas que só agora, vacinados e aos poucos, tomando os cuidados necessários, começamos a nos atrever. Mas demorou. Antes dessa lenta alforria, foi um tal de dialogar com o espelho do banheiro, passar um tempão no sofá maratonando séries, bater papo com os amigos por WhatsApp, pedir comida por delivery e engordar. Pois é, não bastasse a deprê, solidão engorda. Muita gente ganhou uns quilinhos extras durante o recuo forçado.

 

Mas a gente se entrega? Se entrega nada. Crises estão aí para serem revertidas, compensadas. Se você não reparou, eu reparei: durante o confinamento, o pessoal começou a dançar entre quatro paredes. Quem estava namorando ou estava casado quando o coronavírus chegou para estragar a festa (e manteve-se heroicamente casado, apesar do excesso de grude), passou a fazer bailinho na sala, pagode na cozinha, ensaiou um tango no corredor. Uma pequena caixa de som, uma boa playlist no Spotify e quem diria? Bebida por conta da casa.

 

Já quem foi surpreendido pela pandemia em plena entressafra amorosa, sem um par perfeito ou imperfeito, se virou como? Do mesmo jeito. Fez festa de um. Suou a camiseta como se estivesse na pista, cantou alto sem medo de acordar a vizinhança, levantou os braços como se não houvesse amanhã - e ninguém sabia se haveria mesmo. Quem não soltou suas feras, nem caiu na gandaia, ficou mais triste e pesado.

 

Nunca precisei de uma ameaça global para dançar em casa, mas agora peguei gosto pra valer e enquanto não fraturar uma vértebra, continuarei com minha rave individual.

 

(…)

Se não é meio ridículo dançar sozinho? Pode acreditar, é maravilhosamente ridículo.



 

 



Ninguém espera essa notícia.

Câncer é uma palavra horrível, mas ela pode estar mais perto do que a gente imagina.

Somos vulneráveis e sabemos que um dia vamos deixar de existir.

Saber que alguma coisa pode acelerar isso é muito triste. Vivi esse momento com a minha amada Ana.

Do diagnóstico como um susto, ao tratamento, que foi um período difícil.

Jamais vou me esquecer dos primeiros momentos.

Do medo de perder minha paixão e finalmente o sucesso do tratamento.

Estar com ela em cada aplicação de químio, ver o corpo dela sofrer, o cabelo cair, a força desaparecer.

Tivemos a sorte dela fazer os exames periódicos e isso ajudou no diagnóstico precoce. Fazer o exame periódico é fundamental.

Ana está curada, ela foi uma guerreira e aproveitou a experiência para difundir o cuidado que precisamos ter.

Ela venceu. Nós vencemos.


E outubro rosa é assim.

Mês de lembrar que o exame precoce salva vidas.

 

(Boninho)


 


Tudo tem o seu tempo determinado, e há tempo para todo o propósito debaixo do céu. 

Há tempo de nascer, e tempo de morrer; tempo de plantar, e tempo de arrancar o que se plantou;

 

Eclesiastes 3:1,2

sexta-feira, 15 de outubro de 2021



 #dia do professor

terça-feira, 12 de outubro de 2021


 #dia das crianças

 


Queria ter tido um pai. Deitado em sua barriga, criança, adormecido, protegido. Passear de mãos dadas, sentir a mão forte de um gigante protetor. Queria ter sentido, surpreso, uma mão afagando meus cabelos infantis desregrados. Queria ter tido abraço longo de pai antes de entrar na escola. Queria ter inventado brincadeiras, ouvido histórias antes de dormir, queria ter ouvido conselhos de um pai quando começasse a crescer. O que um pai fala ao filho homem? O que meu pai teria me falado? Como me ensinaria a ser um bom homem?

 

Seja sempre criança, ele diria. Lembre-se do seu coração infantil, gentil e bondoso. Tente nunca decepcionar essa criança que você foi um dia. Tudo o que você aprendeu quando criança serve para o resto da vida: divida o que sobrar; brinque sempre dentro das regras; tome cuidado com o trânsito; limpe sua própria sujeira. Quando não se sentir seguro, peça ajuda. Ter um coração mole em um mundo cruel não é sinal de fraqueza, é sinal de coragem.


Não tente provar sua força para os outros. Os meninos realmente fortes não precisam demonstrar poder. Os inseguros precisam. Trate a todos com respeito. Use sua força para ajudar as pessoas mais fracas. Nunca abuse de pessoas frágeis. Nunca exponha a intimidade de alguém. Nunca diminua alguém apenas por ser diferente do resto. Você vai se sentir minúsculo quando magoar as pessoas. Você vai se sentir enorme quando engrandecê-las.


Trate bem as meninas. Escute-as. Inspire-se nas suas sensibilidades. Seja carinhoso com a menina por quem você se apaixonar. Ouça-a com atenção. Trate-a com respeito e dignidade, mesmo se você não sentir que a ama. Não a magoe. Sempre diga a verdade, mas não de uma maneira cruel. Diga a verdade com doçura. Se esforce para não magoar nenhuma pessoa, mesmo sabendo que isso pode acontecer. Peça desculpas quando acontecer.


Faça sempre a coisa certa. Seja honesto e corajoso, mesmo que ninguém ao seu redor for. O mundo é cheio de pessoas boas, se você não encontrá-las, seja uma. Busque estar rodeado de anjos. A forma mais fácil de fazer sempre a coisa certa é estar rodeado de pessoas virtuosas. Valorize os amigos. Vá conhecer o mundo. Aventure-se. Seja ousado. Mas, por favor, não morra. Fique vivo em algumas fotos, em vídeos, nas músicas, nas lembranças de alguém. Fique vivo nas memórias do seu próprio filho. E, se puder, diga a ele tudo o que eu disse a você, ele diria.

 

para todas as crianças que não têm 

ou não tiveram a presença de um pai


órfãos adultos


Era uma senhora alegre, faceira. Mas morreu, como acontece com todos. Sem salamaleques, sem longas internações. Morreu rápido, como muitos desejam, e viveu demoradamente, como se deseja também: tinha 99 anos.

Deixou três filhos, todos na faixa dos 70, pois na época em que essa senhora era jovem casava-se cedo. E foi então que, conversando com uma das filhas, de 75 anos, me deparei com uma questão sobre a qual eu nunca tinha pensado. Disse-me ela que estava muito magoada com a reação das pessoas: todos vinham abraçá-la, no enterro, como se ela estivesse de aniversário, como se fosse uma boda, uma promoção, um réveillon.

Minha mãe, apesar da idade que tinha, não dava trabalho à família, era independente e gozou de boa saúde até o final. Porém, mesmo que tivesse dado trabalho, mesmo que eu e meus irmãos estivéssemos reféns de uma condição desfavorável, ora, perdi minha mãe. Por que isso seria menos doloroso a essa altura? Só porque também sou velha?

Calei. Ela tinha total razão. É muito comum encararmos a morte de alguém bastante idoso como um alívio para a família – estivesse o defunto já doente ou não. Da mesma forma como nos chocamos quando alguém parte cedo, nos insensibilizamos diante dos que partem aos 95 anos, aos 99, aos 103 anos de idade. É como se estivéssemos aguardando a notícia do óbito para qualquer momento, e quando a notícia chega, tudo certo, cumpriu-se a ordem natural das coisas, é preciso morrer e, que dádiva, ao menos este viveu bastante.

Tudo certo quando se trata dos pais dos outros.

O que essa senhora de 75 me esclareceu é que ela tem, também, o direito de sentir-se órfã. É um engano achar que a orfandade é um sentimento exclusivo dos jovens. Ela tinha vontade de dizer, a todos aqueles que foram ao enterro apenas para cumprir uma formalidade social, sorridentes como quem vai a um shopping, que a sua capacidade de sentir dor não havia sido diluída pelos seus 75 anos, e que ela sentia falta daquela mãe tanto quanto a sua filha de 50 sentiria a sua, e tanto quanto a sua neta de 25 sentiria da mãe dela.

Essa história aconteceu alguns anos atrás, mas me veio à memória com clareza e força ao ler recentemente o livro Filosofia Emocional, do professor Frédéric Schiffter, que entre diversos assuntos aborda exatamente isso: a tristeza não é uma doença, muito menos uma doença exclusivamente infantil. O fato de sermos experientes, vividos, maduros e bem resolvidos não cria em nós uma blindagem contra os sentimentos. Ao menos, não diante de perdas tão significativas.

E se por um acaso for uma doença infantil, que respeite-se. Perder a mãe nos leva, a todos, de volta aos 10 anos de idade.

 


Provérbios 22:6

 

Ensina a criança no caminho em que deve andar, e, ainda quando for velho, não se desviará dele.


segunda-feira, 11 de outubro de 2021


 

#dia do deficiente físico


sábado, 9 de outubro de 2021


 

 


Somos insignificantes.

Por mais que você programe sua vida, a qualquer momento tudo pode mudar.

 

Ayrton Senna

meu superpoder

 


De que me adiantaria ter o martelo Mjolnir? Fiquei pensando muito nisso, depois de assistir à série norueguesa Ragnarok. É uma série sobre mitologia nórdica, Thor, Odin, Loki, todos aqueles deuses que foram consagrados pelos quadrinhos e pelo cinema. A diferença é que é produzida pelos próprios noruegueses, você depara com a maneira como eles veem esses personagens, bem como o estilo de vida da Noruega, a forma como eles encaram a existência, sobretudo os jovens - é uma série feita para jovens.


Ragnarok. Não vai torná-lo uma pessoa melhor, mas será uma boa diversão.


Eu falava do martelo Mjolnir, a mais poderosa arma do mundo antigo. Thor o empunhava e o atirava em algum inimigo. O martelo voava a jato, destruía tudo que atingia e voltava, obediente, para as mãos do dono. O que eu ia fazer com um troço desses? É verdade que às vezes tenho vontade de jogar um martelo na cabeça de algumas pessoas, mas não vou fazer isso, não é? Sou da paz. Então, o Mjolnir não resolveria os meus problemas.


Que superpoder eu quereria, se pudesse escolher um, apenas um? Você vai achar que estou vendo muitos filmes de super-heróis, mas não é bem assim. Cansei um pouco desses filmes. Meu filho é que volta e meia me questiona:

- Escolhe um superpoder, papai. Só um!


Então, fico pensando. Voar seria legal, mas as pessoas iam me ver lá em cima e aí eu não teria mais sossego. Ficariam me assediando, me aborrecendo. Não quero fama, com meu poder. Quero, apenas, ficar bem e me distrair um pouco.


Visão de raio X, quem sabe? Não vejo muita utilidade, a não ser que fosse trabalhar como radiologista. Daria o diagnóstico antes de as pessoas entrarem na máquina de tomografia. Mas aí teria de fazer curso de Medicina, não tenho mais idade, melhor desistir da visão de raio X.


Superforça? Seria interessante ter superforça, entortar barras de ferro, abrir compotas e enfrentar bandidos, se bem que não tenho a intenção de sair brigando por aí. Já disse: sou da paz.


Vou dizer qual é o superpoder que mais me encantaria: ficar invisível. Ter a possibilidade de, volta e meia, simples e literalmente desaparecer. Eu sairia pelas ruas e observaria despudoradamente as pessoas e a vida lá fora. Talvez investigasse a intimidade de alguns ou lhes pregasse peças. Entraria à sorrelfa em suas casas e mudaria os móveis de lugar só para ver a reação depois. Seria engraçado.


Ficar invisível também serve no enfrentamento com malfeitores. Eles querem me assaltar, por exemplo, e eu desapareço. Cadê ele? Ninguém sabe, ninguém viu.


Mas o melhor da invisibilidade talvez fosse apenas psicológico: a sensação de alheamento do mundo. Todas as discussões, todas as cobranças, todos os julgamentos, nada disso me afeta. Não sou a favor, nem contra, nem mesmo sou neutro. Não estou de lado nenhum, porque simplesmente não estou em parte alguma.


Alguém pode dizer que isso seria como estar morto. Não. Isso seria estar vivo em outra dimensão, um lugar em que as pessoas são o que são, sem que ninguém dê palpite ou opinião. Ah, você quer muito expressar sua opinião? Cuidado! Posso mudar de ideia e lhe atirar o Mjolnir na cabeça.

 

David Coimbra


 


Provérbios 23:32-33 diz o seguinte sobre o álcool:

No fim, ele morde como serpente e envenena como víbora. Seus olhos verão coisas estranhas, e sua mente imaginará coisas distorcidas.


quinta-feira, 7 de outubro de 2021

a vida é hoje

 


Querida família,


Ando mais reflexiva e ausente… tem sido dias difíceis. Pensei na morte, mas vi um documentário da minha incoerência, já que é a coisa mais certa… pedi a Deus uma 2ª chance ou força para entender se Ele tiver outro propósito.

Vou fazer um pedido aqui:

– hoje minhas chances de cura são menores do que as de sucesso! Luto por 10% de cura!! Sem drama, é um fato!

– quero e vou vencer, com a ajuda de Deus e Nossa Senhora, sem as estatísticas dos homens!


Mas queria com muito carinho que se lembrem das coisas que estou aprendendo…

– hoje ter 1,2,5 ou 20 milhões num banco; ter um bilhete de viagem maravilhosa; um vestido lindo ou poder ir em restaurantes incríveis... um bom vinho, um doce delicioso… NADA, NADA disso eu poderia usufruir agora. Não mudaria minhas chances ou acessos à remédios, não teria pique e disposição para viajar (não posso me ausentar por mais de 15 dias pela quimioterapia, que tem dado muitas reações extras), não posso beber, comer muitos doces… e não tenho ânimo físico para usar um lindo vestido com alegria…

 

A vaidade de crescer cientificamente, ganhar algo na profissão, prestígio??? Nada fica! Perdi tanto tempo com isso… fui tão tola em vários aspectos… só o carinho dos amigos, colegas e pacientes que o trabalho trouxe… Mas claro que não serei hipócrita: Trabalhar, responsabilidades, ter economias… são coisas importantes, mas NÃO são mais do que viver o hoje… ter conforto, usufruir das boas coisas da vida valem a pena… Já viver sempre esperando um futuro que pode não chegar, isto é ir morrendo aos poucos.

 

Então, o que ficou e o que mais me alegra? As boas lembranças dos momentos e experiências que vivi… as risadas, os carinhos, a alegria das viagens que tanto gostava, da comida gostosa fosse caseira ou de um bom restaurante… os sentimentos verdadeiros e o amor puro da família e tantos amigos queridos que redescobri…

Sei que nada será tão palpável como é pra mim que precisei passar por isso para ter tanta clareza de pensamentos… ouvia isso dos pacientes mas não coloquei em prática.

 

Gostaria que experimentassem sem ter que passar por algo ruim para mudar:

– brigas, reclamações, vaidades, conflitos acontecem, mas deixam o ar muito pesado, sugam nossa energia e não levam a nada. Transformam a reunião alegre em algo desagradável… Amor, perdão, paz, alegria renovam tudo…

 

– nós sendo filhos, noras e genros, pais, irmãos, casais, todos iremos errar… escolher o caminho tem esse desfecho: de acertar ou errar. E errar tem o aprendizado, só o erro traz essa graça de aprender e mudar! Não aprendemos com os erros alheios, infelizmente… Os acertos, infelizmente, também não trazem esse conhecimento todo, por ironia… ninguém sabe o que é certo… o certo pra mim não é para os demais.

 

Vamos conviver em paz, respeitar a individualidade das pessoas, dos casais, mesmo não sendo nossa opinião. Vamos celebrar a vida, ter prazer nos encontros, evitar brigas ou assuntos pesados… queria que todos que puderem começassem a passear, viajar, praticar a leveza no dia a dia… quem quiser ir, voltar, sair, ficar, silenciar… siga seu coração… decida por si… não esperem permissão para serem felizes. 

Só quem pode nos autorizar somos nós mesmos!

 

– Américo, meu amor, tem me ensinado muito também… foi um ano terrível para nós… muitas concessões, ajustes… mas nosso amor tem aprendido a ser laço de fita, não e nunca NÓ… nos respeitamos, apoiamos, nos incentivamos mutuamente… se você está estressado, volta da corrida leve, com o sorriso mais lindo no rosto e só traz boas energias para mim. Não fala nada pesado, não fala de ninguém, sempre positivo, o melhor companheiro que eu poderia ter… meu amor! Muitas vezes discordamos, queremos coisas diferentes, mas aprendemos a respeitar a decisão do outro sem perder tempo tentando convencer a nossa maneira… acho que ganhamos mais amor e respeito. 

Amor não é posse ou prisão, é liberdade e respeito!

sei que ainda temos muito a aprender, mas acho que estamos no caminho, entre acertos e erros…

 

– tenho vontade de gritar, para todos que quero bem: Tomem as rédeas de suas vidas… viajem, namorem, comprem com responsabilidade o que lhes dá prazer… a vida é HOJE!!! Só hoje!!! Viagens, comer num lugar gostoso, comprem a roupa bonita que querem…

 

Não sabemos se viveremos até o futuro… se gozaremos da aposentadoria… se teremos saúde e ânimo para aproveitá-la! Vivam, vivam, cada um é dono da sua trajetória… e a vida dará em troca, amor verdadeiro, grandes amigos que farão parte da família… e muito boas memórias…

 

Carta escrita por Larissa Andressa Medeiros, médica catarinense de 40 anos, que morreu de câncer de mama.



 

 


Ó povo de Sião, alegre-se e regozije-se no Senhor, no seu Deus, pois ele lhe dá as chuvas de outono, conforme a sua justiça. Ele lhe envia muitas chuvas, as de outono e as de primavera, como antes fazia.

 

Joel 2:23

sábado, 2 de outubro de 2021

 


As pessoas viajam para admirar a altura das montanhas, as imensas ondas dos mares, o longo percurso dos rios, o vasto domínio do oceano, o movimento circular das estrelas, e no entanto, elas passam por si mesmas sem se admirarem.

 

Santo Agostinho




Câncer.

Não vem escrito na testa (se bem que com a careca reluzente fica um pouco óbvio), mas eu não tenho vergonha de carregá-lo por aí.

Não sei se outros pacientes concordam comigo, mas que grande tabu e preconceito envolvem essa doença, vamos admitir, tão comum a todos nós! 
Quem não conhece um amigo, parente, vizinho, que já teve câncer? 
Estamos no século 21 e ainda há quem se choque.

Evita-se o nome. Evita-se o olhar. Evita-se a palavra. 
Me divirto e me incomodo, admito, quando me dizemah, um amigo meu que também teve issooufulano que estava com essa doençaou até mesmo os médicos dizendoque a doença estava na mama esquerda”.

A doença que não deve ser nomeada! Que besteira... é câncer, gente! 
Poderia ser gripe, poderia ser aids, poderia ser tuberculose. Pode falar: CÂN-CER. 
Essepisar em ovosdá impressão que estamos falando de uma coisa errada, algo proibido, algo culposo.

A doença é séria, a doença mata, mas é só uma doença. Não é vergonha para ninguém tê-la. Vergonha é preconceito, falta de respeito, não parar para o pedestre atravessar na faixa. Isso sim é para ter vergonha.

Câncer é só câncer, quanto mais você citar mais normal vai soar, acredita.
Não ofende e não é contagioso.

É... câncer mata!