“Querida família,
Ando mais reflexiva e
ausente… tem sido dias difíceis. Pensei na morte, mas vi um documentário da
minha incoerência, já que é a coisa mais certa… pedi a Deus uma 2ª chance ou
força para entender se Ele tiver outro propósito.
Vou fazer um pedido aqui:
– hoje minhas chances de
cura são menores do que as de sucesso! Luto por 10% de cura!! Sem drama, é um
fato!
– quero e vou vencer, com
a ajuda de Deus e Nossa Senhora, sem as estatísticas dos homens!
Mas queria com muito
carinho que se lembrem das coisas que estou aprendendo…
– hoje ter 1,2,5 ou 20
milhões num banco; ter um bilhete de viagem maravilhosa; um vestido lindo ou
poder ir em restaurantes incríveis... um bom vinho, um doce delicioso… NADA,
NADA disso eu poderia usufruir agora. Não mudaria minhas chances ou acessos à
remédios, não teria pique e disposição para viajar (não posso me ausentar por
mais de 15 dias pela quimioterapia, que tem dado muitas reações extras), não
posso beber, comer muitos doces… e não tenho ânimo físico para usar um lindo
vestido com alegria…
A vaidade de crescer
cientificamente, ganhar algo na profissão, prestígio??? Nada fica! Perdi tanto
tempo com isso… fui tão tola em vários aspectos… só o carinho dos amigos, colegas e pacientes que o trabalho trouxe… Mas claro que não serei hipócrita:
Trabalhar, responsabilidades, ter economias… são coisas importantes, mas NÃO
são mais do que viver o hoje… ter conforto, usufruir das boas coisas da vida
valem a pena… Já viver sempre esperando um futuro que pode não chegar, isto é
ir morrendo aos poucos.
Então, o que ficou e o
que mais me alegra? As boas lembranças dos momentos e experiências que vivi… as
risadas, os carinhos, a alegria das viagens que tanto gostava, da comida
gostosa fosse caseira ou de um bom restaurante… os sentimentos verdadeiros e o
amor puro da família e tantos amigos queridos que redescobri…
Sei que nada será tão
palpável como é pra mim que precisei passar por isso para ter tanta clareza de
pensamentos… ouvia isso dos pacientes mas não coloquei em prática.
Gostaria que
experimentassem sem ter que passar por algo ruim para mudar:
– brigas, reclamações,
vaidades, conflitos acontecem, mas deixam o ar muito pesado, sugam nossa
energia e não levam a nada. Transformam a reunião alegre em algo desagradável…
Amor, perdão, paz, alegria renovam tudo…
– nós sendo filhos, noras
e genros, pais, irmãos, casais, todos iremos errar… escolher o caminho tem esse
desfecho: de acertar ou errar. E errar tem o aprendizado, só o erro traz essa
graça de aprender e mudar! Não aprendemos com os erros alheios, infelizmente… Os
acertos, infelizmente, também não trazem esse conhecimento todo, por ironia…
ninguém sabe o que é certo… o certo pra mim não é para os demais.
Vamos conviver em paz,
respeitar a individualidade das pessoas, dos casais, mesmo não sendo nossa
opinião. Vamos celebrar a vida, ter prazer nos encontros, evitar brigas ou
assuntos pesados… queria que todos que puderem começassem a passear, viajar,
praticar a leveza no dia a dia… quem quiser ir, voltar, sair, ficar, silenciar…
siga seu coração… decida por si… não esperem permissão para serem felizes.
Só
quem pode nos autorizar somos nós mesmos!
– Américo, meu amor, tem
me ensinado muito também… foi um ano terrível para nós… muitas concessões,
ajustes… mas nosso amor tem aprendido a ser laço de fita, não e nunca NÓ… nos
respeitamos, apoiamos, nos incentivamos mutuamente… se você está estressado,
volta da corrida leve, com o sorriso mais lindo no rosto e só traz boas
energias para mim. Não fala nada pesado, não fala de ninguém, sempre positivo,
o melhor companheiro que eu poderia ter… meu amor! Muitas vezes discordamos,
queremos coisas diferentes, mas aprendemos a respeitar a decisão do outro sem
perder tempo tentando convencer a nossa maneira… acho que ganhamos mais amor e
respeito.
Amor não é posse ou prisão, é liberdade e respeito!
sei que ainda temos muito
a aprender, mas acho que estamos no caminho, entre acertos e erros…
– tenho vontade de
gritar, para todos que quero bem: Tomem as rédeas de suas vidas… viajem,
namorem, comprem com responsabilidade o que lhes dá prazer… a vida é HOJE!!! Só
hoje!!! Viagens, comer num lugar gostoso, comprem a roupa bonita que querem…
Não sabemos se viveremos
até o futuro… se gozaremos da aposentadoria… se teremos saúde e ânimo para
aproveitá-la! Vivam, vivam, cada um é dono da sua trajetória… e a vida dará em
troca, amor verdadeiro, grandes amigos que farão parte da família… e muito boas
memórias…”
Carta escrita por Larissa
Andressa Medeiros, médica catarinense de 40 anos, que morreu de câncer de mama.