"Ando no rastro dos poetas, porém descalça... Quero sentir as sensações que eles deixam por ai"



segunda-feira, 18 de outubro de 2021

a perfeição e o perfeccionismo

 


Nunca acertava o momento de largar o apontador. Apontava duas voltas e parava, via que a ponta do lápis estava boa, mas ainda não era ideal e continuava. Mais duas voltas, as tiras da madeira se amontoando na mesinha da classe, e pensava que poderia avançar mais um pouquinho. No meio da última volta, quando suspirava de satisfação, o grafite quebrava.


A obsessão pelo melhor piorava a minha situação. Não desistia de arredondar a cabeça, afiar a pequena lança de meus deveres escolares. Não encontrava a hora de cessar, confiava que acertaria na próxima tentativa e fracassava. A ponta perfeita terminava presa no apontador de metal. O lápis ia diminuindo. Desaparecendo. E recomeçava pelo ideal de uma letra fina no caderno.


O perfeccionismo é inimigo da perfeição. Levamos o mesmo preciosismo ao casamento. Não definimos o instante de interromper as críticas, a caça pela ponta perfeita. Abusamos das reclamações e nos irritamos por defeitos do outro que não são tão graves assim.


Exigimos muito de quem amamos. Vejo sinceramente que exigimos aquilo que não exigimos nem da gente. Juramos que a pessoa pode dar mais do que vem oferecendo e cobramos aquilo que não existe.


No casamento, demora-se a aceitar que a harmonia decorre do meio-termo, que a ponta é para escrever, não para ferir ou furar o papel.