Minha
mãe me ensinou que não é polido perguntar às pessoas sobre a sua idade. Eu lhe
perguntei por que, mas ela não soube me explicar as razões.
Nunca
consegui entender esta regra da etiqueta, pois não podia ver mal algum em
querer saber sobre os anos de vida que uma pessoa acumulou.
Foi só há umas
poucas semanas que compreendi as boas razões que se escondem atrás deste tabu.
E que qualquer que seja a resposta, ela é sempre mentirosa. Mesmo quando a
conta está certa.
Pois
é assim que se obtém a resposta: somando os anos que já se passaram do ano do
meu nascimento até o ano em que estou vivendo.
Se digo que tenho 58 anos, este
número é obtido pela soma, um a um, dos anos que vão do dia do meu nascimento,
em 1933, até hoje. A conta está certa, mas a resposta está errada. Pois 58 anos
são, precisamente, os anos que eu não tenho. 58 são os anos que já se passaram,
anos mergulhados no passado, anos com que não posso mais contar, anos que já se
queimaram e que não mais se acenderão, como paus de fósforos riscados. Os anos
de uma vida nunca se somam; eles sempre se subtraem.
Assim,
a pergunta correta a ser feita, especialmente num aniversário, não é “quantos
anos você está fazendo?”, mas antes, “quantos anos você está desfazendo?” E as
respostas, para serem verdadeiras, terão de assumir a forma de “eu não tenho 25
anos”, “eu não tenho 37 anos”, “eu não tenho 72 anos”...
A
etiqueta proíbe que se faça a pergunta terrível porque ela nos obriga a confessar
o quanto de morte se acumulou em nosso corpo. Pois os anos somados são, na
verdade, os anos de vida que foram subtraídos, o número dos anos que já morreram.
A proibição tem sua razão: por detrás da pergunta sobre os anos de vida, o que
se está perguntando, mesmo, é sobre os anos de morte.
As
liturgias de aniversário, de forma sub-reptícia, anunciam a verdade que a regra
de etiqueta deseja esconder. Tanto assim que elegeram, como forma de celebrar o
evento, o sopro das velas. Lá estão as velas, sobre o bolo, chamas acesas, no
número exato dos anos vividos. Vem o aniversariante sorridente e inocente, sem
saber direito o que está fazendo, e com um único sopro apaga as velas. Sobre o
bolo ficam os pavios negros. De onde antes havia a chama sobe agora para o alto
o que restou da luz: um risco de fumaça negra.
Todos
riem, batem palmas e cantam.
Confesso
que fico pasmo, sem perceber o que está acontecendo. Pois não há como negar: o
apagar das velas é um símbolo da morte. Aqueles são os anos que já morreram.
Uma veIa que se apaga é uma vida que se vai.
Penso
que, se soubéssemos o que está acontecendo, todos haveríamos de chorar e
lamentar. Ah! Vida, vela, coisa frágil que se apaga com um simples sopro...
Aí eu
pensei se não deveríamos inverter o ritual. Na sala escura e silenciosa um
fósforo é riscado e uma vela é acesa - vela que nenhum sopro vai apagar, e que
vai ficar brilhando por todo o tempo que durar a festa. Com o acender da vela
explode a alegria, não pelos anos que foram desfeitos, mas por aqueles que
estão à espera para ser vividos. Ao invés de soprar a vela, acender a vela...
E
imaginei que cada pessoa deveria ter uma vela - a sua vela, vela que não se
compra em pacotes, pois cada vida é única, diferente de todas as demais.
A
vela teria que ser feita, bem devagarinho, gota a gota, seguindo o ritmo do corpo
que vai se formando dentro do corpo da mãe, célula a célula. Todos os que a
amassem poderiam ajudar. Cada um que quisesse poderia derramar a sua cera derretida
no corpo da vela, que iria crescendo, do lado de fora, enquanto a criancinha
estava crescendo do lado de dentro.
Esta
vela seria mais que uma vela. Seria uma oração.
Teria
uma estória. Teria um nome. Cada vela é um desejo de luz e de calor. Cada vela
é um reconhecimento de que, para dar luz e calor, é necessário não ter pena do
próprio corpo. A vela vive morrendo. Quem faz uma vela medita sobre a beleza e
a tristeza da vida. E, com isto, aquele que a faz fica mais sábio. E que coisa
melhor se pode oferecer a uma criança por nascer que a sabedoria daqueles que
já nasceram?
A
vela seria um testemunho dos desejos dos que já vivem, oferecidos àquele que
irá viver. Os desejos iriam dizer como a vela iria ser.
Há
velas esguias que desejam subir: sonhos alados. Outras, redondas, são frutos
encantados: sonhos de prazer. Dádivas luminosas aos olhos, são também dádivas
perfumadas, delícias para o nariz. Que perfume deverá desprender ao se queimar?
Canela? Jasmim? Cravo? Pêssego? As velas acariciam o corpo mesmo quando os
olhos se fecham. E as suas cores dirão das cores dos desejos daqueles que as
fizeram. Pois a alma é colorida...
E
quando a mãe der à luz o seu filho que chorará o seu primeiro choro de vida, a
sua vela será acesa, e dará também a luz, como a mãe, e derramará a sua primeira
lágrima, na cera derretida que escorre pelo seu corpo.
A
cada aniversário que se celebrar a vela sairá do seu lugar, cada vez menor,
para ser de novo acesa, repetindo a eterna lição de que, se é verdade que a
vida se apaga facilmente com o sopro de um vento, é verdade também que ela se
acende de novo ao ser tocada pela chama...