"Ando no rastro dos poetas, porém descalça... Quero sentir as sensações que eles deixam por ai"



quinta-feira, 27 de junho de 2019

feliz aniversário, envelheço na cidade!


69 minutos, 69 dias, 69 anos...
O tempo é relativo. O que vale é a intensidade com que se vive.
Não existe envelhecimento e sim, amadurecimento constante.

O título desse post é de uma música do grupo Ira! e tem uma parte que diz assim:
Essa vida é um jogo rápido
Para mim ou pra você
Mais um ano que se passa
Já não tenho a mesma idade…

É... a vida é um jogo rápido!
Nenhum de nós é para sempre.
Ela é curta, não vem com prazo de validade e nem traz garantias.
Por isso, comemore hoje... O brinde à vida não pode esperar!

Escrevo-te estas mal traçadas linhas, meu amor*, porque quero te desejar feliz aniversário. 
Desejar tudo aquilo que existe de melhor a esse “serumano de beleza nata, que vai amadurecer mais um pouquinho neste dia.

Muitos anos, cheios de vida pra você,
felicidade sempre e muita!

Com amor e admiração desmedida 
da sempre, sempre tua,

Meg

*dava uma música




“A generosidade, como todas as virtudes, é plural, tanto em seu conteúdo como nos nomes que lhes prestamos ou que se servem para designá-la. 
Somada à coragem, pode ser heroísmo. 
Somada à justiça, faz-se equidade. 
Somada à compaixão, torna-se benevolência. 
Somada à misericórdia, vira indulgência. 
Mas seu mais belo nome é seu segredo, que todos conhecem: somada à doçura, ela se chama bondade”.

André Comte-Sponville


Ensina-nos a contar os nossos dias
para que o nosso coração alcance sabedoria.

Salmos 90:12

segunda-feira, 24 de junho de 2019



Minha mãe me ensinou que não é polido perguntar às pessoas sobre a sua idade. Eu lhe perguntei por que, mas ela não soube me explicar as razões.
Nunca consegui entender esta regra da etiqueta, pois não podia ver mal algum em querer saber sobre os anos de vida que uma pessoa acumulou.
Foi só há umas poucas semanas que compreendi as boas razões que se escondem atrás deste tabu. E que qualquer que seja a resposta, ela é sempre mentirosa. Mesmo quando a conta está certa.

Pois é assim que se obtém a resposta: somando os anos que já se passaram do ano do meu nascimento até o ano em que estou vivendo. 
Se digo que tenho 58 anos, este número é obtido pela soma, um a um, dos anos que vão do dia do meu nascimento, em 1933, até hoje. A conta está certa, mas a resposta está errada. Pois 58 anos são, precisamente, os anos que eu não tenho. 58 são os anos que já se passaram, anos mergulhados no passado, anos com que não posso mais contar, anos que já se queimaram e que não mais se acenderão, como paus de fósforos riscados. Os anos de uma vida nunca se somam; eles sempre se subtraem.

Assim, a pergunta correta a ser feita, especialmente num aniversário, não é “quantos anos você está fazendo?”, mas antes, “quantos anos você está desfazendo?” E as respostas, para serem verdadeiras, terão de assumir a forma de “eu não tenho 25 anos”, “eu não tenho 37 anos”, “eu não tenho 72 anos”...

A etiqueta proíbe que se faça a pergunta terrível porque ela nos obriga a confessar o quanto de morte se acumulou em nosso corpo. Pois os anos somados são, na verdade, os anos de vida que foram subtraídos, o número dos anos que já morreram. A proibição tem sua razão: por detrás da pergunta sobre os anos de vida, o que se está perguntando, mesmo, é sobre os anos de morte.

As liturgias de aniversário, de forma sub-reptícia, anunciam a verdade que a regra de etiqueta deseja esconder. Tanto assim que elegeram, como forma de celebrar o evento, o sopro das velas. Lá estão as velas, sobre o bolo, chamas acesas, no número exato dos anos vividos. Vem o aniversariante sorridente e inocente, sem saber direito o que está fazendo, e com um único sopro apaga as velas. Sobre o bolo ficam os pavios negros. De onde antes havia a chama sobe agora para o alto o que restou da luz: um risco de fumaça negra.

Todos riem, batem palmas e cantam.

Confesso que fico pasmo, sem perceber o que está acontecendo. Pois não há como negar: o apagar das velas é um símbolo da morte. Aqueles são os anos que já morreram. Uma veIa que se apaga é uma vida que se vai.

Penso que, se soubéssemos o que está acontecendo, todos haveríamos de chorar e lamentar. Ah! Vida, vela, coisa frágil que se apaga com um simples sopro...

Aí eu pensei se não deveríamos inverter o ritual. Na sala escura e silenciosa um fósforo é riscado e uma vela é acesa - vela que nenhum sopro vai apagar, e que vai ficar brilhando por todo o tempo que durar a festa. Com o acender da vela explode a alegria, não pelos anos que foram desfeitos, mas por aqueles que estão à espera para ser vividos. Ao invés de soprar a vela, acender a vela...

E imaginei que cada pessoa deveria ter uma vela - a sua vela, vela que não se compra em pacotes, pois cada vida é única, diferente de todas as demais.

A vela teria que ser feita, bem devagarinho, gota a gota, seguindo o ritmo do corpo que vai se formando dentro do corpo da mãe, célula a célula. Todos os que a amassem poderiam ajudar. Cada um que quisesse poderia derramar a sua cera derretida no corpo da vela, que iria crescendo, do lado de fora, enquanto a criancinha estava crescendo do lado de dentro.

Esta vela seria mais que uma vela. Seria uma oração.
Teria uma estória. Teria um nome. Cada vela é um desejo de luz e de calor. Cada vela é um reconhecimento de que, para dar luz e calor, é necessário não ter pena do próprio corpo. A vela vive morrendo. Quem faz uma vela medita sobre a beleza e a tristeza da vida. E, com isto, aquele que a faz fica mais sábio. E que coisa melhor se pode oferecer a uma criança por nascer que a sabedoria daqueles que já nasceram?

A vela seria um testemunho dos desejos dos que já vivem, oferecidos àquele que irá viver. Os desejos iriam dizer como a vela iria ser.

Há velas esguias que desejam subir: sonhos alados. Outras, redondas, são frutos encantados: sonhos de prazer. Dádivas luminosas aos olhos, são também dádivas perfumadas, delícias para o nariz. Que perfume deverá desprender ao se queimar? Canela? Jasmim? Cravo? Pêssego? As velas acariciam o corpo mesmo quando os olhos se fecham. E as suas cores dirão das cores dos desejos daqueles que as fizeram. Pois a alma é colorida...

E quando a mãe der à luz o seu filho que chorará o seu primeiro choro de vida, a sua vela será acesa, e dará também a luz, como a mãe, e derramará a sua primeira lágrima, na cera derretida que escorre pelo seu corpo.

A cada aniversário que se celebrar a vela sairá do seu lugar, cada vez menor, para ser de novo acesa, repetindo a eterna lição de que, se é verdade que a vida se apaga facilmente com o sopro de um vento, é verdade também que ela se acende de novo ao ser tocada pela chama...




Deem aos outros, e Deus dará a vocês. 
Ele será generoso, e as bênçãos que ele lhes dará serão tantas, que vocês não poderão segurá-las nas suas mãos. 
A mesma medida que vocês usarem para medir os outros Deus usará para medir vocês.

Lucas 6:38 / NTLH

segunda-feira, 17 de junho de 2019



“Eu queria ter um fígado no lugar do coração, assim eu poderia sentir menos e beber mais.”

__Adalgisa, personagem de Mariana Ximenes em “Se eu fechar os olhos agora”.



Acho essa coisa da idade fascinante: tem a ver com o modo como lidamos com a vida. Se a gente a considera uma ladeira que desce a partir da primeira ruga, ou do começo de barriguinha, então viver é de certa forma uma desgraceira que acaba na morte. Desse ponto de vista, a vida passa a ser uma doença crônica de prognóstico sombrio. Nessa festa sem graça, quem fica animado? Quem não se amargura?

O tempo me intriga, como tantas coisas, desde quando eu tinha uns 5 anos.Daqui uns dias, estarei fazendo 70. Primeiro, há meses, pensei numa grande festa, eu que sou avessa a badalações e gosto de grupos bem pequenos. Mas pensei, bem, 70 vale a pena! Aos poucos fui percebendo que hoje em dia fazer 70 anos é uma banalidade. Vou reunir filhos e pouquíssimos amigos e fazer aquela festona nos 80. Ou 90.

Pois se minhas avós eram damas idosas aos 50, sempre de livro na mão lendo na poltrona junto à janela, com vestidos discretíssimos, pretos de florzinha branca (ou, em horas mais festivas, minúsculas flores ou bolinhas coloridas), hoje aos 70 estamos fazendo projetos, viajando (pode ser simplesmente à cidade vizinha para visitar uma amiga), indo ao teatro e ao cinema, indo a restaurante (pode ser o de quilo, ali na esquina), eventualmente namorando ou casando de novo. Ou dando risada à toa com os netos, e fazendo uma excursão com os filhos. Tudo isso sem esquecer a universidade, ou aprender a ler, ou visitar pela primeira vez uma galeria de arte, ou comer sorvete na calçada batendo papo com alguma nova amiga.

Outro dia minha neta de quase 10 anos me disse: “Você é a pessoa mais divertida que conheço, é a única avó do mundo que sai para comprar mamão e volta com um buldogue”. Era verdade. Se sou tão divertida não sei, mas gosto que me vejam não como a chata que se queixa, reclama e cobra, mas como aquela que de verdade vai comprar a fruta de que o marido mais gosta, anda com vontade de ter de novo um cachorro e entra na loja quase ao lado do mercado. Por um acaso singular, pois não são cachorros muito comuns, ali há um filhotinho de buldogue inglês que voltou comigo para casa em lugar da fruta. Foi batizada de Emily e virou mais uma alegria.

E por que não? Por que a passagem do tempo deveria nos tornar mais rígidas, mais chatas, mais queixosas, mais intolerantes, espantalhos dos afetos e da alegria? “Why be normal?”, dizia o adesivo que amigos meus mandaram fazer há muitos anos para colocarmos em nossos carros só pela diversão, pois no fundo não queria dizer nada além disso: em nossas vidas atribuladas, cheias de compromissos, trabalho, pouco dinheiro, cada um com seus ônus e bônus, a gente podia cometer essa transgressão tão inocente e engraçada, de ter aquele adesivo no carro.

Não precisamos ser tão incrivelmente sérios, cobrar tanto de nós, dos outros e da vida, críticos o tempo todo, vendo só o lado mais feio do mundo. Das pessoas. Da própria família. Dos amigos. Se formos os eternos acusadores, acabaremos com um gosto amargo na boca: o amargor de nossas próprias palavras e sentimentos. Se não soubermos rir, se tivermos desaprendido como dar uma boa risada, ficaremos com a cara hirta das máscaras das cirurgias exageradas, dos remendos e intervenções para manter ou recuperar a “beleza”. A alma tem suas dores, e para se curar necessita de projetos e afetos. Precisa acreditar em alguma coisa.

O projeto pode ser comprar um vaso de flor e botar na janela ou na mesa, para contemplarmos beleza. Pode ser o telefonema para o velho amigo enfermo. Pode ser a reconciliação com o filho que nos magoou, ou com o pai que relegamos, quando não nos podia mais sustentar. O afeto pode incluir uma pequena buldogue chamada Emily, para alegrar ainda mais a casa, as pessoas, sobretudo as crianças, que estão sempre por aqui, o maior presente de uma vida de apenas 70 anos.



Felizes são aqueles que ajudam os pobres,
pois o Senhor Deus os ajudará quando estiverem em dificuldades.

Salmos 41:1 / NTLH

quinta-feira, 13 de junho de 2019


Para os solteiros, o dia dos namorados é apenas a véspera do dia de Santo Antônio.

quarta-feira, 12 de junho de 2019

namoro de verdade para a verdade



Dia dos Namorados não é um indulto, para fazer tudo o que não fez ao longo do ano e depois continuar na prisão dos hábitos. Não é renovação do alvará para depois seguir com a mesma distração  e desinteresse.

Dia dos Namorados não é um troféu para se colocar na prateleira da memória, é um suspiro a dois.

Dia dos Namorados não é propaganda enganosa, para impressionar numa data e esquecer de se esforçar continuamente.

Dia dos Namorados não é para encher de presentes, é para estar presente inteiramente, conversando à toa para reencontrar o riso mais sincero, com o bluetooth do corpo ligado.

Dia dos Namorados não é para se exibir nas redes sociais e passar mais tempo com o celular na mão do que de mãos dadas.

Dia dos Namorados não é para fingir aventura em motéis, é para insinuar a ventura de outros cômodos da casa.

Dia dos Namorados não é uma obrigação de jantar fora, pode ser uma jantinha simples na própria cozinha, com as canções favoritas e comendo direto das panelas.

Dia dos Namorados não é uma competição com outros casais, é para criar segredo com a sua companhia.

Dia dos Namorados não é um escândalo, uma concorrência para dar mais, é demonstrar um cuidado com as golas desajeitadas e as bainhas presas nas meias e ser um espelho da atenção apaixonada.

Dia dos Namorados não é megalomania, não é vaidade, não é leilão de agrados, é criar acontecimentos discretos na alma,  difíceis de serem descritos.

Dia dos  Namorados não é se endividar, é aceitar que as melhores surpresas vem da simplicidade. Não é para fingir o que não se tem, é aceitar o que se é.

Dia dos Namorados não é status, é compreensão, talvez escolher um filme antigo com pipoca para assistir com olhos novos.

Dia dos Namorados não é uma caça às bruxas, é o casamento da vassoura com a pazinha e perdoar dissabores.

Dia dos Namorados não é ursinho de pelúcia, é alisar a barba e os cabelos.

Dia dos Namorados não é um colar, mas um abraço de cheirar o pescoço. Não é um brinco, mas palavras sussurradas nos ouvidos.

Dia dos Namorados não é forçar a felicidade com salto alto, mas convidar a felicidade a tirar os seus sapatos.

Dia dos Namorados é quando o amor não precisa provar nada, é um dia para provar a boca de quem se ama como se fosse o primeiro beijo. O primeiro beijo de muitos primeiros beijos.



O caráter é a melhor forma de dizer que ama. 
As flores e os textos de hoje serão inúteis, se amanhã o presente for o asco perfume da infidelidade.”



Quem ama é paciente e bondoso.
Quem ama não é ciumento, nem orgulhoso, nem vaidoso.
Quem ama não é grosseiro nem egoísta;
não fica irritado, nem guarda mágoas.

Quem ama não fica alegre quando alguém faz uma coisa errada,
mas se alegra quando alguém faz o que é certo.

Quem ama nunca desiste,
porém suporta tudo com fé, esperança e paciência.

(1 Coríntios 13:4-7 / NTLH)

segunda-feira, 10 de junho de 2019

quando eu me apaixonei por você


Quando eu me apaixonei por você, era como se eu chegasse em casa com muitas sacolas de afeto para derramar nas manhãs, tardes e noites que acolhiam nós dois. A casa, toda ela, também se revestiu de amor e tudo enfeitava a nossa rotina conjugal. O entusiasmo orquestrava as horas e o tempo em si, ele todo, poderia ser apenas aquele fiapo de manhã, uma fatia da tarde, um pedaço generoso da noite se estivéssemos juntos. O mundo carregava todas as amistosidades possíveis e amar era uma forma de abraçar a eternidade, amar era a mais profunda arte de curar.

Quando eu me apaixonei por você, eu conheci todas as temperaturas da carícia. E o teu bom humor ampliava o meu, a minha alegria incitava a tua, assim como os nossos talentos realçavam a singularidade de ambos. E a gente descobriu uma parceria criativa potente, pois fazíamos dos nossos desentendimentos, oportunidades para remanejar nossas percepções e capacidades criativas: tínhamos respeito, sobretudo, pelas nossas fragilidades.

E, quando falávamos sobre a nossa conexão, os arrepios que começavam em mim, terminavam em ti. E a maneira como você conjugava a vida fazia com que eu me sentisse sempre acompanhada, pois todos os nossos verbos eram de ligação. O eu te amo, dito assim mil vezes, foi ficando quase banal, embora os nossos neologismos fossem cartesianos demais para superar a frase clássica. Então, a gente reinventava o amor mesmo usando a forma mais tradicional de dizê-lo.

Hoje, desembrulhando a memória afetiva, vejo que o que eu sentia quando eu me apaixonei por você persiste forte, intenso, ampliado. Vejo que todos os lugares do mundo se tornaram tão nossos porque nossas viagens sempre começaram muito antes das passagens compradas e isso só reforça a minha convicção de que qualquer ambiente é bem mais confortável quando você está por perto. E é por tanto que fica sempre muito fácil renovar a escolha diária que é ter você comigo.

Percebo que, depois de tanto tempo com esse começo, meio e sins, na semana em que os namorados comungam da mesma celebração, o melhor presente nunca vai ser uma coisa, o melhor presente sempre vai ser um lugar: o lugar onde o amor está presente.



Tudo o que você precisa é de amor.
E um pouco de vinho!
🍷🍷

eu tenho um amor


Hoje não é o seu nem o nosso aniversário. Sei que nada acontece por acaso, que o destino coloca as pessoas certas no nosso caminho. Pessoas que nos ensinam, que nos mostram o que estava perdido dentro da nossa própria casa. E isso nos modifica para sempre.

Gosto de fazer as pazes com o nosso futuro. De ter essa cumplicidade bonita, que só cresce. Gosto desse jeito manso que você leva a vida, dessa alegria e desse jeito colorido de enxergar as coisas. Gosto de conversar olhando nos seus olhos e entender o que sua boca não consegue dizer. Gosto do beijo de boa noite antes de dormir e do beijo de bom dia depois de acordar. Gosto de te ver perdido, de manhã cedo, no meio de palavras que você esqueceu de conhecer. Gosto desse amor que se renova, que nunca desbota ou amarela. Gosto de saber que no fim de cada dia um abraço forte surge para mostrar que todas as coisas ruins podem desaparecer. Gosto das suas cantorias esquisitas no banheiro, das suas meias no cesto de roupa suja, do cheiro que fica no seu travesseiro toda vez que você levanta pela manhã. Gosto do seu gosto, da sujeirinha que fica nos seus olhos, dos seus cílios longos, das suas unhas roídas pela ansiedade do acerto. Gosto do seu jeito metódico de lavar a louça, de arrumar a mesa e de pendurar a toalha de banho no varal. Gosto do seu tempero, do seu jeito de vestir a camiseta, da sua forma organizada de dobrar as cuecas. Gosto de adivinhar qual vai ser o seu próximo passo, de te conhecer tanto e de caber no seu peito. Gosto de dizer que você faz tudo errado, por mais que você faça tudo certo. Gosto de repetir todo dia para você não molhar o balcão da pia. Gosto da nossa mania de nunca esquecer os dias importantes. Gosto das nossas danças sem nexo na sala e na cozinha. Gosto de te descobrir um pouco a cada dia e de saber exatamente o que você imagina.

Nunca pensei que teria essa capacidade de amar de um jeito tranquilo. Eu achava que o amor é aquilo que te deixa acelerado, estupefato, insone, maluco. Me perdoe a ignorância, mas eu não sabia. Eu não sabia até conhecer você, até construirmos a nossa vida juntos. O amor é um sofá cama confortável em que podemos sentar ao fim de cada dia e compartilhar pequenas conversas, pequenos risos, pequenos pedaços da vida. O amor é uma sacada aberta onde o sol aquece e o vento seca. O amor é olho no olho, é mentira apagada com borracha, é sonho que tem continuação e vontade que nunca cessa. O amor é o erro reconhecido, é o perdão concedido, é a verdade crua. O amor é saber ser. O amor é querer estar. E permanecer apesar do vendaval, dos buracos fundos, do que dizem.

Não tenho medo de olhar para a frente, pois você me olha e tudo faz sentido. No bolso, sempre as palavras que me servem. Nas mãos, sempre a força que preciso. Nos olhos, sempre a clareza que necessito. Na boca, sempre o beijo que me cala e me desperta. Não tenho medo do que virá, pois estamos juntos. E isso é, sim, tudo. Quem tem um amor sabe.




A palavra certa na hora certa é como um desenho de ouro feito em cima de prata.

Provérbios 25:11 / NTLH

sexta-feira, 7 de junho de 2019



É preciso sair da ilha para ver a ilha. Não nos vemos se não saímos de nós.

carta para minha namorada



Eu decorei suas fraquezas, acalmei seus pesadelos.

Conheço histórias de sua infância, dores e repulsas.

Sou sua caixa-preta, sua cópia de segurança, seu diário, seu esconderijo na parede.

Poderia imitar sua caligrafia, poderia escrever sua biografia, listar o material escolar da 5ª série, recordá-la da capa de bichinhos coloridos da cartilha Alegria de Saber.

Você não escondeu nenhuma resposta de minhas perguntas. Nenhuma gaveta para a minha curiosidade.

Nunca se revelou tanto para outra pessoa. Expôs quem odiava no Ensino Médio, quem amava, quais as gafes e as covardias que experimentou na escola.

Confidenciou aquilo que seu pai gritou e que magoou fundo, aquilo que sua mãe omitiu e feriu fundo.

Não tem anticorpos contra mim. Baixou as armas, depôs a mínima resistência.

Se você me escolheu para confiar, devo ter o dobro de tato para falar contigo, o triplo de responsabilidade. Qualquer um conta com o direito de falhar, qualquer um desfruta da possibilidade de errar, menos eu. Sou o que realmente estudou seus pontos fracos e o lugar de suas veias.

Perdi a desculpa do acidente, a vantagem do lapso.

Sou o mais perigoso, portanto tenho a obrigação de defendê-la de mim. Tudo o que ouvi a seu respeito não posso empregar para agredi-la. Cada desabafo que me confiou não serve para nada, a não ser para amá-la.

Não tem finalidade doméstica, nem serventia para fofoca, é uma amnésia alegre: escuto, sorrio e consolo.

Não ouso soprar verdades sem sua permissão. São arquivos protegidos.

Quem ama mergulha em hipnose regressiva, firmamos um código de quietude e cumplicidade, de zelo e compromisso.

Intimidade é um conteúdo perigoso, tóxico, explosivo. Há os casais que esquecem que estão levando a valiosa carga e transformam a catarse em tortura psicológica, em chantagem emocional, em sequestro moral.

Suas confidências morrem comigo ou eu vou morrer nelas. Não podem retornar numa briga. Que eu morda a língua, queime a boca, mas não use jamais seus segredos. Aquilo que você me disse não é para ser devolvido. Todo segredo é um sino sem pêndulo.

Não importa o que faça ou as razões da raiva, é covardia distorcer suas lembranças.

Não posso rifar seus problemas, nem propor leilão dos seus medos.

Minha namorada, minha noiva, minha mulher, meu amor.

Eu prometo cercar seu silêncio com meu silêncio.

Não nasci para julgá-la, mas para me julgar e, assim, merecê-la.



Então Jesus afirmou:
— “Eu sou a ressurreição e a vida. Quem crê em mim, ainda que morra, viverá; e quem vive e crê em mim nunca morrerá. Você acredita nisso?”

João 11:25-26 / NTLH

quinta-feira, 6 de junho de 2019


quarta-feira, 5 de junho de 2019


#dia mundial do meio ambiente

desconcerto



A estranheza, por si só, é uma resposta. O enigmático atrai. Aquele que veio sei lá de onde, foi criado sei lá como, e nos fascinou, deslumbrou, encantou: os verbos verdadeiros do amor, esse amor que aqui trato como paixão, arroubo, irracionalidade. O êxtase secreto que corrompe nosso coração, a inclinação injustificada em direção a um alguém qualquer.

A paixão é um lampejo. Uma adorável armadilha. Um desconhecimento que nos liberta de nós mesmos. Não sabemos explicar por quê. Aconteceu. Foi pelo jeito de andar, pela voz, pela maneira de mexer no cabelo, pelo beijo quente, foi pelo desconcerto que provocou, foi por ter nos dado vontade de fazer o que normalmente não faríamos, foi por subverter este “normalmente”, foi isso e será sempre isso, mesmo que não dure.

Promovemos paixão a amor para que vire um relacionamento, um noivado, um casamento. Mas essa formatação social leva o amor para um patamar de tabelionato, outro andar da carruagem, logo esquecemos a razão de ele ter iniciado. Seguirá lindo, mas será outra coisa, amor registrado e autenticado em três vias. Amor imperecível, durável - por que alguém perderia o sono por ele, já que eterno?

A paixão nasce da insanidade, da falta de lucidez, da loucura momentânea. É aquele instante em que você sai do bar às três da manhã depois de muita conversa e alguma cachaça e resolve que não pode voltar pra casa, tem que bater à porta da mulher que ama, e vai lá e bate. É aquele instante em que o telefone toca e é seu chefe convocando para uma reunião e você alega uma gripe fajuta porque já decidiu que não pode terminar seu dia sem tentar uma reconciliação com o namorado com quem se estressou ontem à noite. É aquela hora em que você joga no lixo todas as razões sensatas para desistir da relação e, feliz da vida, se deixa devorar pelas imprecisões.

Paixão é tudo que é potente, enérgico e nem um pouco estratégico. Tudo que é natural, impulsivo, sonhador, fantasioso, aquilo que fez você se identificar com os dragões e as bruxas dos contos de fada, mais do que com os príncipes e as princesas. Não tem, nem nunca teve, nada a ver com final feliz, essa falácia.

A não ser o amor modulado para o convencional. Que é outro amor. Outro destino. A maquiavélica vida real.

O amor de que falo aqui é instantâneo, indomável, aquele que você não exige que se adapte e nem o instala numa rotina previsível, porque é isso que o mata.



A pessoa boa tira o bem do depósito de coisas boas que tem no seu coração. E a pessoa má tira o mal do seu depósito de coisas más. Pois a boca fala do que o coração está cheio.

Lucas 6:45 / NTLH

terça-feira, 4 de junho de 2019

o amor em estado bruto


O que é, o que é? Faz você ter olhos para uma única pessoa, faz você não precisar mais ficar sozinho, faz você querer trocar de sobrenome, faz você querer morar sob o mesmo teto. Errou. Não é amor.

Todo mundo se pergunta o que é o amor. Há quem diga que ele nem existe, que é na verdade uma necessidade supérflua criada por um estupendo planejamento de marketing: desde criança somos condicionados a eleger um príncipe ou uma princesa e com eles viver até que a morte nos separe. Assim, a sociedade se organiza, a economia prospera e o mundo não foge do controle.

O parágrafo anterior responde o primeiro. Não é amor querer fundir uma vida com outra. Isso se chama associação: duas pessoas com metas comuns escolhem viver juntas para executar um projeto único, que quase sempre é o de construir família. Absolutamente legítimo, e o amor pode estar incluído no pacote. Mas não é isso que define o amor.

Seguramente, o amor existe. Mas, por não termos vontade ou capacidade para questionar certas convenções estabelecidas, acreditamos que dar amor a alguém é entregar a essa pessoa nossa vida. Não só nosso eu tangível, mas entregar também nosso tempo, nosso pensamento, nossas fantasias, nossa libido, nossa energia: tudo aquilo que não se pode pegar com as mãos, mas se pode tentar capturar através da possessão.

O amor em estado bruto, o amor 100% puro, o amor desvinculado das regras sociais é o amor mais absoluto e o que maior felicidade deveria proporcionar. Não proporciona porque exigimos que ele venha com certificado de garantia, atestado de bons antecedentes e comprovante de renda e de residência. Queremos um amor ficha-limpa para que possamos contratá-lo para um cargo vitalício. Não nos agrada a idéia de um amor solteiro. Tratamos rapidamente de comprometê-lo, não com o nosso amor, mas com nossas projeções.

O amor, na essência, necessita de apenas três aditivos: correspondência, desejo físico e felicidade. Se alguém retribui seu sentimento, se o sexo é vigoroso e se ambos se sentem felizes na companhia um do outro, nada mais deveria importar. Por nada, entenda-se: não deveria importar se outro sente atração por outras pessoas, se outro gosta de fazer algumas coisas sozinho, se o outro tem preferências diferentes das suas, se o outro é mais moço ou mais velho, bonito ou feio, se vive em outro país ou no mesmo apartamento e quantas vezes telefona por dia. Tempo, pensamento, fantasia, libido e energia são solteiros e morrerão solteiros, mesmo contra nossa vontade. Não podemos lutar contra a independência das coisas. Aliança de ouro e demais rituais de matrimônio não nos casam. O amor é e sempre será autônomo.

Fácil de escrever, bonito de imaginar, porém dificilmente realizável. Não é assim que estruturamos a sociedade. Amor se captura, se domestica e se guarda em casa. Às vezes forçamos sua estada e quase sempre entregamos a ele os direitos autorais de nossa existência. Quando o perdemos, sofremos. Melhor nem pensar na possibilidade de que poderíamos sofrer menos.