A estranheza, por si só,
é uma resposta. O enigmático atrai. Aquele que veio sei lá de onde, foi criado
sei lá como, e nos fascinou, deslumbrou, encantou: os verbos verdadeiros do
amor, esse amor que aqui trato como paixão, arroubo, irracionalidade. O êxtase
secreto que corrompe nosso coração, a inclinação injustificada em direção a um
alguém qualquer.
A paixão é um lampejo.
Uma adorável armadilha. Um desconhecimento que nos liberta de nós mesmos. Não
sabemos explicar por quê. Aconteceu. Foi pelo jeito de andar, pela voz, pela
maneira de mexer no cabelo, pelo beijo quente, foi pelo desconcerto que
provocou, foi por ter nos dado vontade de fazer o que normalmente não faríamos,
foi por subverter este “normalmente”, foi isso e será sempre isso, mesmo que não
dure.
Promovemos paixão a amor
para que vire um relacionamento, um noivado, um casamento. Mas essa formatação
social leva o amor para um patamar de tabelionato, outro andar da carruagem,
logo esquecemos a razão de ele ter iniciado. Seguirá lindo, mas será outra
coisa, amor registrado e autenticado em três vias. Amor imperecível, durável -
por que alguém perderia o sono por ele, já que eterno?
A paixão nasce da
insanidade, da falta de lucidez, da loucura momentânea. É aquele instante em
que você sai do bar às três da manhã depois de muita conversa e alguma cachaça
e resolve que não pode voltar pra casa, tem que bater à porta da mulher que
ama, e vai lá e bate. É aquele instante em que o telefone toca e é seu chefe
convocando para uma reunião e você alega uma gripe fajuta porque já decidiu que
não pode terminar seu dia sem tentar uma reconciliação com o namorado com quem
se estressou ontem à noite. É aquela hora em que você joga no lixo todas as
razões sensatas para desistir da relação e, feliz da vida, se deixa devorar
pelas imprecisões.
Paixão é tudo que é
potente, enérgico e nem um pouco estratégico. Tudo que é natural, impulsivo,
sonhador, fantasioso, aquilo que fez você se identificar com os dragões e as
bruxas dos contos de fada, mais do que com os príncipes e as princesas. Não
tem, nem nunca teve, nada a ver com final feliz, essa falácia.
A não ser o amor modulado
para o convencional. Que é outro amor. Outro destino. A maquiavélica vida real.
O amor de que falo aqui é
instantâneo, indomável, aquele que você não exige que se adapte e nem o instala
numa rotina previsível, porque é isso que o mata.