O que é, o que é? Faz
você ter olhos para uma única pessoa, faz você não precisar mais ficar sozinho,
faz você querer trocar de sobrenome, faz você querer morar sob o mesmo teto.
Errou. Não é amor.
Todo mundo se pergunta o
que é o amor. Há quem diga que ele nem existe, que é na verdade uma necessidade
supérflua criada por um estupendo planejamento de marketing: desde criança
somos condicionados a eleger um príncipe ou uma princesa e com eles viver até
que a morte nos separe. Assim, a sociedade se organiza, a economia prospera e o
mundo não foge do controle.
O parágrafo anterior
responde o primeiro. Não é amor querer fundir uma vida com outra. Isso se chama
associação: duas pessoas com metas comuns escolhem viver juntas para executar
um projeto único, que quase sempre é o de construir família. Absolutamente
legítimo, e o amor pode estar incluído no pacote. Mas não é isso que define o
amor.
Seguramente, o amor
existe. Mas, por não termos vontade ou capacidade para questionar certas
convenções estabelecidas, acreditamos que dar amor a alguém é entregar a essa
pessoa nossa vida. Não só nosso eu tangível, mas entregar também nosso tempo,
nosso pensamento, nossas fantasias, nossa libido, nossa energia: tudo aquilo
que não se pode pegar com as mãos, mas se pode tentar capturar através da
possessão.
O amor em estado bruto, o
amor 100% puro, o amor desvinculado das regras sociais é o amor mais absoluto e
o que maior felicidade deveria proporcionar. Não proporciona porque exigimos
que ele venha com certificado de garantia, atestado de bons antecedentes e
comprovante de renda e de residência. Queremos um amor ficha-limpa para que
possamos contratá-lo para um cargo vitalício. Não nos agrada a idéia de um amor
solteiro. Tratamos rapidamente de comprometê-lo, não com o nosso amor, mas com
nossas projeções.
O amor, na essência,
necessita de apenas três aditivos: correspondência, desejo físico e felicidade.
Se alguém retribui seu sentimento, se o sexo é vigoroso e se ambos se sentem
felizes na companhia um do outro, nada mais deveria importar. Por nada,
entenda-se: não deveria importar se outro sente atração por outras pessoas, se
outro gosta de fazer algumas coisas sozinho, se o outro tem preferências
diferentes das suas, se o outro é mais moço ou mais velho, bonito ou feio, se
vive em outro país ou no mesmo apartamento e quantas vezes telefona por dia.
Tempo, pensamento, fantasia, libido e energia são solteiros e morrerão
solteiros, mesmo contra nossa vontade. Não podemos lutar contra a independência
das coisas. Aliança de ouro e demais rituais de matrimônio não nos casam. O
amor é e sempre será autônomo.
Fácil de escrever, bonito
de imaginar, porém dificilmente realizável. Não é assim que estruturamos a
sociedade. Amor se captura, se domestica e se guarda em casa. Às vezes forçamos
sua estada e quase sempre entregamos a ele os direitos autorais de nossa
existência. Quando o perdemos, sofremos. Melhor nem pensar na possibilidade de
que poderíamos sofrer menos.