Era uma senhora alegre,
faceira. Mas morreu, como acontece com todos. Sem salamaleques, sem longas
internações. Morreu rápido, como muitos desejam, e viveu demoradamente, como se
deseja também: tinha 99 anos.
Deixou três filhos, todos
na faixa dos 70, pois na época em que essa senhora era jovem casava-se cedo. E
foi então que, conversando com uma das filhas, de 75 anos, me deparei com uma
questão sobre a qual eu nunca tinha pensado. Disse-me ela que estava muito
magoada com a reação das pessoas: todos vinham abraçá-la, no enterro, como se
ela estivesse de aniversário, como se fosse uma boda, uma promoção, um
réveillon.
“Minha mãe, apesar da
idade que tinha, não dava trabalho à família, era independente e gozou de boa
saúde até o final. Porém, mesmo que tivesse dado trabalho, mesmo que eu e meus
irmãos estivéssemos reféns de uma condição desfavorável, ora, perdi minha mãe.
Por que isso seria menos doloroso a essa altura? Só porque também sou velha?”
Calei. Ela tinha total
razão. É muito comum encararmos a morte de alguém bastante idoso como um alívio
para a família – estivesse o defunto já doente ou não. Da mesma forma como nos
chocamos quando alguém parte cedo, nos insensibilizamos diante dos que partem
aos 95 anos, aos 99, aos 103 anos de idade. É como se estivéssemos aguardando a
notícia do óbito para qualquer momento, e quando a notícia chega, tudo certo,
cumpriu-se a ordem natural das coisas, é preciso morrer e, que dádiva, ao menos
este viveu bastante.
Tudo certo quando se
trata dos pais dos outros.
O que essa senhora de 75
me esclareceu é que ela tem, também, o direito de sentir-se órfã. É um engano
achar que a orfandade é um sentimento exclusivo dos jovens. Ela tinha vontade
de dizer, a todos aqueles que foram ao enterro apenas para cumprir uma
formalidade social, sorridentes como quem vai a um shopping, que a sua
capacidade de sentir dor não havia sido diluída pelos seus 75 anos, e que ela
sentia falta daquela mãe tanto quanto a sua filha de 50 sentiria a sua, e tanto
quanto a sua neta de 25 sentiria da mãe dela.
Essa história aconteceu
alguns anos atrás, mas me veio à memória com clareza e força ao ler
recentemente o livro Filosofia Emocional, do professor Frédéric Schiffter, que
entre diversos assuntos aborda exatamente isso: a tristeza não é uma doença,
muito menos uma doença exclusivamente infantil. O fato de sermos experientes,
vividos, maduros e bem resolvidos não cria em nós uma blindagem contra os
sentimentos. Ao menos, não diante de perdas tão significativas.
E se por um acaso for uma
doença infantil, que respeite-se. Perder a mãe nos leva, a todos, de volta aos
10 anos de idade.