Outro dia, vi numa rede social as
imagens de um pequeno grupo de homens e mulheres fazendo uma fogueira no meio
da rua para queimar máscaras – sim, as máscaras que temos usado para nos
proteger da Covid-19. Enquanto as máscaras ardiam, eles gritavam: “fora,
comunistas!”. Uma palinha do que deve ser um hospício.
A pandemia foi politizada, é um fato,
mas tem algo mais profundo por trás desses surtos. Acho que é medo das
transformações do mundo. Um medo à toa, pois não há como interromper os ciclos
evolutivos da humanidade: estamos despertando para uma importante
conscientização e isso não deveria ser tão perturbador. Melhor aderir logo,
sair da bolha e aprender a dividir.
Comunista!
Calma, nossos extratos bancários e
bens materiais se manterão privados. Falo em repartir o espaço público. Adeus
aos territórios demarcados por preconceitos. Olhe para os lados. Simplesmente,
olhe para os lados.
Já foi dada a largada para um novo
modelo de convivência: homens dividindo com as mulheres os cargos, os encargos,
as invenções, os prêmios, os mesmos pró-labores, a projeção acadêmica,
científica, profissional. Aos poucos, eles nos escutam e compreendem a forma
como enxergamos o mundo a partir de nossas próprias experiências. Depois de
séculos regidos apenas pela versão masculina, eis que começa a ser escrita uma
versão feminina da história.
Negros, brancos e pardos dividindo
escritórios, altares, salões de festas, escolas, palcos, plenários, aviões,
ministérios, microfones. Um compartilhamento que não se alcança através da
bondade divina: é resultado de ativismo constante, de ações concretas em busca
de inclusão, de movimentos que já estão aí, em curso.
Trans, gays, heteros: a vivência
sexual de cada um deixando de ser julgada. Pense: ninguém consegue deter a
natureza humana, ninguém consegue obrigar uma pessoa a trocar de desejos.
Ofensas e agressões cairão cada vez mais no vazio: a potência de ser quem se é,
isso ninguém mais freia.
Está vindo uma nova geração. Crianças
e jovens que continuarão o trabalho de acomodar a todos num platô civilizatório
de igualdade. Haverá resistência, claro, sempre tem alguns governos patéticos
que tentam evitar que os diferentes interajam entre si. Mas o encontro já está
marcado, e será amplo, horizontal, universal, sem a hierarquia estúpida e
fominha de quem não consegue se desfazer de conceitos ultrapassados.
Final feliz no horizonte? Não se
trata de felicidade, mas de justiça e acolhimento. Todos nós sairemos ganhando
se pararmos de nos estranhar. Ajude, em vez de se apavorar. Qualquer gesto,
mesmo que pequeno, contra o racismo, contra o machismo e contra a homofobia
acelerará o que já está em andamento: o fim dessa cafonice chamada “eu sou
melhor do que você”.