Apenas três coisas
irritam minha filha pequena: comer, dormir e tomar banho. Ironicamente, tudo o
que eu mais gosto de fazer, depois de velho. Ela não: basta falar uma destas
três palavras para que se jogue no chão ou comece a miar. Parece um gato,
falando fino. Nunca está com fome (é claro, com minha esposa permitindo iogurte
antes do almoço fica difícil!), nunca está cansada e nunca quer entrar debaixo
do chuveiro. Obviamente, há desentendimento. Eu e ela discutimos. Esses dias
ela ficou tão aborrecida que me entregou um bilhete: “PAI QUERO QUE VOCE NAO
FALE MAIS COMIGU HOGE”.
Perguntou-me, na hora de
dormir, porque ela não podia mandar nos outros. “Seria assim: tudo o que eu
mandasse as pessoas fariam. Eu mandaria todo mundo brincar comigo, correr e me
dar brinquedos”, ela disse. Queria um mundo em que todos a obedecessem. Um
mundo em que todos pudessem comer iogurte antes do almoço, dormir de madrugada
e ter a sola do pé preta. Talvez fosse um mundo mais divertido, e me pergunto
em que momento virei minha mãe e passei a considerar banho, sono e comida algo
tão indispensável. Porém, um mundo em que podemos controlar tudo é também um
mundo chatíssimo.
Imagine um mundo em que
você é uma criança e pudesse controlar todas as pessoas. Em um primeiro momento
você faria apenas o que deseja, brincaria, comeria doces, dormiria tarde.
Ordenaria que todos brincassem daquilo que você quer. No segundo dia, a mesma
coisa. E assim por diante, até que depois de alguns dias você perceberia que
todos fazem as suas vontades apenas por que você os controla. Você sentiria uma
solidão. Ninguém estaria com você porque quer, mas por que é obrigado.
Controlar tudo ao seu redor seria profundamente solitário.
Somos levados sempre a
sonhar com um mundo controlável. Tudo acontece como planejado, meus clientes
dizem sempre sim, os semáforos estão sempre verdes. Teríamos o trabalho dos
sonhos, namoraríamos quem quiséssemos. A pessoa que você ama estaria agora ao
seu lado, pois você a controla. Por mais divertido que fosse nos primeiros
meses, cansaria. Uma vida perfeita é plástica, falsa, solitária. A surpresa que
nos emociona. A imprevisibilidade que nos faz sentir vivos. Serendipidade.
Às vezes, as surpresas
trazem uma dor. Um divórcio. Uma demissão. Às vezes, um sofrimento que parece
que não vai acabar. Mas uma vida incontrolável é a única que nos surpreende com
um amigo novo, que nos aponta uma nova carreira, que nos apresenta um novo
amor. Uma vida incontrolável nos surpreende na esquina. Uma vida incontrolável
é a única que vale a pena. Mesmo que, em algum momento da vida, você tenha seis
anos de idade e seja obrigada a comer, tomar banho e dormir cedo.