O sofrimento vem sendo
tão constante, o pânico tão rotineiro, que não temos mais sentido o arrepio. E
não me refiro ao calafrio da doença, da febre, da COVID, mas ao calafrio da
saúde e da leveza, da surpresa e do arrebatamento.
Neste um ano de pandemia,
ficamos no nosso modo de sobrevivência, orbitando entre os extremos da emoção.
A alegria, quando surge, se resume a descarga e alívio; a tristeza, quando
aparece, resulta concentrada e inconsolável.
Se o luto não é nosso, é
próximo. Se não é de um parente, é de um amigo, de um colega, de um vizinho do
prédio.
Vestimos uma couraça de
proteção, de embotamento, destinados a nos isolar e a nos resguardar do
convívio.
Estamos transformados em
répteis, revestidos das escamas do medo, para aguentar a sucessão de más
notícias.
Não houve mais condições
para se arrepiar. Não houve mais normalidade para se arrepiar. O arrepio da
beleza. O arrepio da paixão. O arrepio das palavras encantadoras. O arrepio das
juras de amor. O arrepio da brisa marinha. O arrepio da delicadeza. O arrepio
da sensualidade. O arrepio de se ver seguro e confiante para se entregar de
verdade.
O arrepio depende de
nossa disponibilidade para ouvir e se mostrar presente, requer uma completa
vulnerabilidade.
Como o tempo parou, como
o cotidiano cessou, como experimentamos uma espera angustiante de uma salvação
para poder sair novamente das cavernas, não existe mais esse estremecimento
contente, essa ondulação vibratória de carinho.
O arrepio só acontece na
felicidade. Os poros vulcânicos se dilatam numa erupção da nossa sensibilidade.
Ninguém pode mentir que não se encontra arrepiado. É uma comoção visível aos
olhos, que se espalha pela pele, que corre por todo o corpo, pela bicicleta do
sangue.
De tanto morrer nos
últimos doze meses, esquecemos de nos arrepiar. Até entendo a sua ausência, a
nossa saudade desse frágil e inefável bem-estar: o arrepio é a nossa excitação
pela vida.