Tão bonita, a idéia da democracia!
Melhor não há. Os cidadãos, educados, conscientes das suas necessidades, no
exercício da sua liberdade, sem compulsões, sem enganos, escolhem por meio do
voto aqueles que serão os seus representantes. Na cidade, os vereadores, no
estado, os deputados estaduais, no país, os deputados federais e os senadores.
Nada mais transparente. Nada mais honesto.
E os representantes do povo,
dominados por um único ideal: trabalhar para o bem comum. No ato de se
aceitarem como representantes do povo eles deixam de lado a sua vontade, os
seus interesses privados, particulares. Tornaram-se depositários da vontade do
povo. Quando pensam e agem não pensam e agem de acordo com os seus interesses.
Apenas uma pergunta informa o seu pensar e o seu agir: “É do interesse do
povo?”
É assim que eu quero. É assim que
todo mundo quer. Como é linda a democracia quando escrita no papel! O problema
é que o que está escrito não é aquilo que é vivido. O poder corrompe os ideais.
Faz muitos anos escrevi uma estória
para grandes e pequenos sobre o que acontece na democracia. Era sobre um bando
de ratos que vivia num buraco do assoalho de uma casa. Todo mundo sabe que
ratos gostam de queijo. E havia um queijo enorme, amarelo, cheiroso, sobre a
mesa da sala onde estava o buraco. Os ratos, de dentro do seu buraco, olhavam o
queijo e sonhavam sobre o dia em que juntos, ordenadamente, alegremente,
haveriam de comer o queijo. O queijo era grande para todos. Todos comeriam o
queijo fraternalmente. Nenhum rato ficaria com fome. Que sonho mais bonito! Mas
por que não comiam o queijo? Por causa do gato que guardava o queijo. O gato
era o obstáculo que se interpunha entre os ratos e o queijo. Eliminado o gato
seria o paraíso! É sempre assim: diante do gato todos os ratos são irmãos. E
marchavam gritando palavras de ordem: “Os ratos, unidos, jamais serão
vencidos...”
Pois não é que um dia o gato
desapareceu? Para onde foi, ninguém sabe. Os ratos não podiam acreditar!
Chegara a hora de realizar o seu sonho! A participação fraterna e socialista no
bem supremo, o queijo. Correram para o queijo. Os ratos mais fortes, na frente.
E os ratos fracos, humildemente, atrás, como na vida...
Aí uma metamorfose aconteceu. Ao
chegar ao queijo os ratos perceberam que queijos sonhados não eram iguais aos
queijos reais. Os queijos sonhados são infinitos: pode-se comer deles à vontade
que não acabam. Mas os queijos reais, cada mordida de um é uma mordida a menos
para o outro. E à fraternidade seguiu-se a luta. Não entre gatos e ratos, mas
entre ratos e ratos. E os ratos, que até então só sabiam sorrir e viviam
cantando canções de fraternidade, arreganharam os dentes afiados uns para os
outros. E aí os ratos se dividiram em ratos gordos de dentes afiados e ratos
magros que viviam amedrontados. E os ratos magros, de dentro do seu buraco,
olhavam para os ratos gordos, comendo o queijo. E notaram então uma horrível
transformação: os ratos gordos tinham a cara igualzinha à do gato. Porque,
entre gato e rato a diferença é pouca: só uma letra...
Muitas pessoas sabem tudo sobre essa
coisa que se chama política. Dentre todos os que mais sabem são os políticos
por profissão que se especializam na arte de não cair do cavalo. São capazes de
montar touro, búfalo, vaca brava, cavalo selvagem, burro empacador, zebra...
Cavalo vai, cavalo vem, o dito político não pisa o chão.
Um exemplo insuperável na arte de montar cavalos sem cair está no senador José Sarney, da Academia Brasileira de Letras, autor do livro “Os marimbondos de fogo”. Por mais que o bicho corcoveie ele está sempre por cima.
Esses são os políticos matreiros, malandros, que vivem mudando de cor, escorregadios. Sabem tudo sobre política mas não contam pra ninguém. E são sempre reeleitos democraticamente pelo povo. Eles sabem a arte de enganar o povo. De todas as criaturas que Deus Todo Poderoso criou, o povo é a mais boba, a mais enganável.
No Paraíso a Serpente estava em campanha eleitoral; era candidata. Sua fala serpentina foi preparada pelo Duda Mendonça, especialista na arte do engano. E Adão e Eva eram os eleitores, bobões, povo... Votaram sem saber no que estavam votando e deu nisso que deu.
Um exemplo insuperável na arte de montar cavalos sem cair está no senador José Sarney, da Academia Brasileira de Letras, autor do livro “Os marimbondos de fogo”. Por mais que o bicho corcoveie ele está sempre por cima.
Esses são os políticos matreiros, malandros, que vivem mudando de cor, escorregadios. Sabem tudo sobre política mas não contam pra ninguém. E são sempre reeleitos democraticamente pelo povo. Eles sabem a arte de enganar o povo. De todas as criaturas que Deus Todo Poderoso criou, o povo é a mais boba, a mais enganável.
No Paraíso a Serpente estava em campanha eleitoral; era candidata. Sua fala serpentina foi preparada pelo Duda Mendonça, especialista na arte do engano. E Adão e Eva eram os eleitores, bobões, povo... Votaram sem saber no que estavam votando e deu nisso que deu.
Mas há também os cientistas
políticos, gente séria em que se pode confiar, que não quer enganar ninguém.
Mas eles escrevem tão complicado que somente aqueles que já sabem entendem o
que eles dizem. O que eles dizem não ajuda o povo a pensar. O povo deseja
pensar? O povo aprendeu, certo ou errado não interessa, que pensar não faz
diferença. Então o melhor é não pensar. Pensar dá muito trabalho e não leva a
nada.
Mas há uns tipos geniais que são capazes
de ensinar a política não como malandragem, não como ciência, mas como
literatura. É o caso de George Orwell. Um dos seus livros é o 1984.
Quando ele o escreveu o ano de 1984 estava tão longe!
Orwell percebeu como ninguém que o poder é um jogo no qual a peça mais poderosa é a linguagem. É através da linguagem que o poder domina as pessoas por dentro.
A paixão por um partido é um caso de perturbação psicótica da linguagem. O apaixonado alucina: toma a linguagem por realidade. O que se ama é aquilo que a linguagem marcou dentro de mim.
Não se vota num candidato. Vota-se naquilo que se diz sobre ele.
As CPIs são todas arenas onde se travam batalhas da linguagem. É a linguagem que dá credibilidade ao poder.
Mas Orwell escreveu também um livrinho bem pequeno, uma fábula que até as crianças entendem, Animal Farm (em português: A revolução dos bichos) que é uma delícia de clareza, sutileza, humor e terror...
É a estória dos bichos de uma fazenda, cavalos, porcos, vacas, cabritos, patos, gansos, cachorros...
Cansaram-se de ser explorados pelo fazendeiro e resolveram fazer uma revolução. Juntos, unidos, expulsaram o fazendeiro aos coices e dentadas.
Estava terminada a primeira fase da revolução.
Segunda fase: Era preciso que as leis fossem claras e transparentes e que expressassem a vontade de todos os animais. Para o conhecimento de todos, elas foram pintadas em letras enormes na parede de um paiol.
A primeira lei era: “Todos os bichos são iguais”.
Terceira fase: Quem serão os líderes? Terão de ser escolhidos democraticamente. E assim foi (não vou contar quais foram os bichos escolhidos para líderes...).
Entretanto, depois que os líderes se assentaram no poder, coisas estranhas começaram a acontecer. Por exemplo: num belo dia, ao acordar, os animais viram que a primeira lei havia sido modificada. Estava lá escrito na parede do paiol: “Todos os bichos são iguais. Mas alguns bichos são mais iguais que os outros...”
Não vou contar o fim da parábola. O que importa é que Orwell percebeu a armadilha do poder: depois que se dá a um grupo o poder para determinar as leis, não há formas de impedir que ele estabeleça as leis que lhe são convenientes. Os que eram antes oprimidos, de posse do poder, se transformam em opressores.
Será essa a ironia da história, que cada luta pela liberdade se transforme sempre numa nova forma de opressão?
Parece que só pode ser partido ético o partido que não está no poder.
O poder cria imperativos de outra ordem.
Quando ele o escreveu o ano de 1984 estava tão longe!
Orwell percebeu como ninguém que o poder é um jogo no qual a peça mais poderosa é a linguagem. É através da linguagem que o poder domina as pessoas por dentro.
A paixão por um partido é um caso de perturbação psicótica da linguagem. O apaixonado alucina: toma a linguagem por realidade. O que se ama é aquilo que a linguagem marcou dentro de mim.
Não se vota num candidato. Vota-se naquilo que se diz sobre ele.
As CPIs são todas arenas onde se travam batalhas da linguagem. É a linguagem que dá credibilidade ao poder.
Mas Orwell escreveu também um livrinho bem pequeno, uma fábula que até as crianças entendem, Animal Farm (em português: A revolução dos bichos) que é uma delícia de clareza, sutileza, humor e terror...
É a estória dos bichos de uma fazenda, cavalos, porcos, vacas, cabritos, patos, gansos, cachorros...
Cansaram-se de ser explorados pelo fazendeiro e resolveram fazer uma revolução. Juntos, unidos, expulsaram o fazendeiro aos coices e dentadas.
Estava terminada a primeira fase da revolução.
Segunda fase: Era preciso que as leis fossem claras e transparentes e que expressassem a vontade de todos os animais. Para o conhecimento de todos, elas foram pintadas em letras enormes na parede de um paiol.
A primeira lei era: “Todos os bichos são iguais”.
Terceira fase: Quem serão os líderes? Terão de ser escolhidos democraticamente. E assim foi (não vou contar quais foram os bichos escolhidos para líderes...).
Entretanto, depois que os líderes se assentaram no poder, coisas estranhas começaram a acontecer. Por exemplo: num belo dia, ao acordar, os animais viram que a primeira lei havia sido modificada. Estava lá escrito na parede do paiol: “Todos os bichos são iguais. Mas alguns bichos são mais iguais que os outros...”
Não vou contar o fim da parábola. O que importa é que Orwell percebeu a armadilha do poder: depois que se dá a um grupo o poder para determinar as leis, não há formas de impedir que ele estabeleça as leis que lhe são convenientes. Os que eram antes oprimidos, de posse do poder, se transformam em opressores.
Será essa a ironia da história, que cada luta pela liberdade se transforme sempre numa nova forma de opressão?
Parece que só pode ser partido ético o partido que não está no poder.
O poder cria imperativos de outra ordem.