Meninos e meninas: eu estava contando
como tudo começou, esse jogo chamado política, parecido com o jogo de xadrez e
suas peças, faraós, reis, imperadores, czares, deputados, senadores, juntas
militares, generalíssimos, eminências pardas, eleições, muito dinheiro, tudo
misturado, tudo se movendo sobre um tabuleiro quadriculado chamado poder.
Aquelas avenidas horizontais, verticais e oblíquas desenhadas no tabuleiro são
as avenidas do poder. É necessário conhecer as avenidas do poder para se jogar
o jogo da política.
Mas há uma diferença: no jogo do xadrez todas as avenidas
são visíveis e claras. O xadrez é um jogo transparente. O jogo da política é
mais complicado: há muitas avenidas de poder no lado oculto do tabuleiro, o
lado que ninguém vê. O jogo da política é o jogo da não-transparência. Razão
por que só os bobos acreditam no que vêem.
Todas CPIs, apurações, investigações
e depoimentos existem a fim de trazer o lado oculto do poder à visibilidade.
Mas, como se sabe, bichos que vivem no lado debaixo do tabuleiro, escondidos,
tais como as lacraias, piolhos de cobra, centopéias, miriápodos,
escorpiões, vermes, lesmas não gostam de ser vistos. Fazem tudo para que o
tabuleiro do poder não seja revirado. Quando o tabuleiro é revirado é aquele
susto. Primeiro, susto dos que viviam escondidos no escuro que se põe então a
correr, em busca do escuro. Segundo, susto dos que viviam no claro: eles nunca
haviam imaginado que o lado escondido do tabuleiro do poder fosse assim tão
repulsivo.
E há uma pecinha sem importância, sem
vontade própria, que vai sendo empurrada para lá e para cá, chamada povo. Para
o povo vale o aforismo: “Os elefantes, quer façam amor quer façam a guerra, a
grama sempre sofre” O povo é a grama.
O fim do jogo se anuncia com a
expressão “xeque mate” que, segundo suas origens etimológicas no pérsico que
dizer “o rei está morto.”
E foi precisamente assim que nossa
primeira lição de política terminou: as cabeças do rei e da rainha da França
haviam sido cortadas pela guilhotina, os cidadãos celebrando alegremente numa
praça, sem pipoqueiros e vendedores de espetinhos. Num outro lugar fechado,
para que ninguém visse, todos os membros da família real da Rússia, inclusive
as crianças, estavam caídas em poças de sangue, perfuradas pelas balas dos
vencedores. Isso, para que nenhum tolo tivesse a esperança de volta. Os
vencedores estão sempre acima do bem e do mal. Esse evento ainda é celebrado
como um marco monumental na evolução histórica de humanidade!
O “xeque mate” marca o fim do jogo de
xadrez. O rei morto marca o fim de um jogo político cujas regras eram definidas
por um “contrato social”. Então para que a morte do rei não signifique a volta
ao estado de “guerra de todos contra todos”, é necessário que se definam novas
regras. Novo paradigma. E como foi o “povo” que pôs fim ao jogo antigo, é justo
que seja o povo que estabeleça as regras do novo jogo. “O poder pertence ao
povo”: essa foi a regra fundamental do jogo. Com justiça absoluta. Se você não
sabe, essa é a essência da democracia. A palavra democracia vem da junção de
duas palavras gregas: “demos”, que quer dizer “povo” e “kratein” que quer dizer
“governar”. Governo do povo e para o povo: haverá coisa mais bonita?
Acontece que as coisas são mais
fáceis na teoria que na prática. É fácil sonhar com o vôo. É difícil fazer um
avião. É fácil sonhar com o ideal democrático. É muito difícil transformá-lo
numa máquina que funcione.
Como criar um sistema político em que
seja o povo que exercita o poder? Em Atenas, cidade considerada o berço da
democracia, esse problema se resolvia de forma simples: os cidadãos livres se
reuniam numa praça, debatiam as questões e votavam. A proposta que tivesse mais
votos ganhava. Isso era fácil porque Atenas era uma cidade pequena. Mas como
reunir os cidadãos de Paris, de Moscou, de Roma? A primeira dificuldade seria
colocá-los juntos numa praça. A segunda dificuldade seria fazê-los ouvir as
propostas (não havia alto-falantes). A terceira dificuldade seria fazê-los
entender as propostas... Há muitos problemas sobre os quais o povo nada sabe.
Podem os ignorantes tomar decisões sobre assuntos que ignoram? A maioria é
sempre mais sábia? Se o seu filho estiver doente, você vai acreditar no
diagnostico de um único médico ou no diagnóstico da família inteira reunida? Em
muitas situações a sabedoria se encontra no “um” e não nos “muitos”.
A solução encontrada se baseava num
pressuposto filosófico: os cidadãos são seres racionais. Eles sabem o que é bom
para eles. Assim, tratava-se de escolher um cidadão, dentre os muitos, que
representasse os pensamentos e desejos gerais. Essa pessoa assim escolhida se
tornaria, então, “representante” de todos aqueles que haviam votado nela. Pois
é isso que é o voto: abro mão do meu direito de exercer diretamente o meu poder
e o transfiro para um outro, em quem confio. Esse outro será o meu
“representante”. Não só meu, mas de todas as pessoas que tiverem votado nele.
Assim, o voto seria o exercício racional da vontade do povo que, conhecedor das
alternativas que se abrem, opta por aquela que lhe parece mais sábia. O voto
seria, ao mesmo tempo, um exercício de poder e de sabedoria. Democracia só faz
sentido com um povo sábio. A partir disso formam-se os partidos. Um partido é o
conjunto daqueles que, juntos, querem que o barco navegue numa determinada direção.
Há partidos que querem que o barco continue em frente. Outros preferem a
direita. E há aqueles que querem que o barco navegue para a esquerda. Há ainda
uns outros que querem que o barco fique dando voltas...
E foi assim que se formou a
democracia, governo do povo pelo povo, povo inteligente, que sabe o que quer,
que, por meio do voto escolhe os seus representantes que, em seu nome, irão
exercer o poder...
Com o passar do tempo descobriu-se
que era muito fácil eleger um representante. O difícil era tirá-lo do poleiro
do poder. O poder é um pássaro que não abandona o poleiro. Tem garras fortes. O
que fazer quando o pássaro não quer deixar o poleiro?
Continuaremos depois...