"Ando no rastro dos poetas, porém descalça... Quero sentir as sensações que eles deixam por ai"



sexta-feira, 9 de novembro de 2018

o amor, em alguns toques


Tive um vizinho que discutia com a namorada três vezes por semana. Eu ouvia tudo. Não por opção: morava no apartamento de baixo. Aquilo era amor ao choro e à reconciliação. Mas não um ao outro.

Difícil saber o que é amor. Mais fácil saber o que não é.

Um namorado citou Guimarães Rosa: amor é “descanso na loucura”.

Com ele vivi mais a loucura do que o descanso, mas o aprendizado tem que começar por algum ponto. O vizinho devia estar nesse estágio. Com o tempo vi que ele tinha razão. O namorado, não o vizinho.

Amor é mesmo aquela sensação de voltar para casa.

Adormecer lado a lado é a grande prova. No dia seguinte, acordar e sentir que está levando alguém com você. Descobrir um sorriso ridículo no canto da boca. Pronto, encaixou. Feito pecinhas de Lego: diferentes, mas vindas do mesmo mundo

Lego é gostoso. Quebra-cabeça não.

Amor não é desejo: é feito de. Amor é feito de amor, mas não só.

Amor não tem razão. Ninguém ama pelas qualidades do outro, nem apesar dos seus defeitos. Ama porque o outro é o outro e pronto.

Amor é pacote completo.

Você sabe que é amor quando se descobre cúmplice. Quando tem a coragem de se mostrar. E de se ver. O outro é um espelho. Vai encarar?

Você sabe que é amor quando se entrega. Mas é melhor guardar algo para si mesmo. Amor não pode ser só para o outro.
Amor é um exercício do não ter. Amar e não ter nada em troca. Porque se é amor, não é em troca. Amor não serve para nada, não garante nada. Como as coisas boas da vida.

Amor é presença e é falta. Uma não vive sem a outra. Amor é liberdade. Gostoso é saber que o outro, com tantas opções, escolheu você mais uma vez. O que fazer para que amanhã ele faça a mesma escolha? Mantenha-se distraído.

Amor é feito de hoje. Da arte de não fazer tudo sempre igual. Da construção. Como revestir parede com aquelas pastilhas bem pequenas. No amor é preciso colocar uma por uma. Sem pressa de ver pronto. Para mim, é esse o sentido de amar como se não houvesse amanhã. Menos voraz do que sugere.

Mas posso estar errada. Sou amadora. Amei paredes inteiras. Quanto mais aprendo, menos sei. Gosto do aprender.

Uma convicção: amor é delicadeza. Eu sempre quis falar isso para o vizinho...