Não sinto raiva da
rotina; mas sinto saudade das surpresas. Do bilhete no para-brisa, da visita
inesperada, do elogio sem ensaio ou da velha frase dita de um jeito novo. Não
sinto por trabalhar o dia todo; mas sinto falta de alguém perguntar como foi o
meu dia. Sinto falta de colo, por mais crescida que eu esteja. E de alguém que
me enxergue além da fortaleza que pareço ser.
Não me incomoda ver no
meu rosto que o tempo passou; mas me incomoda, e muito, ver as pessoas
escondendo o tempo de si mesmas. Crentes que um creme-anti-idade, vai esconder
o passado e a vida que viveram.
Não creio mais em contos
de fadas, mas creio nas fadas que se apresentam na minha vida das formas mais
incríveis e inesperadas. Não morro por não ter realizado todos os meus sonhos,
sonhei tanto que deixei reservas, mas morro aos poucos quando tenho que abrir
mão daqueles sonhos que escolhi realizar.
Já não me importa mais se
você não ouve o que eu falo, mas me importa muito quando não me deixam falar.
Não me incomoda mais a música do vizinho, mas me incomoda muito o silêncio de
quem vive comigo. Quero falas, quero risos, quero participação efetiva e não
uma lista de presença.
Não quero voltar a ser
criança, mas me recuso a matar a criança que ainda resta em mim. Aquela que
gosta de brigadeiro, que compra meias coloridas e que lê gibis na sala de
espera lotada de gente grande.
São coisas que nunca
dizemos, que nunca revelamos para não causar mais problemas do que já temos. Um
dia calamos, seja por negligência ou por acomodação. No outro calamos por
precaução. E quando nos damos conta, não sabemos mais como falar. Então
guardamos tudo na última gaveta de nós mesmos. Aquela onde ficamos sozinhos,
completamente nus e à deriva de nossas fraquezas. É aí que somos de verdade
quem somos. Onde não existe filtro que mascare nossas verdades.
Um dia a gente
cria coragem e abre essa gaveta. E eis que lá estão eles. Nossos medos, nossas
opiniões mais escusas, nossas angústias escondidas e nossos sonhos engavetados.
Então nos vemos assim, tão simplesmente como somos. Sem mais nem menos, sem
antes nem depois. Apenas nós e tudo aquilo que sentimos; de bom, de ruim, de
grande, de pequeno, de lucidez, de loucura.
Por que será que é tão
difícil ser quem somos? Por que será que precisamos ser “tantos”, para esconder o “um” que realmente somos?
Era
para ser tudo tão simples! Pena termos optado por complicar.