“Não sou racista”, dizem
todos, mas alguém assumiria? Não temos amigos negros porque não tivemos colegas
negros na escola particular em que estudamos, e é só por isto que eles não
fazem parte do nosso convívio, a não ser como empregados. Não somos racistas, o
distanciamento deve-se apenas à desigualdade social. Será mesmo?
Ainda consideramos que
ser branco é normal e que ser negro é outra coisa. Ainda pensamos na África
como um lugar exótico que produz bons vinhos, que é ótimo destino para fazer
safáris cinco estrelas e cujo artesanato é perfeito para decorar nossas paredes
e estantes. Não estudamos nossa ancestralidade e não conhecemos todas as
versões da nossa própria história, apenas a escrita pelos brancos, que ignoram
a cultura africana difundida de forma oral. Nossos olhos se voltam para a
Europa como se lá estivesse toda a nossa origem.
Temos falado muito em
empoderamento da mulher, um processo que tem conquistado vitórias importantes,
mas, para sermos uma sociedade moderna, igualitária e justa precisamos estar
atentos também à questão dos negros (questão, aliás, que não é só deles, e sim
de todos). Nossa cabeça tem que mudar. É fundamental trocar experiências e
acabar de vez com estereótipos e preconceitos. Nunca foi tão necessário um
humanismo expandido, agregador, pacífico – único antídoto contra a crise
generalizada em que vivemos.
Convivo com pouquíssimos
negros, mas tenho o privilégio de ser amiga da escritora e atriz Elisa Lucinda,
uma mulher lúcida, engajada. Através dela, aprendo sobre valores, tradições,
orgulho racial. Outro artista a quem devemos escutar é o ator Lázaro Ramos, que
acaba de lançar um livro chamado Na Minha Pele, em que faz um relato sensível
sobre a realidade do negro no Brasil, chamando nossa atenção para atitudes
vexaminosas que nem percebemos. Um exemplo banal: incontáveis vezes ele foi cumprimentado
pela sua atuação em Cidade de Deus, mesmo não tendo participado do filme.
Simplesmente é automática
a associação entre negro e violência. Lázaro também salienta manchetes de
jornal que lemos todos os dias, sem perceber a sutil troca de uma palavra:
“Traficante preso com 30 quilos de cocaína” e “Estudante preso com 30 quilos de
cocaína”. Adivinhe a razão de um ser qualificado como traficante e o outro não.
Estas percepções
equivocadas demonstram o tamanho do nosso atraso e impedem o país de crescer –
não é só a política que nos afunda, mas toda uma mentalidade ainda escravagista
que nos prende a um modelo antigo de nação. Como começar a evoluir? O caminho é
longo, mas fica a sugestão de leitura do livro de Lázaro Ramos para começar a
perder o medo de enxergar o que há por baixo da pele de todos nós.