Estreou semana passada o
filme francês A Datilógrafa, que ainda não vi e possivelmente não verei em
função do meu pouco tempo livre. Minha patroa anda cada vez mais ocupada, e
quem segura o rojão sou eu, claro.
Mas seria ótimo assistir
a um filme onde, finalmente, sou protagonista. Pelo que ouvi dizer, a história
se passa em 1958, quando as mulheres estavam começando a colocar as manguinhas
de fora. Uma garota de 21 anos recebe de presente uma máquina de escrever e
resolve aventurar-se no excitante mercado de trabalho, esforçando-se para ser
uma boa secretária, que era a atividade adequada às moças daquela época.
Depois o filme parece que
vira uma competição, e daí por diante não sei mais nada, mas o resumo inicial
me fez lembrar de quando ganhei, aos 13 anos, uma Olivetti Lettera 32. Tirei-a
do estojo com o maior cuidado e suspirei: estava ali o passaporte para a
profissão que eu sempre havia sonhado exercer.
Fiz um curso de
datilografia e passei a praticar todo dia. Comecei a escrever poemas só para
exercitar os dedos no teclado, eu que até então me atrevera apenas aos diários
escritos à mão. Vinha um verso, vinha outro, e eu ali, treinando, fazendo de
conta que era poeta, até que tivesse idade suficiente para virar a secretária
que eu desejava ser.
Num acesso de loucura,
acabei mandando uns poemas para uma editora e, pra encurtar a história,
publicaram um livro meu. Já trabalhava como redatora publicitária nessa época,
porque tinha que ganhar algum dinheiro, mas lembro que, quando faltava uma
secretária na agência, eu me oferecia para ficar no lugar dela. E tive meu dia
de telefonista também.
O tempo passou e lancei
outro livro, e mais outro, e depois da poesia veio a crônica, abandonei a
propaganda, fui apresentada ao computador, comecei a escrever para vários
jornais, meus textos passaram a ser adaptados para o teatro, iniciei na ficção
e aí aconteceu: virei secretária de mim mesma.
Hoje, realizada, passo
80% do dia atendendo ligações, respondendo toneladas de e-mails, avaliando
contratos, agendando entrevistas, negociando prazos de entrega, indo ao
cartório para reconhecer firma, ao correio para remeter livros, ao super para
fazer as compras da casa, negociando cachês com revistas, trocando mensagens
com a contadora, marcando sessões de fotos, providenciando vouchers de hotéis e
passagens aéreas para os compromissos fora do Estado, autorizando publicações
de textos em livros didáticos, avaliando novas propostas de trabalho e me
desculpando em nome da minha patroa por ela não conseguir atender todos os
pedidos de leitura de blogs.
Não sei o que seria dela
se não contasse comigo para esse serviço de secretariado, se bem que hoje a
madame abusou: me botou para escrever sua coluna. Espero que não acostume, só
me falta ter que assumir os seus 20% restantes de tempo.