"Ando no rastro dos poetas, porém descalça... Quero sentir as sensações que eles deixam por ai"



sábado, 1 de abril de 2017

mentiras


Desde cedo somos programados e educados para mentir. Desde cedo nos ensinam que existem “mentiras bobas” ou “mentiras boas”, que são completamente diferentes das “mentiras ruins” (aquelas que supostamente seriam as únicas que causam algum tipo de dano a alguém). Em um grau de sofisticação um pouco maior, chegaram a nos ensinar que algumas mentiras são, inclusive, benéficas, porque protegem alguém de algo. Ou então que a omissão é a “arte de não mentir sem precisar dizer a verdade”. Resumindo: nos ensinam que é possível viver uma vida honesta mesmo que por muitas vezes, em maior ou menor grau, visitemos um “campo de distorção da realidade”. Que de maneira alguma é uma mentira.

Pois bem, aprendemos isso com todo mundo e não só com os nossos pais. A sociedade nos ensina nos pequenos gestos. Quando um parente/conhecido chato liga e você manda falar que não está (também funciona para os telemarketing). Quando alguém está acima do peso e você “por educação” elogia o seu corpo. Quando algum defeito de uma pessoa transforma-se em uma repressão de comentários. Quando alguém faz uma pergunta simples (como, por exemplo, se te acordou com o telefonema) e você mente para “ser educado”. A questão é que fazemos isso diariamente na frente dos nossos filhos. Nossos pais já faziam isso e os pais deles também. Vemos as pessoas fazendo isso todos os dias, o tempo todo.

Mas não estou aqui para defender a postura da “sinceridade total” ou do “sincerissídio”. O que me incomoda é constatar que essa postura, que ao longo da vida vai nos parecendo normal e até ganha padrões de funcionalidade, acabam atrapalhando o dia a dia das empresas. O comportamento da “mentirinha inocente” é capaz de gerar custos invisíveis, que deixariam o pessoal de finanças de cabelo em pé. As mais comuns são usadas com a justificativa válida de “salvar a própria pele”. São informações, números ou fatos ditos e repetidos quando o interlocutor não tem a menor ideia da resposta correta. Em geral, quando é algum superior que pergunta.

A dificuldade inicial de não admitir que desconhece a informação e a dificuldade maior de reconhecer que deu uma resposta equivocada faz com que profissionais trabalhem para validar um dado errado. Já vi equipes inteiras tendo que comprovar uma informação que foi proferida em um momento de pressão diante do chefe e que depois tem que virar realidade para evitar um desconforto maior. No fim das contas o que acontece é que, como somos programados para pensar que uma “mentirinha só não dói” e ao mesmo tempo temos que comprovar diariamente que temos o total controle das informações, deixamos de lado, automaticamente, duas palavras que facilitariam tudo para todo mundo: “não sei”.

Proponho um desafio: cada um conta quantos “não sei” ouviram de alguém em uma reunião de trabalho nos últimos meses. Garanto que não vai preencher cinco dedos de uma mão. Todo mundo sabe de tudo, mesmo que seja mentira. Todos têm os números de cabeça e na ponta da língua. Há reuniões que mais parecem uma prova oral do primeiro grau - as pessoas decoraram todos os resultados e fórmulas para que possam ser cuspidos ao sinal da primeira dúvida. E o engraçado é que muitas vezes quem ouve a “resposta inventada” se dá por satisfeito, mesmo que ache estranha a informação dada. Talvez também por medo de parecer que não conhece o processo ou a informação, talvez por querer acreditar que seus subordinados têm todas as informações, talvez por não querer expor a pessoa (e voltar ao ciclo da “mentira boa”, no qual você mente acreditar para ser educado).

A questão é que, de mentira em mentira, acabamos perdendo tempo demais ou corrigindo as informações dadas ou “distorcendo um pouco o campo da realidade” para adequá-lo às nossas mentiras. Só tem um problema nessa equação: se tempo é o bem mais escasso que temos (alguns até dizem que é dinheiro) e estamos gastando para confirmar nossas mentiras, em que momento estamos trabalhando com a verdade? Ou quanto dinheiro e tempo eu poderia estar economizando se começasse a fazer diferente? 

___André Moragas