Quando vier a Primavera,
Se eu já estiver morto,
As flores florirão da
mesma maneira
E as árvores não serão
menos verdes que na Primavera passada.
A realidade não precisa
de mim.
Sinto uma alegria enorme
Ao pensar que a minha
morte não tem importância nenhuma
Se soubesse que amanhã
morria
E a Primavera era depois
de amanhã,
Morreria contente, porque
ela era depois de amanhã.
Se esse é o seu tempo,
quando havia ela de vir senão no seu tempo?
Gosto que tudo seja real
e que tudo esteja certo;
E gosto porque assim
seria, mesmo que eu não gostasse.
Por isso, se morrer
agora, morro contente,
Porque tudo é real e tudo
está certo.
Podem rezar latim sobre o
meu caixão, se quiserem.
Se quiserem, podem dançar
e cantar à roda dele.
Não tenho preferências
para quando já não puder ter preferências.
O que for, quando for, é
que será o que é.
(Poemas Inconjuntos, Alberto Caeiro, heterônimo de Fernando Pessoa)