Ainda ela, claro. A quantidade
de homenagens pelos 90 anos de Fernanda Montenegro será sempre insuficiente
diante da sua grandeza. Aproveitando a data festiva, também li “Prólogo, ato,
epílogo”, uma forma de me aproximar desta mulher com quem conversei timidamente
uma única vez, por um minuto, quando fomos apresentadas por uma amiga em comum.
E de conhecer não só sua história, mas a história do teatro brasileiro.
Entre tantas recordações,
Fernanda menciona no livro a época em que era preciso ter uma carteirinha
emitida pela Polícia Federal para poder transitar pelas ruas à noite. A
imposição era destinada a duas categorias de profissionais: os atores de teatro
e as prostitutas. Essa abjeta forma de controle acabou fomentando um
preconceito que, mesmo já tendo diminuído, sobrevive de forma subliminar: a de
que toda atriz é puta.
Quando menina, achava a
coisa mais linda ser atriz, mas nem cogitei em me aventurar. Fui criança nos
anos 60 e início dos 70, quando os costumes começavam a ser revolucionados, mas
não ainda na minha casa. Meus pais, mesmo sendo frequentadores do melhor
teatro, não aplaudiriam: sonhavam em ter uma filha “normal”, e eu, sem vocação
pra rebeldia, fui fazer Comunicação e virei publicitária. Mais adiante, acabei
dando um jeito de atuar: passei a criar personagens fictícios através da
escrita, que também é uma forma de ir além do próprio eu.
Ditadores perseguem
artistas porque sabem que eles são porta-vozes dos desejos da população, o isso
lhes parece subversivo, então estigmatizam a classe e, muitas vezes, censuram.
Já o cidadão comum não tem razão para desprestigiar um artista, a não ser que
se sinta incomodado por um estilo de vida que, vá saber, evidencie suas
frustrações. O artista, mesmo não sendo célebre, vive da sua arte, ama o que
faz, usa os sentimentos como matéria-prima, reconhece a comédia e a tragédia da
nossa humanidade, analisa as questões com a mente aberta, defende a liberdade e
não se deixa regrar por convenções. Uma afronta aos que não conseguem lidar com
essa entrega absoluta a uma existência plena. O fascínio pode acabar virando
raiva. Joga pedra na Geni!
Todas as pessoas –
inclusive as putas, senhores - têm ao menos um talento, que pode estar ligado a
um esporte ou à gastronomia ou moda, jardinagem, bordado, computação, humor,
música, não sei, você é que sabe qual é o seu dom. Alguma coisa você faz muito
bem, mesmo que de forma amadora. Pois trate com gentileza o artista que você
também é. O seu dom, ainda que infinitamente mais modesto que o de Fernanda
Montenegro, é que ajuda a tornar o mundo menos rude. Quem coloca o mínimo de
inspiração e paixão no que faz, sempre devolve algo de bom pra sociedade.