É a palavra mais poderosa da língua portuguesa: coisa. Cinco
letras que, unidas, englobam significados variados e misteriosos. Dentro dela,
a imensidão do intraduzível. Lembro a diretora Irene Brietzke, que dirigiu
minha primeira peça, Trem-Bala, em Porto Alegre. É a elegância em pessoa, mas
quem a conhecia há mais tempo me prevenia: alguns dias antes da estreia, ela
terá a coisa, prepare-se. Minha imaginação orbitava. O que seria essa coisa que
ela teria? Um ataque de estupidez, uma mudez insistente, um sumiço, uma
alergia, um troço? Tudo isso. Eu é que quase tive uma coisa na véspera, mas no
dia seguinte a peça estreou com sucesso.
Desde então, respeito a coisa que dá nos outros.
Quando alguém diz que não irá desistir de seu objetivo porque
há muita coisa em jogo, meu suor escorre pela testa e faz um desvio até chegar
atrás do pescoço e alcançar a lombar. Está na cara que esse alguém será capaz
de roubar, matar, arrancar os dentes do inimigo que se interpuser entre ele e
essa coisa desconhecida e tão valiosa. Imagino que a tal coisa seja sinônimo de
reputação, dinheiro, poder, sexo, enfim, aquela coisa toda.
Quando eu ainda era bem pequena, caí na asneira de dar
conversa para um vizinho mais velho que eu - ele devia ter uns nove anos. Pois
fui proibida de falar com ele porque seu pai era Fulano, notório sujeito que
não era grande coisa. Eu, com imenso esforço, raciocinei: se o pai do meu
amiguinho, um Garibaldo com quase dois metros de altura e uma barriga
gigantesca, não era grande coisa, a nossa família de gente magra e miúda seria
o quê? Fui descobrindo que essa coisa de julgar os outros não era para
principiantes.
Na minha santa ingenuidade, desejava que as relações fossem
mais claras, objetivas, sem tantos pontos nebulosos, mas a coisa não era bem
assim, diziam, e aí me sentia ainda mais perdida, porque às vezes achava que
sabia das coisas e sabia era nada, como até hoje não sei. Se não é bem assim a
coisa, posso imaginar que ela seja muito pior, mais aterrorizante - uma coisa
de outro mundo. Que, aliás, é coisa que nunca entendi também - que outro mundo
é este onde as coisas são tão diferentes?
Se alguém tivesse tido a paciência de me explicar o que eu
não entendia naquela época, já seria alguma coisa, mas as pessoas estavam
sempre muito ocupadas e achavam que certos assuntos não eram coisa pra criança,
então cresci pensando por minha conta, e devo ter pensado coisas fabulosas,
pois, quando me atrevia a revelar meus pensamentos, achavam que aquilo não
podia ser coisa minha, e sim de alguém que estava colocando coisa na minha
cabeça.
Que palavra teria potência semelhante e seria tão absoluta
para definir o inqualificável? Não encontro outra. Fala-se por aí que a coisa
está feia, mas eu a considero até bonitinha diante de tantas outras palavras
que não servem pra nada. Ao menos a coisa funciona.