O olhar não sai mais do
chão.
Enquanto caminhava pela
minha rua, todos que passaram por mim não me viram. Tanto faz ser de carne ou
invisível. Tanto faz. Poderia trajar biquíni ou andar com as vestes reluzentes
de rei mago, tampouco provocaria escândalo.
As pessoas se fixavam em
seu celular. Aguardavam um carro de aplicativo, respondiam uma mensagem,
telefonavam para alguém. Ninguém caminhava de verdade. Sugados pela realidade
virtual de seus dedos, não interagiam, não cumprimentavam, não poderiam sequer
dizer a sua localização precisa.
Largaram a sua
residência, mas não as preocupações de suas redes sociais.
O celular está nos
encurvando. Não duvido que retomemos a postura de primatas. Tudo é horizontal,
nada é mais vertical.
Não observamos o alto dos
prédios, o formato das nuvens, a posição das estrelas. Não procuramos
acompanhar o rasante de um pássaro e a tapeçaria dos fios telefônicos. Não
espiamos se há ninhos nas árvores e casinhas de joão-de-barro nos postes de
luz. Não definimos se irá permanecer o sol na manhã seguinte pelo horizonte
avermelhado.
A bússola morreu dentro
do relógio. O que vale são números digitais. Poucos conhecem as horas pelos
ponteiros.
As crianças não estão
mais se situando pelas constelações. Algumas desconhecem até as fases da lua.
Não procuramos mais Órion
e Cão Maior. Não mais nos surpreendermos com as Três Marias. Não mais rimos
quando achamos Touro e confirmamos que o seu desenho luminoso condiz com o
animal. A noite vem sendo uma praia deserta, com seus grãos estelares jamais
pisados pelas nossas pupilas.
Como se o nosso mundo
fora reduzido a altura das mãos, como se tivéssemos eternamente cinco anos, com
a estatura entre a cama e a mesa.
Estamos mais próximos da
cova do que do céu. Mais próximos da morte do que da esperança.
Se aparecessem anjos
voando pelos telhados, não seriam percebidos. Levitariam anônimos pelas
chaminés. Milagres não chamariam atenção. Só acreditamos em posts e vídeos, não
naquilo que acontece em nossas janelas.
Perdemos a capacidade de
olhar nos olhos de quem amamos. É muito alto, muito fora do perímetro do
aparelho.
Temos medo de encarar o
que é vivo e intenso, o que pede ajuda e abraço. Olhar nos olhos é dizer alguma
coisa, é romper o silêncio de nossos casulos.
Desaprendemos a nos
reconhecer no outro. Somos distantes mesmo próximos. Nosso espelho é a selfie,
não mais o amor.