Não quebro nenhum cálice
de vinho na hora de lavar.
A taça jamais se parte,
apesar do vidro finíssimo, da redoma absolutamente inofensiva, da delicada
superfície de gelo.
Estou invicto. Cuido
tanto, tiro qualquer louça da pia para evitar choques, não arrisco nenhum
movimento impetuoso, eu me fixo suavemente ao esfregar a esponja nas
extremidades.
Já vivo quebrando os
copos mais resistentes. Não controlo o excesso de espuma, eu me distraio com os
pensamentos, eles escorregam ou trincam na torneira.
É uma grande metáfora
para os relacionamentos.
Casamento que dura é o
mais difícil. Casamento que acaba é o mais fácil.
Quando é um casamento
brigado, que tem a fragilidade como marca, somos condicionados a prestar mais
atenção aos riscos e problemas e mergulhamos diariamente num estado de alerta.
Temos a consciência de
que pode terminar a qualquer momento, então preservamos mais as palavras e os
gestos, dedicamos um maior tempo para prevenir mensagens desagradáveis e
ofensas. O medo da ruptura, sempre próxima, faz com que redobremos a apreensão
com os laços.
Já quando o casamento é
estável e sem sobressaltos, abandonamos a companhia ao léu porque não
precisamos de muito esforço. O piloto automático desenvolve a insensibilidade
diante do aumento e da diminuição da velocidade. Há o risco do tédio e da indiferença. Não nos
preocupamos em agradar, e podemos nos distanciar do romance e da atração.
Casal que se desentende é
obrigado a escutar o contraponto incessantemente. Casal que se entende pensa
que conhece o seu par, adivinha, não escuta e fala pelos dois.
Casal com temperamentos
antagônicos entra em disputa de atenção e não desiste de seduzir e de
surpreender. Casal com afinidades custa a perceber a insatisfação do próximo.
Casal com diferenças
gritantes pede desculpa e se prontifica a reparar o erro. Casal que age por
identificação não espera nenhuma frustração e não perdoa com facilidade.
Casal que discute aumenta
o contato e a intensidade sexual. Casal que não se aborrece desemboca na
amizade assexuada.
A convivência entre os
opostos é superior em termos de cuidados do que a convivência entre os iguais.
O apocalipse iminente
gera a salvação. O paraíso previsível gera acomodação.
Uma linha de costura
prende mais o casal do que uma corrente ou uma corda. A possibilidade de romper
o nó sensível permite que os dois se olhem a todo momento para verificar se
permanecem juntos. Estão infinitamente se reparando e se observando para evitar
o desligamento da união. Por sua vez, a firmeza da corrente e da corda criam um
relaxamento e um dos dois pode se mexer bruscamente e derrubar o outro e
demorar para descobrir e, mais ainda, para socorrer.