Eu devia ter 10 anos.
Estava lendo um gibi quando deparei com o seguinte desenho numa tirinha: garota
linda e loira, com uma camiseta de mangas curtas, chega perto do rapaz de que
ela é a fim, abraça a si mesma e diz: “que frio!”. Ele então se aproxima dela e
a envolve nos braços para esquentá-la - oba, começou o namoro. Uma outra
garota, morena, gordinha, usando óculos de grau, olha a cena de longe, gosta da
ideia e resolve tentar o mesmo truque de paquera. Se aproxima do garoto de que
é a fim, abraça a si mesma e diz: “que frio!”. O guri olha para ela com
desprezo, joga um casaco e se afasta. Quá quá quá.
Na hora pensei: vai ser
este o meu destino, afinal, não sou linda nem loira. Outras meninas devem ter
pensado o mesmo: as de cabelo crespo, as narigudas, as pretas, as estrábicas,
as dentuças, todas encantadoras a seu modo, mas que não correspondiam ao padrão
linda e loira. Alguém morreu por causa disso? Era só uma brincadeira, ora. Eu
sei, eu sei, tanto que virei a página e continuei lendo o gibi.
Virei a página? Mentira.
Anos depois, quando eu
tinha idade para namorar, continuei me considerando fora do padrão e não
apostava um níquel no meu poder de encantamento. Quando um garoto me tirava pra
dançar, eu era aquela que olhava pra trás, achando que ele estava falando com
alguém às minhas costas. Uma vez, um cara gatíssimo chegou em mim numa festa e
ficou conversando um tempo. Achei aquilo o máximo: ele, na verdade, estava
querendo informações sobre uma amiga minha (linda e loira), mas ninguém estava
escutando, parecia que ele estava a fim de mim, que felicidade! E uma vez o
guri que eu gostava deixou um cartão embaixo da porta do meu edifício, e não
tive a menor dúvida de que era coisa das minhas amigas, uma delas estava se
fazendo passar por ele, claro.
Claro que não, mas eu enxergava
alguma coisa na minha frente que não fosse a rejeição prometida?
Don´t cry for me, Brasil.
A promessa não vingou e minha vida amorosa vai muito bem, obrigada, mas, às
vezes, é preciso trazer à tona essas histórias, pois tem gente que reclama de
que as mulheres não estão deixando nada passar batido, nem mesmo uma piadinha.
É chato, concordo, mas não tem outro jeito. O mundo mudou, e tem que mudar
mais. Nunca é “só” uma piadinha, há sempre uma mensagem embutida que pode
causar um estrago na autoestima de alguém, e sem autoestima as pessoas ou se
acovardam, ou ficam muito agressivas, e nada disso é bom. Queremos uma
sociedade saudável, leve, moderna? Eu quero.
Por isso, venho lembrar
que temos mil defeitos, mas ser nem linda nem loira não é um deles, é apenas
uma contingência, o que importa é a gente ser segura, ter a cabeça boa e levar
nós mesmas o nosso casaco quando estiver frio, porque é isso que nos torna
envolventes e merecedoras dos abraços mais calientes - quando der pra abraçar
de novo, lógico.